Entrevista Ana Aires: “É muito difícil formar doutor no interior do Estado”

Publicado em 03 de setembro de 2014 às 17h52min

Tag(s): Ensino



O desafio da interiorização do ensino superior no RN não é apenas o acesso do aluno, mas a manutenção do profissional formado na região. A análise é da professora Ana Aires, pedagoga e diretora do Centro Regional de Ensino Superior (Ceres) da UFRN. À frente dos campi de Caicó e Currais Novos desde 2011, ela aposta que a chegada do curso de Medicina Multicampi de Caicó – cuja primeira turma foi iniciada em julho – poderá mudar essa realidade. Com aporte de R$27 milhões do programa Mais Médicos, do Governo Federal, o curso ofereceu 40 vagas iniciais, com perspectiva de ampliação para 80 vagas até 2016. Na proposta do curso, os primeiros quatro anos são em Caicó, mas na parte prática o aluno sai do ambiente dos hospitais universitários e é direcionado para intervir na rede de saúde do município. “Isso vai trazer um impacto, uma qualificação da rede de saúde do Seridó e Trairi”, afima a diretora. Em entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Ana Aires aponta que o curso também impulsionará o processo de interiorização da UFRN, com a abertura de novos cursos de alta concorrência. Os desafios da interiorização e da internacionalização da universidade serão discutidos na 21ª edição do seminário Motores do Desenvolvimento, dia 8 de setembro, no auditório da Federação da Indústria (Fiern). Confira a entrevista:

Apesar de ter sido criado há pouco tempo, o curso Multicampi de Medicina já trouxe algum impacto para o Seridó?
A unidade Multicampi vai funcionar dentro campus universitário, o que já vai trazer um impacto para o Ceres Caicó – mas isso só podemos contar daqui a três anos. Porém, a chegada do curso, por si só, já impactou o Seridó. As pessoas conseguem visualizar a importância do Seridó ter um curso de alta concorrência. Mas acho que em um futuro muito próximo, vai trazer um impacto para a saúde, dada a proposta do curso. Por exemplo, não há hospital universitário: todas as práticas são de intervenção na rede de saúde de Caicó, Currais Novos e Santa Cruz. Isso vai trazer um impacto, uma “qualificação” da rede de saúde do Seridó e Trairi.

De que forma?
A partir do momento que os alunos começarem a interferir na prática e também na discussão, ajudando na resolução de problemas da rede pública de saúde. A rede de saúde vai ficar mais robusta com a quantidade de profissionais. Além disso, o aluno traz as demandas para serem problematizadas no curso, buscando respostas e encaminhado-as para o ente responsável. Eu vejo como uma estratégia para melhorar a rede de saúde do RN.

Mas o grande desafio é manter esse médico no interior depois...
Só vamos saber se isso será uma dificuldade quando a primeira turma sair, mas a proposta metodológica do curso é de formação de um perfil profissional diferente dos formados pelo campus central. Não é um melhor que o outro. No nosso, do interior, a proposta é de um perfil voltado para a saúde comunitária, da família e para o social. Vai ser um perfil profissional preocupado com o interior. A formação dele, desde o primeiro dia da graduação, vai ser problematização da rede básica de saúde do interior, com um olhar para a saúde das populações mais carentes. Boa parte dos estudantes é do interior e, com as cotas, há uma entrada de alunos das camadas mais populares. Nós esperamos que eles se voltem para a população dessa camada.

O acesso do aluno ao ensino superior ainda é difícil no interior?
A forma de ingresso é única. O aspecto inovador para interior, em 2014, foi o argumento de inclusão regional. Antes tudo acontecia no mesmo patamar. Os alunos que tenham terminado o nono ano e os três anos o ensino médio em qualquer região que faz fronteira com o Seridó e o Trairi têm 20% de bonificação após a opção que eles fazer.

Por que ele foi criado?
Nós começamos a pensar nisso porque a política do Governo Federal, ao criar os cursos de medicina no interior é que os profissionais fiquem no interior. Começamos a pensar, a partir do curso de medicina, no que fazer para que as vagas do interior fiquem, se não na sua totalidade, pelo menos em parte para o aluno do interior. Pensamos em expandir isso para outros cursos, para que parte dos profissionais formados fique no interior. Com o argumento de inclusão, temos alunos formados interior e que, pelo nosso julgamento, pelo menos um percentual também vá ficar no interior.

