Alex Reinecke: “A luta antimanicomial é uma luta por direitos e combina exclusivamente com o ambiente democrático”

Publicado em 25 de maio de 2020 às 10h27min

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A luta antimanicomial é mais do que qualquer outra coisa uma luta por dignidade humana, por direitos humanos. Uma sociedade sem manicômios gera acolhimento, ao invés de exclusão, que é no fundo do que trata os hospícios: exclusão social, tortura, terror. 

A partir do governo Temer e com mais força ainda na gestão de Jair Bolsonaro, os manicômios, que desde 2001 vinham sendo substituídos aos poucos por uma rede de atenção social, voltaram a ser reincorporados à política nacional de saúde. Com a pandemia do novo Coronavírus e as determinações de isolamento social, em alguns casos até confinamento obrigatório, o aumento de casos e de pacientes com transtornos mentais têm deixado o movimento e os profissionais que atuam na saúde mental ainda mais preocupados e alertas. 

Nesta entrevista concedida originalmente para o Saiba Mais Podcast, o psicólogo e professor da Faculdade de Ciências da Saúde da UFRN Alex Reinecke fala sobre a luta antimanicomial em tempos de pandemia. Ele também é um ativista dos Direitos Humanos e foi assessor da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da presidência da República, na gestão Dilma Rousseff.

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Agência Saiba Mais: Muita gente ainda confunde a luta antimanicomial com a reforma psiquiátrica. Qual a diferença?

Alex Reinecke: O dia 18 de Maio é considerado o dia nacional da luta antimanicomial. E aí em relação a essa sua pergunta, é importante a gente diferenciar que a reforma psiquiátrica é uma política de estado adotada no Brasil a partir da Lei 10216/2001, e fez com que uma mudança progressiva fosse pensada na ênfase do modelo de tratamento e cuidado em Saúde Mental. Então, a reforma psiquiátrica é uma política de estado e a luta antimanicomial seria um movimento bastante amplo e complexo, formado por trabalhadores e trabalhadoras usuários e usuárias do sistema, profissionais em geral, estudantes e personalidades que entendem que a questão da construção histórica do manicômio é uma construção que precisa ser diariamente desconstruída. Nesse sentido, a luta antimanicomial seria uma compreensão mais radical pela transformação, não só dos espaços asilares mas também das práticas hegemônicas de exclusão e, também, ao mesmo tempo de retirada das pessoas do convívio, esse seria o objetivo maior da luta antimanicomial. E a reforma psiquiátrica está dentro da perspectiva de acolher a demanda de reivindicação e luta antimanicomial. Seria, então, uma resposta do Estado à uma política que precisa ser transformada.

Então, qual a mensagem da luta antimanicomial no Brasil?

Eu diria que a principal mensagem da luta antimanicomial no Brasil diz respeito à transformação das práticas, a transformação de tudo aquilo que foi produzido pelo saber psiquiátrico, pelo saber biomédico que tinha como pressuposto a ideia de que era necessário isolar para poder tratar. Só que esse isolamento ocorria e ocorre sempre no momento em que as pessoas mais precisam de redes de suporte. E essas redes de suporte eram rompidas a partir de um tratamento exclusivo e ao mesmo tempo colocava essas pessoas num período grande de isolamento. Para você ter uma ideia, o Brasil possui um número ainda bastante elevado de pessoas morando em hospital psiquiátrico. O número exato não é possível precisar em virtude da ausência de um censo nacional para essa população. Mas sabemos pelos dados oficiais que houve uma diminuição de aproximadamente 50 mil leitos psiquiátricos, em 2002, para 25 mil, em 2015, ao passo que esse investimento foi redirecionado para abertura de CAPS, que passaram de aproximadamente 500, em 2004, para quase 2.460, em 2017. Então, o que aconteceu no Brasil foi uma grande transformação desse modelo, mas a gente sabe que essa transformação, além de envolver as pessoas com transtorno mental, envolve também a construção de um outro lugar social para loucura, a ideia de que a loucura é um componente humano, é uma capacidade humana de desafiar os limites da cultura, de transformar as compreensões, de enxergar um outro mundo. Evidentemente que falar isso também não significa diminuir que essa questão também envolve o que seria dor, sofrimento e morte. Mas isso coloca, então, o objetivo da luta antimanicomial como sendo a transformação desse lugar social para loucura, em que a gente possa acolher a diferença em nossa sociedade.

E como a pandemia do novo coronavírus tem impactado nesse debate e, principalmente, na vida das pessoas com transtornos mentais?

