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Publicado em 08 de setembro de 2020 às 23h55min
Tag(s): CTB Reforma Administrativa
O governo federal encaminhou ao Congresso Nacional no dia 3 de setembro mais uma Proposta de Emenda à Constituição, a PEC 32/2020. Esta, chamada de Reforma Administrativa. Em uma rápida análise do texto encaminhado, junto com a apresentação feita pela equipe da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governança Digital, algumas questões merecem consideração, como veremos adiante.
Antes, porém, é necessário lembrarmos que essa PEC não chega a ser uma reforma na administração pública brasileira. Na verdade a PEC 32/2020 é a primeira parte de uma etapa da reforma do Estado brasileiro, apresentada em três fases, com o objetivo central de criar condições para que, com mais facilidade, o chefes de Poderes possam se desfazer de órgãos e serviços públicos junto com seus funcionários.
Cria também condições para que as instituições públicas que permanecerem sob a responsabilidade do Estado possam ser administradas por organizações de direito privado, com o grave risco de perder a isenção na prestação do serviço à sociedade, seja em decisões, encaminhamentos ou contratações. Além de que em outras instituições, mesmo sob a gestão plena do Estado, possa haver parte considerável das atividades exercidas pelo próprio órgão, mas sendo executadas por trabalhadores terceirizados, sob a égide da Carteira Verde e Amarela. Nessas duas últimas situações estaria aberta a porteira para a indicação política, o compadrio, o coronelismo e, em última análise, para a corrupção.
A PEC 32/2020, enquanto peça de alteração legislativa, é, na verdade, parte do processo da redução da estrutura e da presença do Estado em todo tipo de políticas públicas e da soberania nacional. A etapa, que agora é apresentada como proposta nova e modernizante, teve início em 2016, com a posse de Michel Temer. Lembremos quando, em 15 de agosto de 2017, assim como agora, foi apresentado um rol de medidas que envolviam servidores públicos num chamado processo de modernização. Não custa rememorar e comparar:
É bom também lembrarmos que, em 2018, logo após a eleição de Bolsonaro a proposta acima, que não chegou a ser toda posta em prática por Temer, foi entregue à equipe de transição. Junto foram passadas informações sobre a quantidade de servidores em condição de aposentadoria e que não deveriam ser substituídos por novos concursados. Também foi entregue uma relação de atividades exercidas pela administração pública que já poderiam ser transferidas à iniciativa privada através de terceirização, que havia sido ampliada através do decreto 9.507, de 2018, assinado por Temer. Nada diferente do que é proposto agora.
O que pode ser observado de forma mais geral sobre a PEC 32/20, em que pese as limitações e o baixo nível técnico, inclusive na redação da proposta, é o encadeamento dos grandes movimentos que, afetando toda a sociedade, em especial a classe trabalhadora, mostra a evolução da proposta neoliberal para o país a partir de 2016. Vejamos: em 2016 é aprovada a Emenda Constitucional 95, que limita o gasto público, impedindo por 20 anos o investimento em políticas públicas e em despesas de pessoal (o que muitos fora do serviço público pensaram não os atingir e deve ser aprofundado pelas PECs 186 e 188, de 2019), em 2017 é aprovada a reforma trabalhista, Lei 13.467/17, que precariza as relações de trabalho para quem não é regido por regime jurídico próprio (que muitos do serviço público pensaram não os atingir), mas logo em 2018, primeiro ano de governo Bolsonaro, é aprovada a reforma da previdência, a Emenda Constitucional 103/19 (onde servidores e celetistas juntos viram suas aposentadorias e benefícios ficarem mais distantes e em menores valores). Agora temos a proposta de uma “reforma administrativa”, que, não é difícil visualizar, também atingirá a todos, servidores, ou não. Os primeiros, veremos um pouco mais detalhadamente aqui. Os demais, atingidos pela perda definitiva de boa parte da prestação de serviços e pelo gravíssimo aumento da indicação política, da corrupção, do clientelismo, afastando o cidadão comum do uso de seus direitos junto à administração pública, entre outras mazelas. Tudo isso, caso seja aprovada a PEC 32/2020, que em todas as formas de contratação utiliza das normas aprovadas anteriormente e que acabo de mencionar.