Vocês também acreditavam que o aluno do interior não tinha condições de competir com o da capital?
Não, em termos de Seridó, isso não acontecia. O argumento de inclusão não aconteceu por causa disso. O ensino do Seridó é muito bom, e temos visto isso nas avaliações do MEC. 

Há uma demanda reprimida por cursos de alta demanda no interior? Para quais?
Nós começamos a discutir, quando assumimos a gestão, o porquê de aqui no interior só termos cursos de licenciatura ou cursos de baixa demanda na procura do vestibular (à exceção de Direito). Bom, estava na hora de começar a pensar que, para fortalecer os campi no interior, é preciso trazer cursos de alta demanda. Para contribuir para o desenvolvimento do Seridó, precisávamos destes cursos. Hoje temos propostas para cursos de bacharelado em música e gastronomia, que já estão com os projetos pedagógicos concluídos, em processo para criação do projeto para ciência e tecnologia, bacharel em tecnologia da informação, serviço social, comunicação social, museologia e arqueologia, este ainda sendo discutido. A previsão é de abertura desses cursos em 2016. Temos outros cursos voltados também para a área de artes, pois é preciso fortalecer essa área no Seridó.

Como funciona a estrutura do Ceres atualmente?
Caicó e Currais Novos eram unidades independentes. No final da década de 1980, elas se unem, apesar de manterem estruturas administrativas separadas. Em 1995, nos unimos e passamos a ter uma única direção e vice, sendo pelo regimento interno do Ceres a administração no campus Caicó. 

Por que o Ceres escolheu focar no oferecimento de cursos de mestrado profissional?
Por causa do nosso quadro. É muito difícil formar quadros de doutores no interior, por uma diversidade de fatores. O mestrado profissional em rede nós temos uma espécie de apoio. Como ele acontece no interior e no campus central, o mestrado possui um quadro de professores. No mestrado acadêmico não pode ser dividido. O mestrado em rede é uma modalidade nova, você ganha um apoio. O de pedagogia, por exemplo, coordenado pela Universidade Federal de Santa Maria, e tem pólos em todo o Brasil; já o de Letras a coordenação nacional é da UFRN, distribuído em pólos em Caicó, na UERN, no campus central...

Mas por que é difícil formar doutores no interior?
Vai além de formar doutor, a dificuldade é de formar quadros (de professores doutores). Porque o interior passa por uma série de dificuldades de infraestrutura, e como o interior não tem uma estrutura em termos de cidade, com lugares de diversão, cinemas, teatros... o campus central possui uma infinidade de cursos diferentes, então as pessoas fazem concurso para o interior e depois pedem transferência para o campus central. No começo, tentamos prender a saída desse pessoal, mas depois entendemos que o edital é livre. Se existe a possibilidade de redistribuição, nós também ganhamos um código de vaga. Ou seja, podemos abrir concurso para a área que precisamos. É desgastante, porque sempre que fazemos uma redistribuição passamos por uma negociação, edital, e isso abre um custo para nós de tempo e financeiro.

De quanto é esse déficit de quadro?
Ainda temos um número significativo. Temos uma demanda muito maior de professor que se redistribui do que de servidores. Na maioria das vezes conseguimos repor essas vagas, há uma demora em sair o edital, mas na medida do possível nós fazemos a reposição com regularidade. Tem algumas que fazemos chamada para a exigência do perfil de doutor para mestre e então aparecem os candidatos. Só que passamos por tudo de novo: captamos esse professor, qualificamos, termina o doutorado e eles fazem concurso para outro lugar. É uma minoria, mas ainda significativo para nós.

O Plano Diretor para os campi vai facilitar a expansão?
Esse vem ordenar, geograficamente, o crescimento dos campi de Caicó e Currais Novos. Dentro do nosso plano de expansão e do projeto de interiorização da UFRN, que estava esperando pela aprovação do plano diretor, que aconteceu no dia 27 (de agosto). Tínhamos algumas obras que estavam inacabadas que eram os novos blocos de salas de aula, um auditório, uma biblioteca e um anfiteatro, que devem ser finalizadas em setembro. Há outras obras previstas para 2015.

Fonte: Tribuna do Norte

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