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Publicado em 28 de janeiro de 2021 às 11h52min
Tag(s): Fórum Social Mundial
Em painel, professora dos EUA adverte que, na busca por igualdade, raça, gênero e classe ainda são desafios. Mulheres sarauís, curdas e indianas compartilham lutas e propõem “feminismo radical” para superar a violência do capitalismo
São Paulo – Ativistas pela igualdade de gênero da Índia, Curdistão, Estados Unidos, Saara Ocidental, Peru, e de outros países, denunciaram nesta quarta-feira (27), durante as atividades do Fórum Social Mundial (FSM), o impacto do que chamam de “aliança perversa entre o capitalismo, patriarcado e colonialidade” sobre os corpos das mulheres em todo o mundo. Apesar das diferenças culturais entre seus países de origem, as ativistas evidenciaram que estão todas unidos pela violência estrutural contra a vida da população feminina e também LGBT+.
De acordo com elas, fundamentos religiosos, políticos e econômicos do Estado e da sociedade também funcionam como barreiras para o acesso das mulheres à democracia e à liberdade. A pandemia do novo coronavírus, nesse contexto, também somou como outra expressão da violência contra as mulheres. Não à toa, relatos de violações e dores marcaram o painel do FSM, intitulado de “Feminismos revolucionários para outros mundos possíveis e necessários”. Mas as diferentes histórias também lembraram que o que não falta são exemplos de estratégias de luta e resistência.
Nascida nos acampamentos de refugiados saarianos, a doutoranda em Estudos Feministas Cheja Addallahi, advertiu, por exemplo que, ao contrário de outras culturas, ela “cresceu dentro de uma sociedade matriarcal”. Última colônia em toda a África, explorada pela Espanha, o Saara Ocidental tem as mulheres à frente da maioria de suas atividades. São elas que administram e atuam como a principal força de resistência no território ao Norte, disputado há décadas pelo Marrocos e a Mauritânia.
Desde 1975, os sarauís estão refugiados no Tindouf, região cedida pela Argélia. No local, onde foi criada a República Árabe Saariana Democrática (RASD), os comitês revolucionários são compostos quase que exclusivamente por mulheres, como mostra reportagem do El País.
“As mulheres sarauís, enquanto os homens lutavam, construíam as casas de refugiados. Nos colocavam (quando crianças) nas costas e procuravam poços de água para que pudéssemos beber e seguir ao menos com vida”, recorda Cheja.
Vivendo em um “estado de exílio”, como analisam especialistas internacionais, essas mulheres atualmente estão, no entanto, “trancadas” pela ocupação marroquina. O que as impedem de gritar por “Saara Livre”, segundo a ativista que faz parte também do Movimento de Mulheres Sarauís. Ela comenta que toda essa violência é exclusiva de um modelo capitalista, centrado no poder do homem.
“A lógica patriarcal, colonialista e invasora, que utiliza o Marrocos e seus aliados, e também a União Europeia, o estado da França, da Espanha e dos Estados Unidos, estão silenciando as mulheres sarauís. Eles as intimidam, as violam para silenciar as ativistas. Estão violando em frente aos seus familiares, eles também as desnudam. Não é só uma violência ao território, mas ao próprio corpo (das mulheres sarauís)”, descreveu.
Cheja que denuncia ao mundo as violações contra o povo sarauí tem como único desejo voltar a sua terra para, enfim, poder plantar suas raízes. Enquanto esse dia não chega, ela revive os ensinamentos da mãe que, apesar de não ter tido acesso à livros e escolas, garantiu que a filha conseguiria. “A mulher sarauí é uma amostra de tudo e tem muito em comum com todas as outras mulheres, estejam onde estiver”, enfatizou a doutoranda.
A perseguição de gênero não é de fato exclusiva. A responsável pelo Gabinete de Relações das Mulheres Curdas (Repak) –, na sigla em inglês, – Meral Çiçek relata que lideranças feministas do Curdistão estão sendo assassinadas pelas forças da Turquia, controladas pelo presidente conservador, Recep Tyyip Erdogan. Há décadas que ambos se enfrentam em um conflito nacionalista.
