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Publicado em 27 de agosto de 2020 às 15h45min
Tag(s): Sindicalismo
Reforma trabalhista, lei das terceirizações, reforma da previdência, desinvestimento da Petrobras e desemprego. A soma desses fatores enfraqueceu o sindicalismo no Brasil. Só no Rio Grande do Norte, mais de 4,5 mil trabalhadores se desfiliaram de alguma entidade de classe em 2019 em comparação com o ano anterior, uma redução de 2,6%. Ainda assim, aproximadamente 170 mil pessoas seguem sindicalizadas no Estado.
Os dados foram divulgados na quarta-feira (26) pelo IBGE como resultado da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua.
Até 2018, o Rio Grande do Norte era o quarto estado do país com mais trabalhadores sindicalizados. No ano passado, caiu para a sétima posição no ranking. Em nível nacional, a redução foi de 1,3% entre 2018 e 2019. Das 27 unidades da federação, 23 perderam sindicalizados nesse período.
De acordo com o Cadastra Geral de Empregados e Desempregados (Caged), 285.285 trabalhadores com carteira assinada foram demitidos no Rio Grande do Norte nos dois últimos anos. No mesmo periodo 294.568 pessoas foram contratadas, o que equivale a um saldo positive de 9.283 trabalhadores.
Os ataques às entidades de classe foram intensificados a partir de 2016, logo após o golpe que afastou a então presidenta Dilma Rousseff. Só a reforma trabalhista, sob a relatoria do ex-deputado federal potiguar Rogério Marinho (PSDB), alterou mais de 100 artigos da CLT, fragilizando as entidades e, por consequência, os trabalhadores, expostos à livre e desigual negociação com os patrões.
A analista do IBGE Adriana Beringuy levanta hipóteses para esse resultado no Brasil:
“Diante da tramitação da reforma da Previdência, em 2019 vários servidores públicos que reuniam requisitos para aposentadoria adiantaram seus pedidos. No primeiro semestre de 2019, houve mais pedidos de aposentadoria no setor público do que em todo o ano de 2018. Os servidores mais antigos costumam ser associados a sindicatos, e suas aposentadorias representaram uma queda na taxa de sindicalização”, disse.
O Rio Grande do Norte contabilizava 254 sindicatos até 2018, a maioria cartoriais.
Na avaliação do presidente do Adurn-Sindicato Wellington Duarte, se a situação já é difícil agora, a tendência é piorar após a pandemia:
– Acho que em 2020 vai ser mais avassalador, principalmente no Rio Grande do Norte, onde temos sindicatos extremamente frágeis. Até 2018 havia no Estado 254 sindicatos, a maioria cartoriais. Os que estão sobrevivendo são os sindicatos dos servidores públicos municipais, estaduais e de categorias. A maioria está em situação de falência”, lamenta o sindicalista.
A Adurn conta com mais de 2,5 mil associados, o que garante uma renda mensal de R$ 140 mil à entidade. Ao todo, 54% dos professores ativos e 82% dos aposentados são associados. Nas demais instituições federais de ensino superior, a média de professores sindicalizados é de apenas 22%.
Duarte admite que os próprios dirigentes também têm responsabilidade em parte por esse novo cenário:
– É uma morte anunciada. Os sindicatos também não fizeram o que era para fazer: a reciclagem das lideranças e encarar um novo modo de atuação. Como não se prepararam veio a rebordosa”, afirmou.
Para o presidente da Central das Trabalhadoras e Trabalhadores do Brasil (CTB) Celino Bezerra, a adesão de várias empresas ao trabalho intermitente, “novidade” da reforma trabalhista, tem impacto direto no enfraquecimento dos sindicatos. Ele também cita a política de desinvestimento da Petrobras no Rio Grande do Norte, com demissões em massa e o aumento da precarização do trabalho.
– A reforma trabalhista trouxe outro ator, que foi o trabalhador intermitente. Esse trabalhador não tem um vínculo com a associação ou sindicato. A reforma ajudou muito nesse processo. E também a desestruturação da própria Petrobras, que vem de forma mais forte a partir de 2016. Além dessas duas situações o processo de desemprego ajuda muito. Com a pandemia vai piorar, demissões estão acontecendo. Só a Guararapes demitiu mais de 300 trabalhadores”, disse.
A agência Saiba Mais também procurou a presidenta da CUT Eliane Bandeira, mas nem ela nem a assessoria da Central retornaram as mensagens.
O servidor da Superintendência Regional do Trabalho Cláudio Gabriel acompanha de perto essa mudança. Ele está licenciado do é já há alguns anos o único mediador na mesa de negociação entre trabalhadores e patrões no Rio Grande do Norte. Gabriel classifica como “assustadora” as transformações na relação de trabalho para além da perda de direitos dos empregados. Os patrões ganharam ainda mais poder após a reforma trabalhista, ao ponto do dissídio coletivo – instrumento que requer a participação da Justiça na mediação entre as partes – apenas se o empregador assim desejar:
– É uma coisa muito clara, assustadora. Hoje há um estímulo à retirada desses direitos, a convenção que tinha assegurado, no mínimo, o que havia sido negociado anteriormente agora não vale mais. Nem o dissídio é garantido, pois tem que ser em comum acordo com as duas partes, ou seja, se o patrão não quiser, a Justiça não julga. Isso dá um certo conforto à bancada patronal e um desequilíbrio terrível na mesa de negociação. Hoje há uma desigualdade substancial na mesa de negociação, depende da boa vontaae de patrão”, analisa.
Para Gabriel, há um projeto de desmonte do sistema de proteção social, o que inclui as reformas trabalhista, aprovada no governo Temer, e da previdência, obra da gestão bolsonarista. Dois projetos que atacam direitos adquiridos ao longo de décadas e que tiveram as digitais do potiguar Rogério Marinho, relator da reforma trabalhista e articulador do texto original da reforma da previdência.
– Há um trabalho para desacreditar as organização sindicais que empurra o trabalhador para a pobreza, para a miserabilidade. E à medida em que o trabalhador empobrece, as convenções trabalhistas têm maior dificuldade. A consciência política sindical ainda alcança poucos trabalhadores, e estimular isso é uma ideia pré-concebida”, diz.
O mediador prevê ainda mais dificuldades no pós-pandemia. E acredita que será necessário repensar as formas de trabalho daqui para frente:
– Vamos enfrentar momentos ainda mais difíceis, com estímulo maior ao descrédito das associações sindicais. Precisamos refletir e estudar o que podemos fazer no mundo pós-pandemia em termos de geração de emprego. Se entregarmos somente essa tarefa ao poder estatal vamos ter dificuldade com a visão empresarial e esqueceremos a qualidade de emprego no mundo pós-pandemia. O que não podemos esquecer é que os sindicatos serão sempre o principal instrumento de luta dos trabalhadores”, afirmou.
Fonte: Agência Saiba Mais