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Publicado em 29 de setembro de 2020 às 13h46min
Tag(s): Encontro
A abertura do 1º Encontro de Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), nesta segunda-feira (28), contou com uma programação que começou às 13h30 e seguiu até à noite. A primeira mesa do evento ficou por conta do neurocientista Sidarta Ribeiro, que falou sobre os desafios da Ciência e Tecnologia nas Instituições Federais (IFEs). Em seguida, às 18:30, sob a coordenação do diretor do ADURN-Sindicato, Alex Reinecke, a Cientista Social e Doutora em Ciências Coletivas, Mercês de Fátima, e o chargista e ilustrador Latuff, falaram sobre o futuro das políticas de Direitos Humanos no Brasil.
Mercês começou falando sobre a crise democrática pela qual passa o país, a ausência de um governo que lute junto à população pelas questões de raça e gênero, sobre o afloramento de práticas racistas, sobre as perdas de avanços, principalmente para comunidades quilombolas e indígenas, sobre o abandono de políticas sociais para essas populações, o aumento do feminicídio, além dos casos de violência contra a mulher e da volta do Brasil ao mapa da fome. “É uma crise forjada, mas nesses momentos é que temos que lidar com as perspectivas negacionistas, os ataques às instituições educacionais, à pesquisa, aos servidores públicos de uma maneira geral. É uma tragédia não somente em decorrência da pandemia, mas por toda essa crise e ameaça democrática na qual estamos imersos”, criticou Mercês.
Mas, apesar do cenário pessimista, a professora ressaltou que é preciso seguir em frente e cumprir nosso papel social. “Nesse sentido a Universidade tem um papel importante de produzir conhecimento, pensar alternativas para a construção e manutenção de uma sociedade democrática e equânime. Quero começar trazendo uma reflexão de Josué de Castro que tanto lutou para tirar o Brasil do mapa da fome e pensar um mundo sem fome. Ele traz um pensamento atual do papel da universidade e coloca que ela não é formada apenas por um agrupamento de escolas ou unidades técnicas especializadas na busca pela excelência, mas que a universidade é o centro coordenador de altas atividades intelectuais e sociais, na qual se destila tanto o saber científico, como a vida cultural de uma sociedade em prol de uma emancipação humana. Dos perigos de contágio de uma metástase do câncer nazifascista e por isso devemos ser orientados a pensar num ensino humanizado. É o espaço de uma investigação criadora, um ensino vigilante na defesa de uma cultura da diversidade e não apenas um verniz de cultura. Para evitar reproduzir sujeitos deprimidos e sem energia para se ocupar com ações de causa pública, porque têm pavor da ação social. A Universidade não pode ser pensada à parte da sociedade, é pensar as estratégias possíveis para a construção dessa sociedade equânime, com base numa perspectiva de estado de direito democrático. A diversidade presente hoje na comunidade acadêmica é resultado das lutas dos movimentos sociais e ela tem a grande responsabilidade de levar para dentro das universidades alguns dos problemas centrais da sociedade brasileira como o racismo, desigualdade social, descriminação de gênero, de sexualidade”, avalia Mercês de Fátima.
Logo depois da apresentação da Cientista Social e professora adjunta da UFRN, Mercês de Fátima, foi a vez do chargista e ilustrador Latuff comentar a atual situação política, econômica, social e as práticas de Direitos Humanos no Brasil. “Não sei em que século estou, que calendário tenho que colocar na parede porque os discursos estão cada vez mais medievais. Discutir Direitos Humanos no Brasil é discutir ficção científica. O conceito de Direitos Humanos vem de fora, foi construído no pós Segunda Guerra Mundial na Europa, que não se aplica na prática a colônias como a nossa. Não se engane, o governo Bolsonaro não inventou nada. Ele apenas está escancarando processos que sempre existiram. A boa notícia é que continuamos sendo uma república de bananas que sempre fomos. Uma não nação, sempre fomos uma colônia, a diferença é que nos governos Lula e Dilma tivemos a ilusão de que tínhamos uma democracia, os Direitos Humanos. Quem vê as situações nas favelas e houve falar em Estado de Direito, acha uma piada. Me lembro, inclusive, que tinha até um secretário no Rio de Janeiro que dizia que um tiro disparado no asfalto era diferente de um tiro disparado na favela. Nós estamos falando aqui de universidade e o acadêmico vive numa bolha, muitas das vezes, então quando você tem essa inserção de pessoas da periferia, negras, elas tendem a contribuir com um choque de realidade”, explica Latuff.