Desde a volta dos neoliberais ao poder, parte do discurso oficial e da elite financeira e política passa pela alegada necessidade de redução das despesas com pessoal, entre outras despesas primárias, que tanto querem ver reduzida, que sabemos, significa ter mais dinheiro para o sistema financeiro, além de poder gastar mais com a contratação de empresas que devem assumir serviços públicos, como veremos posteriormente.
No entanto, apesar do discurso, ao apresentar a chamada reforma administrativa, tanto na exposição de motivos que acompanha a PEC, quanto na apresentação seguida de entrevista coletiva no Ministério da Economia, é mencionada a necessidade de evitar um colapso no orçamento e na necessidade de redução do gasto público. É interessante como só conseguem enxergar a necessidade (inexistente) e a possibilidade de redução de despesas primárias, nunca do que é pago ao sistema financeiro via dívidas públicas e seus desdobramentos. Bom, sabemos que foi exatamente para isso que assumiram o poder.
Voltando à proposta apresentada, algumas perguntas que estão sem resposta (e devem assim permanecer, mesmo que essas respostas nós as conheçamos): se é para cortar gastos, por que não há cálculos, sequer estimativas ou projeções? Por que as limitações e cortes não se estendem aos militares, que só vemos crescer em seus ganhos diretos e indiretos? E, por que estão de fora os chamados “membros de poder”, como magistrados, parlamentares, procuradores e promotores, que estão no topo das remunerações e que têm a maior quantidade e em maior valor de vantagens e benefícios?
Uma outra observação. Qual a razão da entrega da PEC 32/2020 neste momento, quando o presidente havia dito mais de uma vez que seria em 2021? Bom, para isso existem algumas justificativas bem simples e objetivas. A primeira é a forte pressão das lideranças neoliberais, dentro e fora do Congresso, especialmente do mercado financeiro, para que essa PEC fosse entregue o mais rápido possível.
Tanto é que bastou o anúncio para que a bolsa de valores fechasse seus pregões em alta nos dias que sucederam ao anúncio. A segunda razão tem a ver com a primeira, que é aproveitar o momento em que o Congresso Nacional funciona de forma remota, sem a possibilidade de acesso da sociedade à Câmara e ao Senado. Assim, fica garantida a ausência da representação dos servidores, que certamente buscariam a discussão com os parlamentares, tentando evitar a retirada de direitos e o desmonte do serviço público, entre outros pontos.
Essa urgência se baseia na necessidade, para os que efetivamente governam o país, de ver todo o arcabouço aprovado antes das eleições de 2021. Uma outra razão é que seguido à PEC 32 vem um conjunto de medidas decorrentes da emenda constitucional, que são leis complementares e ordinárias para regulamentar o conteúdo da emenda constitucional aprovada e que posteriormente resultarão em decretos e outras normas infralegais.
Com isso, independente de já haver proposições em andamento no parlamento que tratam da administração pública, como a PEC 186/19 (emergencial) e a PEC 188/19 (pacto federativo), o pacote completo necessita de medidas que atinjam mais diretamente a força de trabalho da administração pública. Por se tratar de um tema que, segundo o artigo 61 da Constituição Federal, é prerrogativa do presidente da república, coube ao Poder Executivo a elaboração e apresentação ao Congresso da parte do pacote composta pela PEC e pelos projetos de lei, que, já sabemos, estão prontos, sujeitos apenas aos ajustes necessários que dependerão da redação final da possível Emenda Constitucional.
O envio pelo presidente busca também evitar qualquer questionamento quanto ao vício de iniciativa. Cabe destacar que já foi informado por parlamentares ligados à frente parlamentar em defesa da reforma administrativa que, uma vez no Congresso, o conteúdo da PEC poderá e deverá ser alterado de acordo com os interesses de seus representados, incluindo, modificando ou retirando pontos do texto apresentado pelo governo. A
Aliás, desde a publicação do texto da PEC que articulistas, colunistas e editorialistas dos grandes veículos de comunicação cobram um aprofundamento da reforma. Não por acaso o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na véspera da entrega pelo Executivo, apresentou o que seria a sua parcela na reforma, reduzindo o piso salarial, aumentando o tempo para atingimento do teto e reduzindo a quantidade de cargos, sem no entanto sequer citar os parlamentares. Aguarda-se agora o gesto do presidente do Senado, que não deve ser diferente, caso aconteça.
