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Publicado em 14 de março de 2014 às 09h23min
Tag(s): Pesquisa
Ninguém estimulou o orgulho nacional da Coréia do Sul como ele, e nos últimos anos, nenhum escândalo perturbou tanto o país quanto o que ele protagonizou. Hwang Woo-suk se tornou uma sensação internacional uma década atrás, quando alegou ter clonado um embrião humano e produzido uma linhagem de células-tronco a partir dele pela primeira vez na história. Ele alcançou notoriedade ainda maior posteriormente, ao afirmar que sua equipe tinha gerado células-tronco clonadas compatíveis com o DNA de pacientes, outra suposta inovação científica que trazia esperança para a cura de doenças.
O governo, ansioso para desenvolver uma reputação de pesquisa a nível mundial para somar às suas realizações econômicas, nomeou Hwang como "cientista supremo". O país emitiu um selo postal em sua homenagem, mostrando um paralítico se levantando de uma cadeira de rodas. A companhia aérea Korean Air lhe ofereceu assentos na primeira classe gratuitamente por 10 anos e mulheres se ofereceram para doar óvulos para seus experimentos.
- Eu criei uma ilusão e a fiz parecer real - disse Hwang recentemente, em uma das poucas entrevistas que deu desde que investigadores concluíram que ele e sua equipe de pesquisa haviam cometido uma das maiores fraudes científicas da história moderna. - Fiquei entorpecido dentro da bolha que criei.
Agora, oito anos após ter sido demitido da Universidade Nacional de Seul por deixar o que seu presidente chamou de "uma mancha indelével em toda a comunidade científica", Hwang, de 61anos, tem levado adiante o desejo de realizar uma descoberta científica de um tipo diferente: um retorno à pesquisa com células-tronco humanas. A tentativa tem levantado polêmicas quanto a ele estar tentando, mais uma vez, enganar o mundo, ou ser de fato quem diz que é: uma pessoa que ficou "queimada", mas que está simplesmente pedindo uma segunda chance.
Os defensores de Hwang Woo-suk afirmam que ele foi vítima de uma conspiração para colocá-lo em descrédito. Os críticos argumentam que apesar de ter reconhecido que seus artigos anteriores tinham sido uma fraude, o cientista continua a afirmar que a sua realização principal, amplamente desacreditada, foi legítima - que ele de fato extraiu uma célula-tronco de um embrião humano clonado.
Alguns dos métodos de Hwang para se defender só aumentaram o ceticismo de seus críticos. Para se reafirmar, ele está tentando registrar patentes, sendo que a última, em fevereiro, foi feita nos Estados Unidos. Mas até mesmo o escritório de patentes reconhece que opera em um sistema baseado em méritos e não pode responder por suas realizações que já foram registradas.
- Ao recorrer às autoridades do registro de patentes para receber o reconhecimento que ele não conseguiu obter na comunidade científica, Hwang está mais uma vez apelando para os sentimentos populares a fim de preparar o terreno para o seu retorno - disse Kim Byung-soo, vice-diretor do Centro para a Democracia em Ciência e Tecnologia, um grupo cívico de Seul.
Os esforços de Hwang para recuperar a sua credibilidade começaram anos atrás. Ele vivia uma vida discreta, mas motivada, reconstruindo um laboratório com alguns pesquisadores que saíram da Universidade Nacional de Seul para acompanhá-lo. Desacreditado, ele mudou de um espaço alugado para outro, concentrando-se em sua única habilidade incontestável: a clonagem de animais. Em 2005, Hwang, um ex-professor de Veterinária, apresentou Snuppy, amplamente reconhecido como o primeiro cão clonado do mundo.
Hoje em dia, Hwang diz que chega a ganhar até 100 mil dólares por animal clonado, muitos para pessoas desesperadas para replicar seus animais de estimação. Foi em parte essa renda, conta ele, que o ajudou a reconstruir seu laboratório. Sua pesquisa, entretanto, tem se concentrado no uso de suas habilidades de clonagem e Engenharia Genética para criar modelos animais de doenças humanas, tais como a doença de Alzheimer, bem como na criação de porcos que ele espera que um dia possam desenvolver órgãos transplantáveis para seres humanos.