Olha, historicamente a vida das pessoas com transtorno mental é uma vida, diria, bastante atravessada por violações de direitos humanos. Para se ter uma ideia, o próprio tratamento manicomial enquanto um tratamento que isola para poder tratar e que diminui a capacidade de negociação e de participação social dessas pessoas, caça a cidadania em nome de uma razão, em nome de uma saúde mental, em nome de um pretenso tratamento. Então, não seria diferente no período da pandemia do coronavirus que o impacto sobre esses grupos mais vulnerabilizados se se coloca de uma maneira ainda mais importante. Então, o que a gente tem percebido é que esse tipo de funcionamento, esse tipo de questão que a pandemia coloca, com a necessidade de isolamento e com a diminuição na disponibilidade dos serviços de saúde, isso sem dúvida tem impactado de maneira ainda mais grave para essa população, considerando suas demandas, suas necessidades, e no momento em que muitas pessoas estão sentindo um abalo no campo da saúde mental, não só aquelas pessoas especificamente com transtornos, mas aquelas pessoas que, em virtude de toda essa incerteza e de todas as dificuldades advindas do isolamento, passam a ter sua saúde mental abalada, prejudicada, o próprio sofrimento que a situação nos acomete.

“A vida das pessoas com transtorno mental é uma vida bastante atravessada por violações de direitos humanos”

E as próprias famílias das vítimas que não têm nem conseguido se despedir dos parentes ? A ausência desse luto, dos velórios, também afeta de alguma forma? Como isso acontece?

É muito interessante você tocar nesse ponto do luto, porque acho que esse é um ponto muito importante ser dito nesse momento. De fato o que a gente tem vivido é um momento de trauma coletivo. Muitas vidas foram perdidas, a própria vida está ameaçada, está em suspensão. Pessoas aí com toda uma preocupação em relação ao contágio, à sua própria morte, a morte de pessoas queridas. Algumas vivenciando esse próprio luto, e um luto interditado. Um luto interditado até pelas características agora da não possibilidade de uma aglomeração e o velório, por exemplo, é um momento muito importante desse nosso ritual do luto, uma vez que lhe permite ali as pessoas estarem próximas, terem um tempo para poder iniciar um trabalho de reconhecimento do que aconteceu para poder juntar forças com as pessoas próximas, relembrar aquela pessoa, e é muito importante que a gente consiga ter isso como uma tarefa para nossa geração e para as próximas. Muitas pessoas estão sendo enterradas, muitas pessoas estão sendo deixadas muitas vezes sem o devido momento em que as pessoas poderiam para estar elaborando esse luto. Então, acredito que é um sofrimento que vai perdurar por algumas gerações, e é preciso que a gente construa dessa maneira a memória dessas pessoas. Não são apenas números, são histórias, são famílias, são pessoas. É um grande contingente de pessoas que vão sendo perdidas aí por conta da pandemia e por conta do desastre que tem sido em nível federal a maneira de buscar algum enfrentamento.

“Acredito que é um sofrimento que vai perdurar por algumas gerações, e é preciso que a gente construa dessa maneira a memória dessas pessoas”

Em isolamentos obrigatórios, e em alguns casos, até confinamentos, quais são os tipos de transtorno que mais têm efeito sobre a população, que mais tem aparecido? E como cuidar melhor da Saúde Mental nesses tempos?