Por fim, antes dos comentários sobre o texto da PEC 32, cabe ainda observar que a explicação para o texto da PEC não tratar, ou não aprofundar, questões consideradas mais polêmicas ou delicadas pode ser resumida em poucos pontos. O primeiro é a pressão, tanto da base política do presidente da república, composta principalmente por servidores públicos da área de segurança de estados e municípios, que dobrou de tamanho da última legislatura para a atual, quanto do Centrão. Ambas pressionaram Bolsonaro por considerarem estarmos em ano de eleições municipais e que os dois grupos têm grande influência nessas eleições, não querendo ficarem expostos.
Não atrapalhar as eleições municipais também foi o motivo para Bolsonaro e a equipe do Ministério da Economia terem repetidas vezes dito que a PEC não atingiria os atuais servidores, o que não é verdade por inteiro. Um outro ponto que justifica é que o texto da PEC estrategicamente, como foi na reforma da previdência, simplesmente retira da Constituição questões polêmicas e que demandariam mais tempo e debate para uma aprovação com 308 deputados votando a favor, remetendo essas questões para projetos de lei complementar, ou até de leis ordinárias, que necessitam de um quórum bem mais baixo, sem contar que essa discussão se daria em 2021, ano não eleitoral. Isso, além de dispersar as pressões de determinados grupos, que atacariam em comissões e tempos separados, não unificando todos o tempo todo.
No início da apresentação no Ministério da Economia, o Secretário de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Caio Mario Paes de Andrade, começou sua fala se referenciando na Emenda Constitucional nº 19/98, como “a última vez em que uma mudança estrutural de gestão foi proposta”, deixando claro o objetivo de dar continuidade ao processo de desmonte perpetrado por Fernando Henrique Cardoso, interrompido ao final do seu mandato.
Alegou também o secretário que desde lá o Estado só cresceu e que os mecanismos de gestão pioraram, sem apresentar nenhum dado, cálculo ou argumento. Adiante ele diz que a PEC “traz as bases do que pretende ser a mais profunda transformação do Estado já feita no Brasil”. Nesse ponto, tenho que concordar. A PEC não encerra em si a reforma do Estado, mas cria graves condições para seu aprofundamento. Em seguida, o Secretário diz que entre as novas premissas da gestão pública está a interação e a colaboração com o setor privado e que para isso é preciso tirar “amarras”. Neste ponto a clara indicação da privatização e fechamento de serviços. Bom, vamos adiante.
1. Cargo típico de Estado – Ingresso por concurso público, com posse apenas após o término do vínculo de experiência. Tem estabilidade, podendo ser demitido por processo disciplinar ou por insuficiência de desempenho.
Observação:
Destaca-se logo de início que, em todo o texto da PEC, sempre que há a referência ao servidor que irá exercer atividade exclusiva de Estado, a nomenclatura utilizada é CARGO típico de Estado, nunca CARREIRA típica de Estado. Isso não é por acaso. No entendimento dos autores da PEC, o fato de um cargo ter como atribuição uma atividade considerada típica de Estado, não obriga que para outro cargo da mesma carreira seja esse o entendimento.
Considerando que os critérios para definição de cargos típicos de Estado serão estabelecidos em lei complementar federal e, por consequência, quais serão esses cargos, nada impede que, por exemplo, em carreiras como a Policial Federal, ou a Tributária e Aduaneira da Receita Federal, que possuem mais de um cargo em suas estruturas, tenham considerados apenas um cargo em cada carreira como de atividade típica de Estado. Assim, poderia ser o de Delegado de Polícia Federal e o de Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil como CARGOS típicos de Estado, deixando os demais fora dessa condição. Tenho certeza de que a polêmica será grande. Mas acontecerá fora de um ano eleitoral, não “atrapalhando” a aprovação da PEC este ano, além de ser em projeto separado de outros temas.
