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Publicado em 30 de setembro de 2020 às 19h30min
Tag(s): Encontro
No segundo dia do 1º Encontro de Docentes da UFRN a discussão se concentrou nas carreiras, salários, condições de trabalho docente e retomada das atividades de ensino. A professora do Núcleo de Educação da Infância (NEI) da UFRN, Gilka Pimentel, abriu o debate trazendo uma reflexão sobre a educação brasileira que passa por ataques, em especial, as universidades e institutos federais. “Como se não bastasse o isolamento provocado pelo coronavírus, ainda é preciso enfrentar cotidianamente um governo autoritário, negacionista, potencializando uma crise política que nos obriga a direcionar forças em defesa do estado democrático de direito. As carreiras, salários e condições de trabalho na rede pública são condições essenciais para a oferta de um serviço público de qualidade, o que constitui a base de um ensino de excelência e identificado com as demandas sociais”, falou a professora durante a abertura do evento que ocorreu de maneira virtual.
Para 2021 já se projeta uma redução de 18,02% no orçamento de custeio das instituições federais. Já em relação aos servidores, o governo já aprovou a proposta de congelar os salários até o final de 2021. A perda de poder aquisitivo chega a ser superior a 20% para os servidores públicos, segundo a professora Gilka Pimentel. “A proposta de reforma administrativa, ao invés de aprimorar serviços públicos, visa a ampliação dos serviços privados. Com queda na qualidade e transferência do custo para os alunos, como se educação não fosse algo de interesse social. Os últimos governos têm pautado suas ações na direção da redução do estado brasileiro para atender ao setor privado. A meta é de reduzir o tamanho do estado e reduzir impostos para aumentar o lucro dos grandes empresários do setor rentista, principalmente. Mas, o que nem sempre é dito, é que são os serviços essenciais e estratégicos que estão na mira dos especuladores, serviços que são protegidos nos países desenvolvidos, pelos estados nacionais. Enquanto isso, aqui no Brasil fazem o contrário e esses serviços viram mercadoria. Os países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que apresentam os melhores resultados na educação e saúde, têm esses serviços como públicos e a presença de servidores públicos é maior do que a constatada no Brasil, que fica em 27º lugar dentre os países pesquisados pela OCDE, com 12% do total de trabalhadores sendo do serviço público. A reforma da previdência retira 1 trilhão, cerca de 15% do PIB, nos próximos dez”, ressalta a professora.
Depois da abertura da mesa, a primeira convidada a falar foi a professora do Centro de Educação da UFRN, Erika Andrade, que começou se solidarizando com as famílias dos mortos pela Covid-19 para, só então, entrar no tema da pedagogia. “O contexto da educação no Brasil nunca foi confortável. O Ministério da educação surgiu somente na década de 1940, até então, as coisas aconteciam de forma intuitiva. Nas últimas gestões populares dos governos Lula e Dilma houve uma expansão da rede pública de ensino superior, mas ela veio acompanhada da rede privada. Hoje, 82% do ensino superior está na rede privada. Paradoxalmente, 90% das pesquisas são realizadas pelas instituições públicas de ensino superior. Institutos e universidades federais são os grandes centros de pesquisa do país”, explica a professora do Centro de Ensino da UFRN.
A professora Erika Andrade criticou algumas escolhas em relação ao período de abertura com prioridades invertidas. O prejuízo para a educação num país em que as desigualdades sociais são tão grandes, que a educação se torna a tábua de salvação pra ascensão social, a gente escolher abrir primeiro shoppings do que escolas, é uma inversão de valores”, critica. E em época de aulas virtuais à distância, a sobrecarga de trabalho e mecanização do ensino, também é uma preocupação. “Algumas universidade se anteciparam em fazer cursos de formação para uso de plataformas de comunicação pelos professores. Para dar um pouco de qualidade de ensino e acesso ao conhecimento aos nossos estudantes, nós precisamos aprender a lidar com essas novas tecnologias e isso é ótimo, mas eu quero chamar atenção que isso não é pedagogia. Outra coisa é que os professores também estão tendo que subsidiar o ensino e os estudantes, apesar de algumas instituições como a UFRN oferecerem algum tipo de auxílio, geralmente não têm suporte, mesmo esses programas de auxílio são insuficientes, porque os editais aportam o equipamento ou o banco de dados. O que nós precisaríamos é de uma política pública de inclusão digital pra estudantes da rede básica ao ensino superior, incluindo os professores”, analisa Erika Andrade.
