Para Sidarta Ribeiro, atual situação da Ciência e Tecnologia no país é a pior já vista na História

Publicado em 29 de setembro de 2020 às 13h33min

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Com o tema “Os desafios da Ciência e Tecnologia nas Instituições Federais de Ensino e a ética na pesquisa”, o ADURN-Sindicato deu início aos debates do 1º Encontro de docentes da UFRN, na tarde desta segunda-feira (28).  O professor, neurocientista e vice-diretor do Instituto do Cérebro, Sidarta Ribeiro, foi o convidado para falar sobre o assunto. A mesa contou com a mediação do diretor de assuntos do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico, Dárlio Inácio.

Em sua apresentação, Sidarta trouxe uma profunda reflexão sobre o que é fazer universidade, pesquisa, ensino e extensão no Brasil. Ele iniciou a exposição fazendo uma provocação aos presentes: “Tudo tem o preço de ter e o preço de não ter”. A frase trazida pelo neurocientista era dita pelo seu “avô na ciência”, o professor Luiz Fernando Gouveia Labouriau, que o orientou na Universidade de Brasília.

“Ele sempre pensava no preço de as coisas não existirem, hoje muitos colegas estão pagando bolsas para os seus alunos que as perderam e isso diz respeito ao estado de crise do nosso Sistema Nacional De Ciência Tecnologia e Inovação”, disse Sidarta.

O corte de um bilhão de reais previsto pelo Projeto de Lei Orçamentária para 2021, é apenas um dos desafios que devem ser enfrentados pelos que fazem Ciência e Tecnologia nas Instituições Federais de Ensino do Brasil. Para Sidarta Ribeiro, nunca antes na História do país houve um período de tanto retrocesso para a área.

Para contextualizar sua afirmação, Sidarta fez um resgate histórico da ciência no Brasil, mostrando a importância do investimento do Estado no desenvolvimento da área. “Com todas as críticas que possamos ter a quaisquer desses períodos (apresentados) e aos governantes que estavam de turno, vários passos foram dados ao longo do tempo para estruturar o nosso sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação”, afirmou.

O período áureo para a produção cientifica do país, no entanto, aconteceu entre 2003 e 2010, época em que o investimento total em Ciência e Tecnologia saiu de 2,5 para 10 bilhões. “Foi realmente um momento de o Brasil querer virar gente grande, em termos de produção acadêmica, publicação de artigos. (...) Um período de grandes investimentos em pesquisa que deu uma alavancada muito grande na economia brasileira”, explicou Sidarta.

Para o neurocientista, no final de 2010 o Brasil estava começando a pensar como potência. “A gente caminhava para um investimento de dois por cento do PIB em Ciência Tecnologia e Inovação. Para vocês terem uma ideia, a China tem em torno de 2,5%, os países desenvolvidos da Europa, Estados Unidos e Israel estão todos acima de três e o Brasil estava com 1,7 e 1,8% tentando chegar em dois, de lá para cá despencou”, disse.

Sidarta Ribeiro destacou que todo esse investimento, criou grande alavancagem econômica. Ele citou exemplos como o do investimento em pesquisa em agricultura, que aumentou a produtividade da soja, gerando 15 bilhões de reais por ano. “Dependendo da área, um investimento em pesquisa retorna para o investidor um fator de 10 a 15 vezes do que foi investido. Então é um investimento que realmente agrega valor aos produtos e que exige que se agregue valor ao capital humano, então é muito virtuoso, um investimento que gera crescimento para o país. (...) Eu ressalvo a importância da economia nessa sua vertente desenvolvimentista porque nem isso nós temos hoje em dia, então é importante a gente saber o que foi que foi perdido nesses últimos anos”, ressaltou Sidarta.

Em tempos de pandemia, Sidarta Ribeiro lembrou ainda que na saúde pública esse investimento continuado em pesquisa e a ligação com o SUS levou a uma melhoria de 4 anos por década na expectativa de vida dos brasileiros. “De fato esse investimento retornou para o povo brasileiro, não ficou na academia, na torre de marfim na academia, é um investimento que retorna para o Brasil. Vale a pena para o povo brasileiro que existam universidades fazendo pesquisa de alta qualidade”, destacou o neurocientista.

Participantes do debate do Eixo 3

Sidarta finalizou sua apresentação fazendo uma analogia da atual situação da Ciência e Tecnologia no país com o navio Titanic: “O nosso Sistema Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação é como o navio Titanic batendo no iceberg, um sistema muito grande, muito complexo, tem muitas máquinas, muitas válvulas, tem muitas partes e mencionei várias delas aqui (...), então é um sistema grande mas que está tá todo articulado e agora ele tá começando a fazer a água e tá afundando, a gente tem que entender o quê que tá acontecendo”.

Para Sidarta, o momento crucial para o processo de “afundamento do navio” foi o golpe parlamentar sofrido pela presidenta Dilma Roussef em 2016. “A partir daí, houve uma reorganização das forças políticas de forma que forças que antes vinham se alinhando com o esforço de construção do Estado brasileiro começaram a se orientar para a desconstrução do Estado. Crucial para isso foi a aprovação do teto de gastos públicos por vinte anos”, afirmou. O neurocientista considera que a Emenda Constitucional 95 colocou o Brasil em uma situação que não permite o seu crescimento e que para retomar o crescimento do país é necessário revogar a Emenda.

“Nós temos muito a perder se a gente não puder manter e aumentar os investimentos agora, porque agora é o momento de grande revolução tecnológica, a revolução tecnológica 4.0. Você perder o bonde da história no início é ruim, mas perder na hora que tá tudo funcionando em altíssima velocidade é muito grave. E agora você está andando em alta velocidade, não é como há 100 anos atrás”, destacou Sidarta.

Para além das questões que envolvem os investimentos, um outro desafio que está posto é a política de confrontação da academia, do saber científico, da opinião de especialistas que está em curso. Nesse sentido, Sidarta destacou a nomeação de reitores que não foram democraticamente eleitos pela comunidade acadêmica, situação que tem se repetido em várias Instituições Federais de Ensino do país. “É uma situação bem inédita que não parece com nada do que a gente viveu no passado em termos de desestruturação do Estado, em termos de pessoas que são pagas pelo Estado brasileiro, mas que passam o seu tempo desmontando o Estado brasileiro. Essa é uma situação bem nova e bem ruim que a gente não viveu no governo Vargas, não viveu na nos governos militares”, disse.

Após a exposição de Sidarta Ribeiro foi feito um amplo debate entre os docentes inscritos no encontro acerca das colocações feitas pelo neurocientista. O resultado da discussão será sistematizado em um documento com propostas para o enfrentamento aos desafios levantados na discussão. O documento será levado ao Encontro Nacional do PROIFES-Federação, marcado para acontecer de forma remota no mês de novembro.

Assista o vídeo da participação de Sidarta Ribeiro no 1º Encontro de Docentes da UFRN no vídeo abaixo:

ADURN Sindicato
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