2. Cargo por prazo indeterminado – Ingresso por concurso público, com posse apenas após o término do vínculo de experiência. Sem estabilidade, podendo ser demitido por processo disciplinar, insuficiência de desempenho, ou por outros motivos a serem definidos em lei posterior.
Observação:
Entre os possíveis motivos de demissão do ocupante de cargo por prazo indeterminado está a obsolescência da atividade (como já declarado pela equipe do Ministério da Economia), quando a administração entender que a atividade não mais se justifica, quando o órgão for extinto, ou serviço for passado à inciativa privada por contrato de cooperação ou por terceirização.
Essa situação casa com a proposta de alteração do artigo 84 da Constituição (nesta PEC) ao permitir que o presidente da república possa extinguir órgãos públicos por decreto, sem a anuência do Congresso.
A proposição é omissa quanto a direito à possibilidade de verba indenizatória, como o Fundo de Garantia, ou algo do gênero.
3. Vínculo por prazo determinado – Ingressos por processo seletivo simplificado. Sem estabilidade. Substitui os atuais temporários.
Observação:
Ocupantes desse vínculo atuarão em situações temporárias, sazonais, pontuais, por incremento extraordinário na quantidade de trabalho, tratando da natureza da demanda, não mais do tipo de aplicação de contratação, como é hoje. Isso significa que com o aumento (proposto nesta PEC) da liberdade para que o ente público, principalmente em estados e municípios, possa contratar diretamente, além das situações excepcionais, em outras baseadas em necessidades consideradas não perenes, dispensando os ocupantes de vínculo por prazo determinado.
4. Cargos de liderança e assessoramento – Ingressos por processo seletivo simplificado. Sem estabilidade.
Observação:
Substituem os atuais cargos comissionados e funções gratificadas de chefia e de assessoramento, unificando o tratamento nos três poderes e nas três esferas de governo. Com esses cargos desaparecem os cargos de chefia e assessoramento de baixa complexidade e responsabilidade.
5. Vínculo de experiência – Substitui o atual estágio probatório. Considerado como segunda parte do concurso público. Será ocupado por pessoas aprovadas na primeira etapa do concurso público, sempre em número superior ao quantitativo de vagas definidas em edital do respectivo concurso. Não é garantia de acesso ao cargo. Considerado como etapa eliminatória, onde apenas os mais bem avaliados podem ser efetivados em cargos, dentro do limite estabelecido em edital. Por isso, é considerado um vínculo específico.
Os cargos típicos de Estado, os por prazo indeterminado e os com vínculo de experiência serão regidos por regime jurídico específico, tendo regime previdenciário próprio (RPPS) segundo as regras aprovadas na Emenda Constitucional 103/2019.
Os ocupantes de cargos por tempo indeterminado, por não serem contratados pela CLT, mas por regime jurídico próprio, não fazem jus a FGTS e outros direitos e benefícios existentes para celetistas. O texto é omisso quanto a direitos em caso de desligamento, como verbas indenizatórias, por exemplo.
Os contratados com vínculo por prazo determinado e os de cargos de liderança e assessoramento serão regidos pela legislação do setor privado (CLT/Carteira Verde e Amarela). Do ponto de vista previdenciário, serão regidos pelo Regime Geral de Previdência, o RGPS.
O vínculo de experiência terá, segundo proposto na PEC, o prazo mínimo de 2 anos para cargos típicos de Estado e de 1 ano para cargos por prazo indeterminado, podendo esse prazo ser maior, a depender do órgão responsável pelo cargo, considerando a complexidade e a responsabilidade das atribuições. Já há manifestação de parlamentares favoráveis a elevar esse tempo para sete, ou até dez anos. Cabe lembrar que, após o término do vínculo de experiência e ingresso no cargo típico de Estado o servidor ainda passará por um período de avaliação de um ano para só depois adquirir estabilidade.
