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Publicado em 11 de dezembro de 2017 às 14h52min
Tag(s): Entrevista
O senador Roberto Requião é do PMDB raiz, principal costela do Movimento Democrático Nacional (MDB), partido de oposição à ditadura militar e referência na luta pela redemocratização do país. Provocado se não sentia constrangimento em militar hoje no mesmo partido do primeiro presidente da República denunciado por corrupção no exercício do mandato, ele devolve:
– O Temer é quem deve se sentir constrangido em estar no meu Partido.
Um dos principais opositores ao impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, Requião faz críticas também ao modelo econômico dos 13 anos dos governos do PT. Em sua trajetória politica, contabiliza mandatos como governador do Paraná, prefeito de Curitiba e no Senado Federal.
Em Natal para participar do lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Soberania Nacional, da qual é presidente, Roberto Requião conversou com a agência Saiba Mais sobre sua trajetória e as mudanças que o Brasil atravessa em tempos de golpe e de crise.
Agência Saiba Mais: Em que momento da história o PMDB deixa de ser aquele Partido referência para a democracia brasileira e se torna o que é hoje ?
Roberto Requião: Ao mesmo tempo que isso aconteceu com todos os partidos. O processo de corrupção que se assemelha àquela condição do BBB (Big Brother Brasil) que a Globo divulgou e vulgarizou em todo o país: “faz parte”. Passaram a acreditar que a política é feita assim. A privatização das campanhas eleitorais, o alto custo, a utilização da televisão e a “desideologização”. Então isso levou a uma desmoralização completa da política, que deu início à operação Lava-jato, muito boa no início, mas que depois passou a ter uma seletividade absoluta nas condenações e serve de biombo para um grande projeto de destruição do estado de bem social do país, de desnacionalização do país, a serviço das ideias do consenso de Washington e numa nova divisão internacional do trabalho e nos deixa na condição de país produtor de minérios e commodities agrícolas, celeiro do mundo, e por consequência, toda essa política de terras para estrangeiros, de precarização do trabalho, da CLT, e nós estamos vivemos numa crise. Não há reação popular no momento porque as acusações são muito pesadas e o povo está anestesiado. Agora mais hora menos hora os efeitos da CLT, a paralisação do investimento, o fim da aposentadoria, a tentativa de privatização das universidades, a liquidação dos movimentos sociais, o corte das subvenções para os Sindicatos de uma forma abrupta… porque ao meu ver essa contribuição obrigatória era uma coisa que nós combatíamos há muito tempo, mas não dessa forma, isso é para acabar com o movimento sindical, acabar com a oposição, com uma cobertura brutal das rádios e dos jornais eles estão avançando com o fim da proposta do Estado nacional.
E qual é o papel da mídia nesse processo de destruição do estado nacional ?
A mídia é o principal instrumento de ação do entreguismo no brasil. A mídia dá cobertura a toda essa patifaria e levanta a questão da corrupção a cada momento. Mas contra a corrupção da Globo, do PSDB, de partidos de direita, a mídia atenua o problema.
Você disse que o povo está anestesiado com as acusações de corrupção no país, mas essa reação não é contraditória ? Um presidente com 97% de rejeição não é suficiente para levar o povo para a rua ?
Acho que você exagera, o Temer tem só 1% de popularidade (risos).
Mas não é contraditório ?
Não é contraditório, é um verdadeiro absurdo que um presidente rigorosamente sem apoio no país avance subornando, comprando, comprometendo o congresso nacional, feito por analfabetos políticos que trocam seu voto por uma emenda, por um cargo, tendo como consequência a perenização do mandato. Eles não querem saber o que estão votando, querem continuar nos mandatos. Uma boa parte, mas tem exceções.
O fato de você e o Temer pertencerem ao mesmo partido lhe deixa desconfortável ?
Ele é que deveria ficar desconfortável de estar no meu partido. O meu PMDB é aquele do movimento Esperança e Mudança, uma proposta nacionalista , popular democrática e desenvolvimentista. Rigorosamente nada a ver com essa Ponte para o Futuro, que nunca passou pelo partido. É uma proposta da banca do capital financeiro… porque não é o Temer que governa o país, o Brasil é dominado pelo interesse do capital financeiro.
Você e a senadora Kátia Abreu são os principais nomes de oposição ao PMDB dentro do PMDB. Recentemente, a senadora foi expulsa do partido. Como está sua situação ?
