Cortes de R$ 1,6 bi no Orçamento e não regulamentação do Fundeb ameaçam educação

Publicado em 23 de setembro de 2020 às 13h43min

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Os ministérios da Economia e da Casa Civil preveem cortar cerca de R$ 1,6 bilhão do Ministério da Educação para o próximo ano. O corte é mais uma consequência da incompetência do ex-ministro Abraham Weintraub e seus assessores, que não apresentaram propostas, nem projetos para a área.

O atual ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse em entrevista à TV Globo que, como a gestão de Weintraub não executou o orçamento, ou seja, não utilizou os recursos financeiros destinados ao ministério para a realização de projetos ou atividades, vai ser muito difícil manter o dinheiro na Pasta. Ribeiro citou como exemplo de má gestão, a ex- titular da Secretaria de Educação Básica (SEB), Ilona Becskehazy, exonerada no último mês de agosto, após ter ficado apenas quatro meses no cargo. Segundo ele, somente a SEB deixou de executar mais de R$ 900 milhões do seu orçamento.

Os cortes devem chegar a R$ 1,1 bilhão na educação básica e R$ 500 milhões no ensino médio. O retorno de R$ 1,6 bilhão ao orçamento da educação só poderá ser feito se o Congresso Nacional assim decidir, disse Milton Ribeiro, já que são os parlamentares que aprovam a destinação dos recursos.

A falta de projetos para a educação vem desde a campanha eleitoral de 2018, já que Jair Bolsonaro (ex-PSL) não apresentou nenhum projeto para a área, afirma Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, no governo de Dilma Rousseff (PT).

“O ex-ministro Vélez Rodríguez [demitido em abril de 2019] não tomou nenhuma medida. O segundo, Weintraub, se dedicou a brigar as com as universidades federais e tentar instituir o ‘Future-se’, de financiamento privado das universidades federais e mudar a escolha dos reitores”, critica Janine.

Se já não bastasse perder R$ 1,6 bilhão em seu orçamento, a Educação no país pode ainda ser afetada negativamente se o Congresso Nacional não regulamentar o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) permanente aprovado em agosto último.

Pela proposta aprovada, haverá aumento gradativo até 2016 dos atuais 10% para 23%, da complementação de recursos da União para a educação e a garantia de que 70% dos recursos serão destinados ao pagamento da folha salarial de todos os profissionais da educação. Para 2021, a previsão é que o Fundo tenha recursos na ordem de R$ 150 bilhões.

Caso o Congresso não regulamente o Fundeb, caberá ao governo federal tomar a iniciativa por meio de uma Medida Provisória (MP), o que preocupa os profissionais da educação, como o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Heleno Araújo, e o ex-ministro Janine Ribeiro.

Como o novo Fundeb foi aprovado como Emenda Constitucional (EC), não poderá haver veto presidencial, a não regulamentação, mas abre a possibilidade do governo mexer na destinação dos seus recursos, impactando nos repasses destinados a estados e municípios, já que o fundo é a receita desses entes, em 2020, que somadas garantem o custo do aluno para o ano seguinte e define qual a participação financeira da União.

"Pode acontecer um desastre se chegarmos em janeiro do próximo ano sem os entes federados terem condições financeiras para pagar salários e manter as escolas funcionando"
- Heleno Araújo

O receio do presidente da CNTE é que o governo possa mexer nas ponderações (veja quadro abaixo), que são os índices de repasses que cada etapa do ensino tem direito.

“O governo pode mudar as ponderações, o que pode reduzir o repasse para o ensino básico e aumentar para o ensino técnico. A MP pode interferir nessa distribuição, do que vai para a educação infantil, profissional. Se reduz para a educação infantil reduz o repasse para o município, se aumenta o profissional, aumentam os recursos para os estados. Defendemos que as ponderações sejam as mesmas definidas durante os debates de aprovação do Fundeb”, ressalta Heleno Araújo.

A falta de regulamentação traz preocupação, pois as medidas do atual governo demonstram que ele não tem se preocupado com a qualidade da educação. Nem a promessa inicial de se ocupar com a educação básica, o governo cumpriu, destaca Janine Ribeiro.

“Numa eventual MP, a chance de meter os pés pelas mãos na distribuição de recursos é gigantesca já que o Fundeb tem como uma das mudanças importantes o aumento de número de municípios atendidos, de 1.500 para 2.700. Isso é muito positivo, vai ter mais dinheiro e crianças beneficiadas”, ressalta o ex-ministro da Educação.