Acumulação de cargos – Ocupantes de cargos típicos de Estado só poderão acumular com cargos de docente, ou profissional de saúde, desde que haja compatibilidade de horário, exceto durante o período de vínculo de experiência, quando não é permitida a acumulação. Os ocupantes de cargos por prazo indeterminado podem acumular com outras atividades, desde que haja compatibilidade de horário, principalmente se utilizar o teletrabalho. Em ambos os casos não pode haver conflito de interesses. Para os atuais servidores que estejam acumulando cargos na data da promulgação da EC seguem as regras atuais.
Desligamento de servidores – para os atuais servidores e os ocupantes de cargos exclusivos de Estado seguem as regras vigentes antes da promulgação da PEC (sentença judicial, infração disciplinar, ou insuficiência de desempenho, após regulamentação). Para os ocupantes de cargos por prazo indeterminado seguem as mesmas regras, acrescidas de outras hipóteses previstas em lei a ser aprovada pelo Congresso.
Observação:
Nos três tipos de cargos citados, quando do desligamento por sentença judicial não mais será necessário aguardar o trânsito em julgado, valendo também a decisão judicial proferida por órgão colegiado.
A PEC propõe que a regulamentação do desligamento por insuficiência de desempenho se dê por lei ordinária e não mais por lei complementar, como consta atualmente do artigo 41 da Constituição Federal. Com isso, estados e municípios, por exemplo, poderão encaminhar a regulamentação logo após e promulgação da PEC, sem a existência de diretrizes gerais.
Para os ocupantes dos cargos exclusivos de Estado e por prazo indeterminado, as regras de desligamento por insuficiência de desempenho só valem após a efetivação no cargo, o que se dá após o fim do vínculo de experiência. Durante o período com vínculo de experiência, o desligamento é considerado eliminação em etapa de concurso.
Eliminação de vantagens e benefícios – Valerá para servidores das três esferas de governo. Todas as vantagens e benefícios abaixo não mais serão concedidos a nenhum servidor a partir da promulgação da PEC. Os atuais servidores que já fazem jus e que já estejam em gozo de algum(uns) benefício(os) ou vantagem(ns) permanecerão como se encontrarem no momento da promulgação a PEC. Os benefícios e vantagens a serem cortados são:
– Licença-prêmio, assiduidade, capacitação, ou outra decorrente de tempo de serviço;
– Aumentos retroativos por qualquer razão, inclusive fruto de negociação salarial;
– Férias superiores a 30 dias, incluindo professores e outros cargos;
– Adicional por tempo de serviço, independente de denominação;
– Aposentadoria compulsória como punição;
– Parcelas indenizatórias sem previsão legal;
– Adicional ou indenização por substituição não efetiva (substituto que não exerceu as funções do titular efetivamente);
– Redução de jornada de trabalho sem a correspondente redução de remuneração, salvo em caso de saúde previsto em lei;
– Progressão ou promoção exclusivamente por tempo de serviço;
– Incorporação à remuneração de quaisquer valores referentes ao exercício de cargos ou funções.
Observação:
Segundo os autores dessa proposta, essas medidas ajudam a aproximar a remuneração pública dos salários da inciativa privada. Na verdade, o argumento vai no sentido apenas da não incorporação, independente de valor, o que não significa necessariamente aproximação de valores.
Sistema de cargos – A PEC propõe regras básicas de diretrizes gerais sobre gestão de pessoas para os três poderes e as três esferas de governo, através de lei complementar. O detalhamento ficará a cargo de cada poder em cada esfera. Das regras gerais constarão:
– Política remuneratória e de benefícios;
– Organização da força de trabalho;
– Desenvolvimento de servidores;
– Ocupação de Cargos de Liderança e Assessoramento.