Primeiro que a Kátia não poderia ser expulsa. Não há suporte estatutário para isso. E a minha situação é que eu pedi a expulsão deles também e o processo está tramitando na comissão de ética do PMDB. A base do PMDB não é o governo, ela não tem nada com isso. Aliás, a base de todos os partidos não está comprometida com esse processo de corrupção parlamentar.
Que ela está certa. De uma forma generalizante, a política está toda corrompida. Não fosse assim teríamos admitido o inquérito que abrangia o governo Federal, com o Temer, o Eliseu Padilha e o Moreira Franco. Essa visão é correta. Há exceções, mas a visão é correta.
Você foi um crítico do impeachment e também um crítico do governo da ex-presidenta Dilma Rousseff. Qual foi o principal erro do governo do PT para que a situação chegasse ao ponto que chegou?
O PT deixou de aproveitar uma visão que inverteu daquela visão brizolista das perdas internacionais, não utilizou aquela vantagem eventual do Brasil com o crescimento da China, a compra de commodities minerais e agrícolas tendo como consequência sua valorização e preço não investiu num projeto de infraestrutura. Mas não é só o governo do PT, é uma sequência de governos. No início da década de 80, o Brasil nas mãos dos militares, o Brasil produzia industrialmente mais do que os tigres asiáticos. E quem eram os tigres asiáticos ? Tailândia, Malásia, Coreia do Sul e China. Aí nós aderimos à geopolítica norte-americana, que nos proibiu de comercializar com o mundo, manter relações com outros países, de desenvolver setores importantes para a nossa economia. E hoje não produzimos industrialmente 15% do que eles produzem. Agora vamos deixar o industrialmente de lado. Nos anos 70, o Brasil e a China eram responsável por 1% do comércio mundial. Hoje o Brasil continua com 1% e a Chica agora com 12%. Ela viabilizou um projeto interno de desenvolvimento industrial. Sem o crescimento industrial não há bons empregos, não há bons salários, não há um avanço no processo civilizatório. E o Brasil caiu nessa esparrela do agronegócio, que não é ruim, tem segurado nossa balança comercial. Mas ele sozinho leva ao desemprego. Tecnologia de ponta e mecanização leva ao desemprego. E o Temer está propondo isso, a venda de terras brasileiras para o capital internacional americano, chinês, daqui a pouco você ter dificuldade de trafegar pelo Brasil porque eles terão domínio de espaço maior do que em seus próprios países. E terão polícia privada, polícia ligada ao seu próprio governo… então o projeto do governo leva ao desemprego e à semi-escravidão porque a escravização leva uma saída à moda chinesa, quando o capital americano entrou na China. Só que naquela época, por incrível que pareça, para a China não era uma mau negócio porque vivia uma relação medieval entre capital e trabalho. O chinês conseguia um emprego fixo, melhorava o almoço e o jantar da família. O brasileiro não é assim. Nós incorporamos todos os avanços sociais, as políticas sociais e trabalhistas e vivemos na CLT do Getúlio Vargas. Então eu prevejo uma crise muito grande quando essa anestesia midiática e o efeito das boçalidades políticas começar a acontecer.
Dos ataques do governo à sociedade, como a reforma trabalhista, o congelamento dos investimentos sociais por 20 anos e a reforma da Previdência que deve ir à votação até o final do ano, qual é o mais nocivo para o país ?
Esses todos que você citou, na verdade, são um só: o liberalismo econômico que acabou com a Europa. Que fez desaparecer a Grécia como Estado, que prejudicou brutalmente a Itália, que faz com que a Espanha não tenha um governo sólido há um ano e meio, que levou a Inglaterra ao Brext e que pediu asilo no Brasil para compensar suas perdas. A intenção é tomar conta do território brasileiro, uma espécie daquele desejo alemão da época do Liberound, o Espaço Vital. E todos os países hoje disputam esse espaço sul-americano. Por exemplo, a China tem 7% da sua área territorial agricultável e 20% da população do mundo. ME parece razoável que ela queira ampliar sua área agricultável para 20%. Ela está comprando terras na África e entrando no Brasil. E o Temer que iniciou esse golpe sob uma tutela norte-americana agora se preocupa apenas em se manter no poder.