No entanto, Ribeiro reforça que não houve por parte do governo medidas legislativas e administrativas no tocante à educação básica.

“É muito preocupante se levarmos em conta que 80% dos estudantes do ensino básico estão na educação pública” afirma.

Além da distribuição dos recursos do Fundo, o presidente da CNTE, Heleno Araújo, teme que com a Medida Provisória, o governo não dê estrutura jurídica e legal para o piso do magistério.

“Por isso que é importante, neste momento, manter o diálogo com Congresso na construção da regulamentação”, conclui.

Projeto de regulamentação do Fundeb chega ao Congresso

Para evitar que o governo edite uma Medida Provisória regulamentando o Fundeb, a deputada Professora Dorinha (DEM/ TO) apresentou um Projeto de Lei (PL) nº 4372/2020, sobre o tema.

O deputado Idelvan Alencar (PDT-CE) que também assina o PL, se diz preocupado com o destino dos recursos do Fundeb, embora acredite que o Congresso acabe votando o projeto para evitar uma MP à revelia do que foi debatido e construído no Congresso Nacional até a aprovação do fundo.

“As principais questões são sobre a educação infantil, como gastar e distribuir esses novos recursos, conseguir resultados e aumentar as vagas em creches. Nosso objetivo é tornar as redes de ensino mais iguais. Mas, o grande desafio é a matemática, fazer as pessoas entenderem a complementação e os parâmetros de qualidade do ensino”, afirma Idelvan Alencar, que também foi presidente do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

>> Clique aqui para ler a íntegra do Projeto de Lei

Pandemia escancara problemas do ensino público

Para o ex-ministro da educação, Janine Ribeiro, embora estados e municípios sejam os responsáveis pela educação básica e o ensino médio, a pandemia do novo coronavírus (Covid- 19) escancarou a falta de coordenação do governo federal para a educação brasileira.

“Na pandemia as escolas privadas ministram aulas remotamente dentro do possível, mas é para quem pode pagar. No setor público tem ‘n’ problemas: professores sem equipamentos, alunos sem equipamentos para acompanhar, não tem pacote de dados, quando acompanha é com celular do pai, da mãe, que nem sempre estão disponíveis. Eles também não têm ambiente físico adequado para prestar atenção”, critica Janine Ribeiro.

O ex-ministro da educação defende que o governo federal poderia ter utilizado o Fundo de Universalização do Serviço de Telefonia (FUST), formado por 1% do valor do que é pago nas contas telefônicas.

“Isso não é pouco. Poderia ser utilizado para instalar banda larga nas periferias, com acessos à internet , dar pacote de dados aos estudantes. É um recurso carimbado. O governo também poderia, no caso de professores que não podem dar aulas remotas, utilizar gravações de material didático que são de excelente qualidade”, afirma.

As críticas de Janine Ribeiro ao governo federal não são somente em relação à educação, mas também à falta de propostas decentes para os setores públicos em geral.

“Bolsonaro disse que se sente desagradavelmente surpreendido com o auxílio emergencial, que repercutiu em favor dele, mas ele foi contra no início. Hoje, quer manter o auxílio para garantir popularidade, mas não tem dinheiro pra isso”, complementa.

"Mais do que dinheiro, falta competência deste governo para fazer políticas sociais. E falta porque Bolsonaro não gosta. Quem entende de políticas sociais, ele demite"
- Janine Ribeiro

Para o ex-ministro da Educação, todos os governos anteriores de Itamar Franco a Fernando Henrique Cardoso fizeram políticas sociais, mas há de se reconhecer que os governos do PT souberam construir mais do que ninguém, políticas sociais.

“Uma coisa é dar R$ 600,00 de renda mínima, outra é promover vacinação gratuita, entender os fatores de exclusão social e ir atrás dessas pessoas excluídas e integrá-las à sociedade. Eles não têm noção disso. Mesmo que Bolsonaro, os ministros Paulo Guedes [Economia], Braga Netto [Casa Civil] e Rodrigo Maia [presidente da Câmara] queiram colocar mais dinheiro no social, falta competência, porque o governo não sabe fazer porque é míope, não enxerga”, afirma Janine Ribeiro.

Fonte: CUT

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