Estabilidade – o governo alega estar mantida a estabilidade dos atuais servidores. No entanto, assim como os ocupantes de cargos exclusivos de Estado, há a possibilidade de demissão por insuficiência de desempenho. O agravante, como já dito acima, está na proposta de que a regulamentação se dê por lei ordinária e não mais por lei complementar, como consta do artigo 41 da CF. Aqui precisamos considerar dois pontos. O primeiro é que uma lei complementar necessita de quórum qualificado para ser aprovada (257 votos na Câmara dos Deputados e 41 votos no Senado). Já uma lei ordinária, desde que haja 257 deputados na Câmara e 41 no Senado, não necessariamente presentes nos respectivos plenários, pode ser aprovada pela maioria dos parlamentares presentes em plenário no momento da votação. Um outro ponto é que, sem a lei complementar, basta a promulgação da Emenda Constitucional para que os chefes de poder encaminhem suas propostas de regulamentação aos respectivos legislativos para aprovação. Havendo a necessidade de lei complementar, como consta hoje do artigo 41 da Constituição Federal, é necessário a aprovação dessa lei com as diretrizes que orientarão todos os entes federados, o que manteria uma certa uniformidade, dificultando situações que permitam pressões políticas e institucionais.
Os futuros ocupantes de cargos por prazo indeterminado, ainda que servidores concursados, poderão ser demitidos a qualquer momento, bastando que o serviço seja terceirizado, privatizado, ou o cargo considerado obsoleto pelo gestor, ou o órgão extinto, transformado, incorporado ou fundido com outro.
A proposta deixa bem clara a intenção de gradativamente substituir órgãos públicos por organizações privadas. A primeira etapa para isso é a inexistência de estabilidade para os servidores que estiverem atuando no atendimento direto à população, ou em qualquer outra área. Servidores de unidades de saúde, educação, pesquisa, fiscalização sanitária, ambiental, agropecuária, do trabalho, aduana, entre outras que possam não estar entre os relacionados como cargo típico de Estado, ficam sujeitos a perseguição política, desmandos e todo tipo de pressão, além da possibilidade de simples desligamento em casos como o encerramento daquele serviço pelo ente público.
Redução salarial – o governo afirma que não haverá redução salarial dos atuais servidores. No entanto, a reforma administrativa não se resume a essa PEC. Lembremos que as PECs 188/19 e 438/18, propõem, de forma compulsória, a redução salarial com redução de jornada em caso de as despesas atingirem os limite estipulados pelo teto de gastos. Isso, além da possibilidade de demissão em situações de crise econômica extrema. Há ainda a contradição entre o texto da PEC 32/20 e as PECs 188/19 e 438/18, quanto a isenção dos ocupantes de cargos efetivos de Estado em relação à redução de jornada e de remuneração. Também há a possibilidade, sugerida pelo relatório do Banco Mundial, de desvinculação de remuneração entre cargos, ainda que assemelhados e entre ativos e inativos. Isso pode gerar no futuro congelamento de determinadas tabelas salariais enquanto outras poderiam ser reajustadas.
Concurso público – a pouca garantia ao servidor aprovado em concurso, a possibilidade permanente de demissão por diversos critérios, inclusive pela obsolescência, ou desnecessidade da atividade, junto com o alto grau de exposição, aliado a uma baixa remuneração de entrada e de grandes dificuldades de progressão na carreira, dificilmente manterá um bom nível de interesse da população pelo ingresso na administração pública. Isso, entre outras coisas, tiraria a garantia de qualidade na prestação do serviço, além da isenção e isonomia de tratamento, tanto internamente, quanto junto à população usuária. O resultado pode ser serviços, que hoje são executados por servidores qualificados para a atividade e que foram aprovados em concurso, possam ser prestados por pessoas muitas vezes sem a devida qualificação, inclusive com relações de trabalho precarizadas e até indicados politicamente.
Membros de Poder – Estrategicamente o governo prefere não incluir no rol de corte, retirada ou limitação de direitos, vantagens e benefícios os chamados “membros de Poder”, grupo composto pela cúpula dos poderes, como magistrados no Judiciário, parlamentares no Legislativo, procuradores e promotores no Ministério Público, Presidente da República, Vice-Presidente da República, Ministro de Estado, Governador, Vice-Governador, Prefeito, Vice-prefeito, nos Executivos. Esses fazem parte da chamada elite da administração pública, além da política, econômica e social. A intenção, entre outras, passa por manter o status quo, uma vez que seria bom para quem já chegou ao poder não se indispor com quem pode ajudar, ou pelo menos não atrapalhar seus projetos de manutenção da ordem política, social e econômica vigente. Nem mesmo a regulamentação do teto remuneratório, que é assunto com certo grau de questionamento na sociedade, está na pauta da chamada reforma que se diz administrativa. Quando perguntado sobre o assunto na coletiva do Ministério da Economia sobre a PEC, a resposta curta e dada rapidamente foi que é assunto de lei e que seria tratado depois. No mesmo sentido foi a resposta de Rodrigo Maia ao apresentar a proposta de “reforma administrativa” da Câmara e ser perguntado sobre os deputados, dizendo que os parlamentares “já têm feito sacrifício”.
