Brasil precisa hoje de ‘vacina no braço e comida no prato’

Publicado em 29 de março de 2021 às 09h40min

Tag(s): Pandemia de coronavírus



Especialistas discutem relação entre covid e trabalho. “A quem interessa a invisibilização?”, questiona representante da Anvisa

São Paulo – Ainda que o governo tente separar os temas, como se fossem independentes, a questão da pandemia – com atraso na vacina – é também econômica, como lembra o diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior. Ele participou ontem (25) à noite de live da Frente Ampla em Defesa da Saúde dos Trabalhadores. Entre outros assuntos, o evento discutiu a possível e crescente relação entre covid-19 e doenças do trabalho. “Não controlar a pandemia significa paralisar a nossa economia, paralisar investimentos, tomadas de decisão, ampliar a desigualdade, a taxa de desemprego, reduzir o poder de compra dos salários”, afirmou Fausto.

“A pandemia colocou a nu muitas de nossas contradições do nosso mercado de trabalho. Desigual, concentrador de renda e que privilegia nichos”, acrescentou o sociólogo. Ele lembrou que “em nenhum momento” o governo defendeu efetivamente o auxílio emergencial. Foi, emendou Fausto, resultado da pressão do movimento sindical e social. Além de abordar desafios para o pós pandemia, como home office, controle da jornada, direito à desconexão e regulamentação do trabalho por aplicativos, o diretor técnico resumiu as necessidades da população neste momento: “Vacina no braço e comida no prato”.

Caos e política de morte

A juíza Valdete Souto Severo leu uma carta, assinada por várias entidades. O documento foi dirigido à Organização das Nações Unidas, ao Tribunal Penal Internacional e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. “A população brasileira é alvo de uma política de morte”, diz o documento logo no início. “O caos está instalado.” Afirmando-se “exasperadas e indignadas com a inércia das instituições” no Brasil, as entidades fazem um “autêntico pedido de socorro” às organizações internacionais.

Titular da Coordenadoria Nacional de Meio Ambiente do Trabalho (Codemat), do Ministério Público do Trabalho, a procuradora Márcia Kamei aponta “avanços pontuais” no combate à pandemia. Nesse sentido, cita negociações no setor bancário, além de discussões em áreas como telemarketing e supermercados. Ainda existe, segundo ela, “um certo nível de incompreensão da gravidade da situação” no ambiente patronal.

Direito a ambiente seguro

Ela destacou ainda as 26 notas técnicas elaboradas pelo MPT desde o início da crise, citando em especial as que tratam de trabalho doméstico, adolescentes, diálogo social e gestantes. Mas advertiu que a crise econômica também traz, ao longo do tempo, “deterioração” das políticas da saúde. E acrescentou que a negligência em relação a esses direitos, inclusive constitucionais – como entrar a sair com saúde do ambiente do trabalho –, é anterior à pandemia. Uma questão que, por sinal, começa a chegar à Justiça do Trabalho.

A também procuradora do Trabalhadora e professora Cirlene Zimmermann enfatizou o direito constitucional a um ambiente de trabalho seguro. E apontou possibilidades de enquadramento da covid-19 como doença ligada ao trabalho. Citou definição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre ambiente de trabalho: todos os lugares onde o trabalhador deve comparecer e precisa permanecer. Assim, a relação entre trabalho e covid também pode estar relacionada à não prevenção.

‘Doente’ é o trabalho

O psicólogo e pesquisador Bruno Chapadeiro lembrou que a situação do trabalho se deteriorou, do ponto de vista da saúde mental, mas a situação já era preocupante. “Nesse mundo do trabalho pré-pandemia, que tinha um afã tecnológico, o Brasil já liderava níveis de ansiedade e depressão.”

Ele citou o professor italiano Luigi Devoto, que há mais de 100 anos criou a Clinica del Lavoro, em Milão. O pesquisador explicou porque o local tinha o nome de “clínica do trabalho” e não “do trabalhador”. Perché il malato è il lavoro ed é questo che deve essere curato affinché siano prevenute le malattie dei lavoratori. Ou seja, quem está doente é o trabalho, e este que precisa ser curado para prevenir as doenças dos trabalhadores.

Ex-coordenadora-geral de Saúde do Trabalhador (foi dispensada no ano passado), do Ministério da Saúde, a servidora da Anvisa Karla Freire Bâeta destacou casos de covid entre trabalhadores do mercado formal. Mas citou dificuldades de caracterização relacionadas a “divergências conceituais”. “A quem interessa a invisibilização da covid relacionada ao trabalho?”, questionou.

Fonte: Rede Brasil Atual

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