A própria Organização Mundial de Saúde lançou recentemente um comunicado em que aborda a questão da Saúde Mental no tempo da pandemia. E aí ela trata de algumas reações frequentes, como o medo de adoecer e morrer, de perder as pessoas amadas, e perder os meios de subsistência, ser demitido, não poder ter algum trabalho, enfim. Além disso, o fato de ser separado dos entes queridos, de não poder ter algum suporte financeiro para enfrentar esse momento, além da impotência perante os acontecimentos, sensações de irritabilidade, angústia, tristeza. Então essas são algumas reações que têm sido verificada mundo afora, e não seria diferente aqui no Brasil. Isso pode acarretar alguns distúrbios em relação ao sono, produção de conflitos, da violência doméstica, pesando bastante também para esse momento. E essas são algumas questões que precisam ser observadas. Eu digo que, em termos de estratégia, uma primeira coisa importante é a gente de fato reconhecer e acolher esses medos e perceber quais são essas questões que estão emergindo aí, tendo como pano de fundo toda essa incerteza, todo esse abalo, essa situação nova. E toda essa situação nova gera um abalo na nossa subjetividade, na nossa maneira de perceber e sentir as coisas. É muito importante que a gente tenha a possibilidade de desenvolver algumas estratégias de cuidado, de autocuidado, de suporte mútuo, mesmo que virtualmente, que a gente preste atenção para quem pode ficar em isolamento e pode ter um cuidado com a alimentação, ter um cuidado com o físico. Tudo isso é muito importante, já tem sido dito por vários especialistas. O que importa dizer também é que a pandemia revela questões que de certa maneira já estavam presentes antes da própria pandemia, mas que se agrava e que ganha um contorno bem mais complicado que é a imagem que a gente vê no espelho. Que vida é essa que a gente vem levando? O que vale a pena ser vivido? Como é que a gente vinha trabalhando? Como é que a gente vinha exercendo a nossa própria vida no cotidiano? Então, são questões que aprofundam, eu diria, para quem pode vivenciar. Esse momento de isolamento, isso traz uma carga de entrar em contato com essa própria imagem, e nem sempre essa imagem é agradável. Mas ela é por si só uma atitude da gente recobrar a nossa própria compreensão a respeito da nossa vida e da nossa saúde mental.

“É muito importante que a gente tenha a possibilidade de desenvolver algumas estratégias de cuidado, de autocuidado, de suporte mútuo, mesmo que virtualmente”

A gente observa muito nas redes sociais, pessoas de classe média e também os ricos reclamando do confinamento como se o tédio fosse maior problema. Já nas periferias a questão é mais grave, muitos vivem aglomerados, em péssimas condições sanitárias. Como você, um profissional que atua há vários anos na área da saúde mental, vê esses dois mundos? Dá para tratar da mesma forma?

Não dá para tratar da mesma forma e, enfim, vivemos num dos países mais desiguais do mundo e acho que essa pandemia tem revelado ainda mais essa desigualdade, na medida em que a gente percebe que se a gente considera todas as recomendações da uma OMS, já que as recomendações não vêm do governo federal e estão rivalizando dentro daquela ideia de que a economia seria mais importante do que a própria vida e que poderia custar a vida de algumas milhares de pessoas… então se a gente considera que temos um país com uma grande falta, mais de 50% da população não têm acesso à água encanada, vivem na informalidade, não tem qualquer condição de cumprir as orientações mínimas na Organização Mundial de Saúde. Percebemos que a pandemia tem aprofundado essa desigualdade e tem dado uma oportunidade diferente para os diferentes grupos sociais, para essa sociedade profundamente dividida e desigual. E a estratégia diferenciada para cada grupo específico e considerando as vulnerabilidades específicas. Então, se a gente tem aí uma classe média que tem condição de suprir as suas necessidades durante a quarentena, por outro lado temos um grupo de pessoas que estão colocadas ao risco do contágio, da morte iminente, dada a letalidade e a transmissibilidade do coronavírus. Isso mostra que a gente tem aí uma grande desigualdade em relação às oportunidades que são fornecidas e um Estado que não se garante em proteger aqueles públicos mais vulneráveis, que dariam algum conforto ou algum tipo de possibilidade de enfrentamento com melhores condições. Mas são desigualdades históricas que se aprofundam nesse momento.

Um lema da reforma psiquiátrica fala que a liberdade é terapêutica. Mas de que tipo de verdade a gente está falando?

Sim, esse é o lema muito importante, uma boa lembrança. A liberdade é terapêutica. Esse é um lema da reforma psiquiátrica que tem inspiração em alguns acontecimentos que se sucederam na Itália. E a reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial brasileira tem muita inspiração nessas experiências. A ideia de que a liberdade é um valor a ser produzido e que essa liberdade e a garantia de todos os direitos fundamentais seriam de certa maneira uma comprovação, ou melhor dizendo, seria uma maneira da gente cuidar melhor das pessoas. Quanto maior a garantia dos direitos humanos, todos eles, maior a possibilidade de cuidado e, de certa maneira, de produção de saúde. Então, nesse sentido, a gente tá falando de uma liberdade, mas não de uma liberdade que se confunde com esse ultra individualismo liberal no sentido estritamente de uma capacidade de acesso ao consumo individual, mas uma liberdade que se produz em rede na comunidade e que se faz coletivamente, produzindo redes de cuidado, produzindo formas em que a diferença seja de fato acolhida dentro da vida e que as pessoas, quando mais precisarem em virtude do seu sofrimento, possam ter e receber esse cuidado também em liberdade.