Autonomia organizacional – Alterar o artigo 84, VI, da CF, dando ao presidente da república autonomia para, por decreto:
– Extinguir cargos (efetivos ou comissionados, ocupados ou não), funções e gratificações;
– Reorganizar autarquias e fundações;
– Transformar cargos, quando vagos, mantida a mesma natureza do vínculo;
– Reorganizar atribuições de cargos do Poder Executivo;
– Extinguir órgãos.
Observação:
A alegação é de que já é assim nos outros Poderes e que todas as medidas sugeridas não gerariam aumento de despesas, podendo, inclusive, haver redução. O que é óbvio, considerando a intenção de extinção de órgãos e de cargos com o desligamento automático de servidores.
Contratualização por resultados – Ampliação das possibilidades para que os órgãos públicos possam fazer contratualização por desempenho e metas, incluindo no art.37, § 8º, CF:
– Possibilidade de contratação de pessoal temporário com recurso próprio;
– Procedimentos específicos para a contratação de bens e serviços;
– Gestão das receitas e patrimônio próprios;
– Avaliação periódica das metas de desempenho; e
– Transparência e prestação de contas do contrato.
Prever na lei orçamentária rubrica única para que cada órgão possa “trabalhar” seu orçamento com mais flexibilidade.
Observação:
Propõe maior autonomia e liberdade para o ente público, sem submeter a órgão superior, mais abrangente, poder promover a substituição, ainda que temporária de serviços que poderiam ser prestados por servidores públicos.
Governança do Estado – (princípio incluído no caput do Art. 37) Estímulo para maior cooperação entre os entes federativos. Hoje é considerada frágil a regulamentação de parceria entre os entes públicos e públicos e privados. A intenção é liberar, principalmente, estados e municípios para que possam fazer diretamente parcerias dentro e fora da administração pública, ampliando para além de situações excepcionais, baseando em necessidades identificadas. Pode virar uma farra de desvios e de corrupção.
Como lembrado por mais de uma vez neste artigo, a PEC 32/20 é a primeira fase dessa etapa da reforma/desmonte do Estado brasileiro. A equipe que apresentou a PEC em evento público acompanhado pela imprensa na manhã do dia da entrega à Câmara dos Deputados fez questão de anunciar as duas próximas fases. Que nos preparemos para o que vem. Até porque a intenção dos defensores da reforma e que cuidarão do seu desenrolar no parlamento é que todo o processo, desde a PEC 32 até a sanção da última lei ordinária, se dê antes do início do processo eleitoral de 2022.
Para a próxima fase, a segunda, está prometida a edição de um conjunto de leis complementares e ordinárias direcionadas à gestão de pessoas. Nesse conjunto haverá um projeto de lei complementar e outro de lei ordinária tratando de gestão por desempenho. Um outro PL tratará da consolidação de cargos e funções. Aqui o atual servidor, onde alguns se julgam inatingíveis, intangíveis, pode ver muitos dos atuais cargos, planos e até carreiras serem aglutinados em poucos cargos e, a partir daí, a implementação da já anunciada mobilidade de servidores. Com isso a possível carência de mão de obra poderá ser suprida, não por concurso, mas por deslocamento de servidores de um órgão para outro. Ainda na segunda fase. Um outro projeto de lei dirá quais serão as diretrizes de carreiras, definindo o formato e a organização a partir dos novos cargos. A equipe do governo anunciou também para a segunda fase um PL que fará ajustes no estatuto do servidor. Nesse PL muito provavelmente estarão as alterações da lei 8.112/90, preparando os atuais servidores para serem colocados em processo de extinção, até porque a partir desse momento todos os concursos, quando houver e se houver, serão nos novos cargos. E, é claro, novos cortes e limitações poderão vir. Mas o atual governo garante que não será perdida a estabilidade (podendo ser demitido por desempenho insuficiente), nem rebaixada a remuneração (congelamento não é rebaixamento, então pode). Concluindo a segunda fase, teremos mais dois PLs, voltados para a área organizacional. Um tratando de “modernização de formas de trabalho”, seja lá o queiram dizer, e outro sobre uma atualização do Decreto-Lei 200/67, considerado por muitos a ‘Bíblia” da administração pública.