A professora do Centro de Educação da UFRN, também criticou a prática de repetir a dinâmica da aula presencial no ensino remoto, que não permite o mesmo tipo de interação e contato com os estudantes. Ela também lembrou que as aulas acontecem em plataformas privadas sobre as quais não se tem controle, inclusive, com o risco de invasão. Lembrou, ainda, que as universidades já desenvolveram plataformas públicas, que deveriam ter sido adaptadas durante os seis primeiros meses da pandemia. Erika Andrade encerrou sua participação pedindo uma reflexão sobre o que é conhecimento dentro de uma universidade federal. “Vamos reproduzir a racionalidade técnica ou estamos aqui para desenvolver um ensino crítico, reflexivo e que forme intelectuais de suas áreas, inclusive, pra ajudar a pensar numa melhor forma de viver em um mundo tão perigoso como o atual, sem nos expor a novas pandemias? Nossa obrigação agora é de refletir como cada uma das nossas áreas pode contribuir para um mundo melhor, mais seguro, sustentável, mais equânime e menos desigual e não ficar preocupado apenas com acumulação de conteúdos, pontuação de notas e certificações. Esse não é o papel da universidade pública. Fiquei muito feliz porque terminamos os encontros de ontem (29) recorrendo à arte e cultura, que são nossos caminhos inventivos, criativos de articular novas linguagens para que possamos falar de nossas áreas de forma mais esperta do que essa obtusidade que reina atualmente em nosso país. É a única forma de subverter essa violência que estamos sofrendo com relação ao conhecimento científico”, avalia.
O segundo convidado do Encontro foi o advogado Matthaus Ferreira, representando a assessoria jurídica do ADURN-Sindicato. “Nós temos agora uma preocupação com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 186/2019, que prejudica servidores e pode reduzir vencimentos de servidores em até 25%, desde que haja redução de jornada de trabalho. Ela também veta progressões e promoções, impede reajuste, reestruturação de carreiras, criação de cargos, realização de concursos, proíbe que servidor tenha aumento real, além afetar a economia de maneira geral à medida que proíbe aumento real. Outro ponto é o Projeto de Lei Complementar 173/2020, que já foi sancionado e proíbe aumento salarial e concessão de auxílios até 31 de dezembro de 2021, apesar de violar o princípio da irredutibilidade dos vencimentos e impedir a contagem do tempo de serviço prestado para o fim de concessão de adicionais”, explica.
O cenário atual não é dos mais animadores. Até a liberdade de cátedra tem sido colocada em questão pelo governo federal, que faz ataques às instituições públicas e federais de ensino desde o início da gestão. “A portaria 282 viola a autonomia universitária porque permite que a movimentação do servidor não esteja vinculada à adequação da força de trabalho, o que pode dar margem às perseguições de cunho político através de transferências. Outro tópico é a Instrução Normativa nº65 com orientações para regimes de tele trabalho nos órgãos integrantes da administração pública federal. O objetivo do trabalho remoto é o alcance de metas, independentemente das condições de trabalho. O servidor tem que ficar disponível por telefone, responder e-mails, mas o que vemos é que ele está tendo que arcar com os custos do seu trabalho, como aquisição de equipamento, energia elétrica, internet. Em situações excepcionais, nós usamos o bom senso, mas vemos uma pandemia cujo ano vai acabando sem previsão de retorno das atividades presenciais e a administração segue num papel cômodo, economizando dinheiro com sua estrutura, com redução de contratos terceirizados. O servidor não está no local de trabalho, mas tem que alcançar a meta sem custo nenhum para administração, nem que pra isso tenha que comprometer sua saúde. Queremos propor projeto de lei 3.512/2020 que impõe que os custos com o tele trabalho sejam regulamentadas, mas ele ainda não está finalizado”, detalha Matthaus Ferreira.
Outro tema atual diante das aulas remotas é o direito de imagem de professores e alunos, além do vídeo, a proteção se estende também à voz e ao conteúdo intelectual das aulas, que é o conteúdo ministrado. O aluno tem o direito de gravar a aula, desde que ele não faça nenhum tipo de divulgação. A reforma administrativa não poderia ficar de fora do debate, já que traz alguns pontos de extrema preocupação. “Um deles é a mudança do vínculo público para cargo público. Além de criação de cargos com vínculos por prazo indeterminado, sem estabilidade e criação de vínculo de experiência, que pode ser entre um e dois anos, além do estágio probatório de um ano. A proposta acaba com o regime jurídico único e acaba com a estabilidade para cargos que não forem típicos de estado, que são aqueles estratégicos para serviço público, no entanto, essa definição ainda não foi estabelecida”, detalha Matheus Ferreira, advogado e assessor jurídico da Adurn.
O 1º Encontro de Docentes da UFRN é um evento preparatório para o Encontro Nacional do PROIFES-Federação, que acontece em novembro. As transmissões do Encontro podem ser acompanhadas no Canal do ADURN-Sindicato: https://www.youtube.com/channel/UCeyhMfPeMjJByndAiSLHKLg