“Quanto maior a garantia dos direitos humanos, todos eles, maior a possibilidade de cuidado e, de certa maneira, de produção de saúde”

Trazendo um pouco esse debate para cá, para o Rio Grande do Norte, qual é a situação da rede de tratamento psicossocial do Estado? 

Bom, a situação do Rio Grande do Norte, como eu vinha falando, pegando carona no cenário nacional… a partir de 2001, a gente tem aí a reforma psiquiátrica sendo assumida como uma política de estado, e a gente passou por uma mudança progressiva do financiamento em Saúde Mental para uma rede de atenção psicossocial, essa que envolve, dentre os vários serviços, os Centros de Atenção psicossocial, as residências terapêuticas, também os espaços de cooperativas e de outras iniciativas, os leitos em hospitais gerais para internações de curta permanência. Então um conjunto bastante variado e complexo para demandas diferenciadas. E essa rede teve uma grande expansão a partir de 2002, 2003, chegando aí talvez de 10 a 15 anos de expansão, e o que pode ser dito é que a partir do governo Temer assumiu no Ministério da Saúde um conjunto de forças que são contrários a essa orientação da política nacional e passaram então a desconstruir. O resultado é que o Rio Grande do Norte teve aí o seu período de expansão de uma rede estadual, uma expansão que também foi sentida no interior do Estado, a gente teve a estruturação de serviços de atenção psicossocial, de Centros de Atenção psicossocial, também voltados para o público de álcool e outras drogas, também direcionado a crianças e adolescentes. Então essa rede passou por esse período de expansão e esse período foi golpeado também a partir do governo Temer, no momento em que forças contrárias à luta antimanicomial e à reforma psiquiátrica passaram a responder oficialmente pela pasta e a diminuir o investimento e dificultar não só a expansão da rede, que foi abandonada, mas também o custeio desses serviços que passaram a depender cada vez mais de recursos estaduais e municipais para poder manter o seu funcionamento pleno.

Com a pandemia, piorou em relação aos investimentos ou chegou mais verba?

Infelizmente o cenário da pandemia, embora tenha colocado a saúde mental aí na ordem do dia, haja vista a quantidade de recomendações que estão sendo feitas pelos organismos internacionais e nacionais, também pela frequente colocação dessa questão no dia a dia dos debates, das lives que abundam aí nesse período, mas o que a gente tem é que esses investimentos continuam num nível decrescente para o campo da saúde mental. Então você tem aí uma urgência de poder estruturar uma rede de suporte para o enfrentamento da pandemia. E esses locais passam a funcionar com os poucos recursos que já eram disponibilizados e agora ainda com o agravamento de você ter um funcionamento em alguns lugares descontinuado ou mesmo com algumas dificuldades de suprir os serviços que já eram escassos e precários, de maneira que você tem um aumento da necessidade desses serviços e uma diminuição progressiva do seu financiamento.

“Você tem um aumento da necessidade desses serviços e uma diminuição progressiva do seu financiamento”.

A gente já teve investimentos, de fato, nesta área da saúde?

Para pensar em termos de financiamento, posso dizer que a saúde mental nunca recebeu o devido financiamento e, mais do que isso, o seu financiamento durante algumas décadas se deu de maneira equivocada, na construção de um pólo hospitalocêntrico, que teve inclusive o seu epicentro no período da ditadura civil-militar, e também a construção de leitos privados conveniados com o sistema público no que ficou conhecido como “a indústria da loucura”. Então uma capitalização e, ao mesmo tempo, a construção de um modelo deformado, que efetivamente não presta o cuidado necessário mas que historicamente produziu a exclusão das diversas pessoas. Isto está fartamente documentado. Tem um trabalho muito importante da jornalista mineira, Daniela Arbex, um livro do holocausto brasileiro, que também foi feito documentário. Se tem aí uma documentação bastante desanimadora, mas ao mesmo tempo fazendo aí o papel da memória histórica, de que sim produzimos campos de concentração para essas pessoas em virtude do que se produzia de morte nesses estabelecimentos. Então o financiamento para saúde mental sempre foi insuficiente e, ao mesmo tempo, quando se produziu uma transformação da expansão da rede de atenção psicossocial ela não teve todo tempo para se desenvolver tal qual necessitaria, de maneira que o que a gente tem hoje ainda é a convivência com o modelo manicomial que ganha força a partir de um golpe não só na República, mas também com o avanço do conservadorismo e daqueles grupos que passam a se identificar e lucrar com com esse tipo de retorno de uma lógica hospitalocêntrica, que é criticada inclusive pela própria OMS. E o Brasil, que possuiu uma posição de vanguarda no campo da reforma psiquiátrica, reconhecida internacionalmente pela sua experiência, passa aí então a amargar um refluxo conservador e preocupantes desse movimento.