Em 2012, Hwang transferiu os 40 pesquisadores de sua Fundação de Pesquisa Sooam Biotech para um novo prédio de cinco andares em uma encosta no sul de Seul.
No laboratório há fotos de cachorros clonados nas paredes, e filhotes em gaiolas levantam as patinhas para os visitantes. Durante a recente visita de um repórter, Hwang vestiu um avental cirúrgico azul e transplantou 14 embriões caninos em uma cadela. Ele disse que a cadela, uma vira-lata, provavelmente levaria adiante a gestação de duas ou três réplicas de um pastor alemão muito querido por seu dono. Os seus esforços para se redimir, depois de anos tentando melhorar a sua reputação, já começaram a dar frutos.
Desde 2006, periódicos respeitados aceitaram 43 artigos da Fundação Sooam sobre sua pesquisa com animais, e os subsídios do governo começaram a surgir novamente. Ele também conquistou o respeito de alguns profissionais de sua área.
- Ele é um cientista dedicado e perseverante que cometeu alguns erros - disse Cindy Tian, especialista em clonagem da Universidade de Connecticut que mencionou sucessos específicos de Hwang na pesquisa com animais e que publicou alguns de seus trabalhos mais recentes. - Todo mundo merece uma segunda chance.
Os problemas de Hwang começaram em 2005, quando um ex-colega mais jovem revelou seus segredos. Os seus apoiadores, incrédulos, colocaram flores rosas no caminho que levava ao seu laboratório na Universidade Nacional de Seul, rezando para que ele voltasse a trabalhar lá. Ele nunca voltou.
Após uma investigação de alegações feitas por Hwang em artigos publicados em 2004 e 2005, a universidade concluiu que ele havia coletado óvulos humanos de forma antiética, inclusive de alguns colegas mais jovens. Ele negou as acusações. A universidade levantou dúvidas quanto à linhagem de células-tronco de 2004, e concluiu que Hwang e sua equipe não tinham criado nenhuma das 11 linhagens de células-tronco que eles afirmavam ter desenvolvido no artigo de 2005, substituindo-as por células de uma clínica de fertilidade.
Hwang foi condenado por desvio de fundos de pesquisa e por violar a lei de bioética em 2010, e foi condenado a uma pena de prisão suspensa de dois anos.
Por fim, os promotores atribuíram grande parte da culpa a um pesquisador júnior que trabalhou na maior parte das linhagens de células-tronco e que, segundo eles, disse a Hwang que as células tinham sido criadas por meio da clonagem. Hwang afirmou ter sido enganado, mas admitiu ter pedido a sua equipe que inflacionasse o número de linhas de células-tronco criadas para fazer jus às altas expectativas de um país intoxicado por seu sucesso. Ele também admitiu ter pedido à sua equipe que falsificasse alguns dos dados divulgados no artigo sobre a primeira linhagem de células-tronco, a fim de agilizar a publicação do trabalho.
Finalmente, o governo revogou a licença de Hwang para realizar pesquisas com células-tronco humanas. Em fevereiro, o Supremo Tribunal da Coreia do Sul confirmou a sentença suspensa. Mesmo antes de o veredito final sobre a sua condenação, seus defensores e críticos começaram a se perguntar se Hwang deveria ou não receber autorização para voltar a realizar pesquisas com células-tronco humanas.
- Se concedermos essa autorização para alguém como ele, ligado a um escândalo que vai ficar para a história da Ciência, o que o mundo vai pensar do sistema científico do nosso país? - perguntou Kim, do Centro para a Democracia em Ciência e Tecnologia. Os críticos atribuíram escândalo de Hwang não só a uma má conduta pessoal, mas também a uma cultura em que a obtenção de resultados era a única coisa que muitas vezes importava na corrida para alcançar os países avançados.
Outros dizem que Hwang já foi suficientemente punido.
Mesmo que Hwang receba autorização para voltar à pesquisa com células-tronco humanas, ele vai encontrar um cenário muito diferente do que existia 10 anos atrás. Foram desenvolvidos novos métodos que não exigem a criação de embriões para produzir células-tronco. E no ano passado, uma equipe de pesquisadores do Oregon informou ter usado a clonagem para criar células-tronco embrionárias humanas, um feito que seu laboratório alegou ter realizado muitos anos antes.
Fonte: Zero Hora