Na luta por independência e contra o Estado Islâmico, as mulheres curdas também protagonizam uma revolução antipatriarcal. “Nós fazemos parte do Movimento Livre do Curdistão que começou em 1970. Na época a questão de gênero não era importante, o importante era a classe e a nação. Mas depois de analisar a história da revolução e do poder, o movimento chegou à conclusão de que a questão do poder, da opressão e da exploração só pode ser solucionada pela ação das mulheres. O que significa que os revolucionários têm que ter as mulheres no centro da luta para poder ter uma revolução”, explicou Meral.
Como mostra artigo publicado pelo jornalLe Monde Diplomatique Brasil, o conceito de autodefesa para as mulheres curdas é algo amplo, que abrange não só a proteção à violência física, mas o entendimento também da violência cultural e simbólica.
De acordo com a responsável pelo Repak, o movimento tem como proposta também a luta contra o machismo e a construção de comunidades para as mulheres. “Para lutar contra o patriarcado e o sexismo temos que ser radicais, temos que ser contra os interesses hegemônicos”, frisou. É por isso também que o movimento de libertação curdo é conhecido pelas casas de acolhimento às mulheres e o combate de violações históricas.
Mas todo esse reconhecimento da violência de gênero não impediu que dentro de um partido político curdo houvesse denúncias de líderes agressores de mulheres. “Mas, apesar da opressão, podemos encontrar e tirar essas pessoas que não defendem as mulheres”, atenou Meral.
A professora da Universidade de Minnesota Rose Brewer, pesquisadora do tema da desigualdade racial e autora de diversos artigos, também reforça que, para além da lógica colonial, o próprio Estado é responsável pela violência sobre aqueles que considera “menos cidadãos de direitos”.
Integrante do movimento Black Lives Matter, o Vidas Negras Importam, e moradora do estado onde George Floyd, homem afro-americano foi assassinado pela polícia, ela destaca que o racismo, o machismo e a LGBTfobia são “disseminados pelo capitalismo”. O sistema “da economia atual para garantir os lucros do neoliberalismo do século 21 que afeta duramente a população afrodescente”, observa.
Vem daí, segundo a pesquisadora, a “importância de um feminismo revolucionário, antirracista, como expressa o movimento ‘Vidas Negras Importam’ ao também reivindicar que as polícias, que são representantes do Estado, deixem de nos matar”, afirma Rose. A professora também contempla o esforço do movimento em outros países, como o Brasil. “No país do Fórum Social Mundial, temos Marielle Franco, ativista, negra, que foi executada por seu trabalho nas favelas contra a polícia”, aponta.
“Exigir que não nos mate não é só uma exigência nos Estados Unidos, uma nova geração constrói esse movimento para transformação e sabemos que temos que viver com essa realidade complexa de racismo, classismo e gênero. Sabemos que a análise do movimento Vidas Negras Importam implica compreender como esses sistemas se entrelaçam. E o feminismo radical exige que não se pode entender um sistema sem compreender suas relações com outros sistemas. Por isso é importante entender a lógica de interseccionalidade”, propõe Rose Brewer no painel do FSM.
A pesquisadora indiana, Vandana Shiva, adverte ainda que a dimensão do feminismo radical compreende também uma preocupação ecológica. Ativista antiglobalização, autora de mais de 20 livros, ela alerta que há invasão ainda maior ao corpo da mulher que ocorre por meio da comida.
Isso porque a Índia repete uma história secular na agricultura, ao dar espaço a modelos capitalistas que negam a natureza e as populações originárias para lucrar. A peça da vez, segundo ela, é a imposição das chamadas “sementes geneticamente modificadas”. “Há uma certa ideia que o patriarcado inventou de que uma semente não tem vida. E acrescentaram à ela um elemento tóxico para assim marcar um novo território e uma nova fronteira”, contesta Vandana.
“Essas comidas nos causam enfermidades crônicas e temos que reclamar dela. Temos que fazer um movimento de desobediência civil, lutar por nosso cuidado, nossa seguridade, nossa comida. Nós, mulheres e toda a diversidade índigena, somos os especialistas. Os capitalistas que são apenas máquinas violentas de ignorância que desmembram nossos corpos”, defendeu a pesquisadora.
Fonte: Rede Brasil Atual