“O Brasil  possuiu uma posição de vanguarda no campo da reforma psiquiátrica”

Em 2017, no governo Temer, foram aprovadas mudanças na política de saúde mental do país e os hospitais psiquiátricos foram reincorporados à rede de atendimento. Qual o tamanho desse retrocesso, Alex? E o que pode vir ainda no governo Bolsonaro?

De fato. O ano de 2017 foi um ano de bastante retrocesso para o campo da saúde mental. Algumas mudanças que foram produzidas dizem respeito ao fortalecimento dos grupos, tanto da recolocação daqueles espaços manicomiais, da possibilidade de expansão de leitos psiquiátricos e, por isso, um tipo de investimento que rivaliza e desconstrói a lógica da rede de atenção psicossocial… e também envolvendo aí a temática da questão do uso de álcool e outras drogas, o pertencimento ainda mais forte das comunidades terapêuticas, espaços que são comprovadamente… por relatórios expedidos pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, pelo Conselho Federal de Psicologia e outros órgãos que produziram visitas de fiscalização nesses espaços e puderam comprovar o uso indiscriminado da chamada laborterapia, uma forma de trabalho precário, de exploração de mão de obra, a questão do caráter religioso e não científico desses espaços, produzindo muitas vezes tratamentos completamente descabido do ponto de vista das evidências e do que se produz de um certo paradigma no campo da atenção psicossocial e também trabalho análogo ao escravo e uma série de violações de direitos humanos que esses espaços produzem. E eles foram alçados à condição de uma política oficial. Mais uma vez uma espécie de privatização da nossa política de saúde mental, que deixa de ser a construção de uma rede de atenção psicossocial pública, que dê conta das diversas necessidades para focalizar única e exclusivamente naqueles momentos de crise, remontando aí o modelo curativista, que tem a pretensão, mas que na verdade, acaba ampliando um isolamento e produzindo ainda mais a não conexão dessas pessoas com suas redes de suporte de cuidados que devem ser fortalecidos. Esses espaços foram produzidos, valorizados e incorporados à política de saúde mental a partir dessas mudanças de 2017 e fez com que a gente tivesse o fortalecimento de um tremendo retrocesso.

Com a ascensão do Bolsonarismo, até pelo perfil autoritário, antidemocrático e opressor contra as minorias sociais do atual governo, a gente já lia notícias de aumento no número de casos de depressão, por exemplo. Isso de fato já vinha acontecendo?

Para responder a essa sua pergunta eu diria que a luta pela promoção e a construção de uma rede de atenção psicossocial e de um ideário da luta antimanicomial é algo que funciona no ambiente democrático. O autoritarismo, o caráter antidemocrático das práticas combina com manicômio, de maneira que a gente tem percebido a construção de novas formas de sofrimento em virtude da situação que o Brasil vem vivendo já alguns anos. Pessoas chegam a relatar que sofrem de Brasil, é tão difícil viver no mundo em que se tem uma espécie de retorno autoritário, que nunca nos abandonou de fato, mas que de alguma maneira se revela agora de maneira explícita, isso faz com que as pessoas tenham aí um sofrimento que deriva de estar nesse mundo e de viver, por exemplo, questões como a exaltação  de torturadores, a homenagem que é feita para aqueles que deveriam ter sido punidos, que deveria ter sido feito algum tipo de justiça para que a gente pudesse de fato vivenciar um ambiente democrático. Então não é de hoje que a gente produz esse tipo de sofrimento, se a gente pensa na situação das periferias, se a gente pensa na maneira como a juventude pobre e preta das periferias vem sendo alvo de uma de uma verdadeira chacina. Eu não diria que isso aumente a depressão ou os casos de depressão. Não teria como afirmar isso, não tenho nenhum estudo específico nessa área, nem acompanho especificamente a partir dos diagnósticos, Mas de fato o sofrimento de nossa época é algo que vem se avolumando a partir de um desenlace da construção do autoritarismo e a luta antimanicomial é uma luta por direitos, é uma luta por direitos humanos, e ela combina única e exclusivamente com o ambiente democrático.

Fonte: Agência Saba Mais

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