Apesar dos avanços simbólicos como a eleição do primeiro negro para a presidência dos Estados Unidos, do primeiro operário no Brasil e, na sequência, a primeira mulher a presidir o país. Latuff comenta que era esperado que pudesse transformar as coisas de maneira radical, o que acabou não acontecendo. “Vocês devem se lembrar daquele fenômeno dos ‘rolezinhos’, que eram grupos de jovens das periferias e favelas, que graças aos programas de distribuição de renda, tiveram o poder aquisitivo aumentado efetivamente, mas eles não se tornaram cidadãos, esse é que é o problema, foram transformados em consumidores melhores. Então aquele tênis, relógio e celular que antes estava reservado somente ao classe média, passou a ser acessível também a essas pessoas. Em tese, parecia muito justo e que estava dando certo, até que houve o ‘rolezinho’. Esses jovens iam aos shoppings, a meca do consumo capitalista para gastar, não iam pra quebrar tudo, matar, roubar. Mas, nem isso era possível, porque eles eram tratados como pessoas que iam assaltar e causar algum transtorno. A partir daí começou-se a ter incidentes com a polícia, passou a se chamar a polícia para grupos de pessoas que iam ao shopping gastar! Isso é interessante porque mostra que tivemos a falsa impressão de que estávamos numa democracia, no estado de direito e não era verdade. Isso que estamos assistindo hoje é resultado de um processo que já vem de muito tempo e não foi combatido devidamente. A educação tem um papel muito importante nesse debate. No golpe de 64, as universidades e estudantes secundaristas foram trincheiras de luta, não à toa um dos primeiros alvos do governo Bolsonaro foram as universidades. É preciso encontros como esse, que se coloque as cabeças para pensar, mas é preciso que se pense em ações”, avalia Latuff.
No início de setembro, um professor do colégio Marista, de Natal, foi criticado por pais de alunos por utilizar charges de Latuff que tratavam sobre racismo e desigualdade social em uma prova. O assunto também foi discutido pelos convidados. “Uma organização de PM’s disse que acionaria o Marista na Justiça porque um professor usou charges numa prova da escola. O Marista não é uma universidade, mas a universidade não pode se furtar a essa discussão, porque hoje essa ingerência é no colégio Marista, mas amanhã é na universidade ou em qualquer outra instituição de ensino. Já vi isso acontecer em outros períodos, não podemos baixar a guarda”, adverte Latuff.
“Hoje eu dou aula de maneira extremamente objetiva, sem nenhum sentimento político no sentido pedagógico do termo, amedrontada com a possibilidade das gravações, enfim. Quando o Marista respondeu essa questão, ele sequer cogitou a utilização da lei 10.639 que assegura a possibilidade de discussões sobre esse racismo estrutural”, critica a professora Mercês de Fátima.
Assista no vídeo abaixo as apresentações da Cientista Social, Mercês de Fátima, e do Ilustrador Latuff, no 1º Encontro de Docentes da UFRN:
Nesta terça-feira (29), a discussão começa às 18:30 com uma discussão sobre as carreiras, os salários, as condições de trabalho docente e a retomada das atividades de ensino. As convidadas são a professora da UFRN, Érica Andrade, e a Assessora Jurídica do ADURN-Sindicato, Andreia Munemassa. O 1º Encontro de Docentes da UFRN é um evento preparatório para o Encontro Nacional do PROIFES-Federação, que acontece em novembro.