Na terceira e última fase da atual etapa deverá ser encaminhado, logo após a promulgação da emenda constitucional resultante da PEC 32/20, um projeto de lei complementar que o Ministério da Economia está chamando de “Novo Serviço Público, a implantação definitiva da nova proposta”. Nesse projeto serão apresentados o novo marco regulatório das carreiras (os últimos marcos regulatórios votados no Congresso entregaram o saneamento básico e a distribuição de energia elétrica nas mãos da inciativa privada, nada favoráveis à sociedade), também constando a política de governança remuneratória, que nas mãos do atual governo não pode ser nada favorável aos servidores e, por fim, as diretrizes de direitos e deveres do novo serviço público. Neste último ponto certamente encontraremos as indicações para um novo código de ética dos servidores públicos (já anunciado desde 2016) e uma lei de greve específica para os trabalhadores no serviço público, incluindo servidores de todos os vínculos, empregados, temporários e outros que estejam a serviço da administração pública, que certamente dificultará e muito a atuação sindical.
– Aos atuais servidores, um alerta: com a liberdade dada pela PEC32/20 ao presidente da república para extinguir órgãos sem autorização do Congresso, aliado à ausência de estabilidade para novos servidores e o fato de ainda estar em vigência o decreto nº 3.151/1999 que, com base nos artigos 31 e 37 da lei 8.112/90, disciplina a extinção e a declaração de desnecessidade de cargos públicos e a colocação em disponibilidade remunerada em decorrência da extinção ou da reorganização dos órgãos ou entidades da APF, que deve ser atualizado a partir das próximas fases dessa etapa da reforma, podemos voltar ao sofrimento que muitos de nós vivemos no período Collor.
– O que foi visto no INSS a partir da MP 922/20, de forma provisória, com a contratação de trabalhadores temporários para atividades permanentes, agora será situação corriqueira. No caso do INSS, até que Paulo Guedes consiga a implementação em definitivo do sistema de capitalização privada individual, o que pode ser novamente encaminhado ao Congresso em 2021, poderão ser mantidos trabalhadores com vínculo por tempo determinado enquanto a autarquia mingua a caminho da extinção.
– Desde o retorno dos neoliberais ao poder, quando se aprofundou o sucateamento de escolas, universidades, instituições de pesquisa, hospitais, do INSS, do IBAMA, Instituto Chico Mendes, Funai entre outros órgãos, que o desfecho desejado por eles não é o simples sucateamento, mas a entrega, a privatização, o fim do serviço público, assim com foi feito no Chile, onde a educação pública cobra mensalidade, ou financia cursos universitários para pagamento após a formatura, como um FIES da educação pública, é onde também a saúde pública manda a conta. O que vimos na instalação dos hospitais de campanha pelo Brasil para atendimento emergencial aos portadores de covid-19 é o que se espera para a saúde pública: as unidades de atendimento (postos e hospitais) devem ser assumidas por organizações sociais ou OSCIPs, que recebem da administração pública par atender a população, principalmente a parcela mais carente, com todos os riscos de desvios de verba pública e de corrupção. O desfecho desse processo também se dará nas área de pesquisa, ciência e tecnologia voltadas, não mais para os interesses e necessidades da nação, mas do setor privado, sedento de lucro e de acumulação.
Por fim, quero que lembremos de duas coisas:
Muita mobilização, muita luta e força a todos nós.
Texto de Vladimir Nepomuceno, servidor aposentado e assessor parlamentar
Fonte: CTB