Sua oposição incisiva no episódio do impeachment levou muita gente a se perguntar porque você ainda estava no PMDB e não em um partido de esquerda…
Qual é o partido de esquerda ? Você conhece algum no Brasil ? Vou lhe contar um pouco da minha história. Minhas raízes estão em Sergipe. Meus avós paternos são sergipanos, e os maternos baianos. Meu avô sergipano criou o primeiro partido operário do Brasil, um dia depois da proclamação da República, chamava-se Partido Operário e defendia a reforma agrária, o ensino público, a saúde pública e uma profunda reforma no judiciário, que sairia do Direito Romano e seria apenas um Direito Arbitral que aliás é uma coisa que está para acontecer. Essas instâncias, essa lentidão, ainda mais em função do número de habitantes da Terra. O modelo chinês é interessante, não é nem de arbitragem. A China não tem juízes, mas conciliadores. Tem um 1 bilhão e meio de habitantes e 113 mil conciliares, que sentam com as partes. Mas não podemos sobreviver mais com esse Judiciário que se corrompe do mesmo jeito que o Executivo e o Legislativo por pressão do capital financeiro.
A Lava-jato quebrou o Brasil ?
Acho que a lava-jato fez uma investigação, se tornou seletiva, mas quem quebrou o Brasil foi o golpe militar, o governo… a liquidação da Petrobras. A Petrobras foi depredada por corruptos da politica. Qual seria a solução ? Colocar os corruptos na cadeira e colocar a Petrobras para a frente. O que fez o Barack Obama na quebradeira da General Motors, nos EUA, e função da corrupção ? Ele estatizou a General Motors, que era a empresa símbolo do capital norte-americano. Estatizou, injetou dinheiro, investiu e devolveu para a iniciativa privada. Nós estamos no caminho errado porque fomos dominados pelos interesses do liberalismo econômico. E como eu disse é um zumbi, um morto vivo que pediu asilo no Brasil e pôde financiar o golpe.
O governo já declarou que se a economia se consolide o PMDB pode lançar um candidato ao governo, até próprio Temer ?
O Temer está desesperadamente atrás de se manter no poder. Não há um indicador concreto de recuperação da economia. O desemprego sobe, o salário diminui e o desespero da população avança. É uma crise muito pesada. Por isso hoje eu acho que a questão da corrupção tem que ser combatida. Eu conversava com o Lula outro dia e ele dizia: “nós não podemos dizer que somos contra a operação Lava-jato. O abuso da Lava-jato é que precisa ser combatido”. E os corruptos estavam em todos os partidos. O meu é o PMDB. Tem uma parte da executiva nacional na cadeia. O PT está com comprometimento, com os equívocos que nós conhecemos. O PP é o campeão da corrupção no Congresso Nacional. Então a macropolítica brasileira, do ponto de vista dos seus dirigentes, está totalmente corrompida e isso tem que ter um fim. Agora o combate à política está servindo de bimbo para o fim do estado nacional.
Eu não sou partidário dessa opinião. A necessidade do Brasil é a reforma econômica. Não adianta reforma política alguma com o Banco Central independente. Você vai ter um processo eleitoral de uma forma e um Banco Central comandando a economia sem que a opinião pública e o interesse social tenham prevalência ou capacidade de opinar.
Mas um sistema em que o presidente da República é refém do Congresso não precisa de mudanças ?
Complicado é você enveredar por um sistema parlamentarista onde não teremos um presidente da República que se eleja com uma proposta política e econômica de governo com o apoio da maioria da população. Você atomiza o Congresso, que é financiado pelo capital financeiro, pelas empreiteiras, os bancos e não respondem mais aos programas eleitorais e aos discursos eleitorais, respondem aos seus financiadores. Junto com isso vem a proposta do voto distrital e outras barbaridades que vem liquidar qualquer possibilidade e viabilidade de mudança de rumo do Brasil.
O Jair Bolsonaro é produto dessa crise ?
O Bolsonaro é um pobre coitado. Ele tem até uma opinião interessante que é matar o Fernando Henrique. Do ponto de vista político acho que ele não está errado, mas claro que do ponto de vista material, físico isso é um absurdo. Só que ele nem precisava propor isso porque o PSDB está morto, e o Fernando Henrique nem se fala.
O que você espera de 2018 ?
Espero uma eleição e um plebiscito revogatório. Mas uma eleição com programa eleitoral. Sou amigo do Lula, mas não sou devoto dele. Fui oposição fechada contra a política econômica do Henrique Meirelles do governo Lula e contra a política econômica do Joaquim Levy do governo Dilma. Me coloquei contra i impeachment porque eu sabia o que vinha depois. Precisamos de um projeto claro de Governo. Econômico, social e com apoio popular. Um governo democrático e um presidente da República que tenha força para fazer a mudança necessária para o Brasil.
Fonte: Agência Saiba Mais