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Publicado em 29 de março de 2021 às 09h53min
CartaCapital montou uma lista com os principais itens, a partir de relatórios internos de partidos da oposição
Aprovado no Congresso Nacional na noite de quinta-feira 25, o Orçamento de 2021 traz cortes profundos em setores essenciais e engorda a carteira de áreas supérfluas na pandemia, segundo cálculos internos de partidos da oposição aos quais CartaCapital teve acesso. Os números ainda podem mudar, porque o texto segue para a sanção do presidente Jair Bolsonaro e, se receber vetos, retorna para os parlamentares.
Os dados recolhidos a partir desses relatórios foram utilizados para a montagem de uma lista, a seguir, com os dez principais pontos da matéria. As estimativas, feitas pelas assessorias econômicas das legendas PT, PCdoB e PSOL, apontam principalmente para tesouradas na saúde, na educação, na assistência social e no meio ambiente. Uma reunião com lideranças congressistas e a oposição é cogitada para a segunda-feira 29 para tratar desses temas.
Antes da lista, um contexto. Segundo o Orçamento de 2021, relatado pelo senador Márcio Bittar (MDB-AC), o Brasil tem, de receitas e despesas, o valor estimado em 4,3 trilhões de reais. É dessa cifra, portanto, que se faz a distribuição dos gastos.
Documento do PCdoB, de autoria do advogado Flávio Tonelli, estabelece já de início a primeira crítica: o Orçamento de 2021 é o quinto aprovado durante o teto de gastos. Chamada de “PEC do Fim do Mundo”, a Emenda à Constituição que congelou os gastos públicos entrou em vigor no governo de Michel Temer (MDB), no fim de 2016.
Neste ano, portanto, o País não pode gastar mais que o teto de 1,48 trilhão de reais em despesas como saúde e educação. Segundo a legenda, esse limite, apenas 2,1% mais flexível que o do ano passado, impede a recuperação da economia e a satisfação das demandas da sociedade.
“O teto não permite uma lei orçamentária que responda à crise, seus efeitos e as medidas necessárias para a superação das crises sanitária, social e econômica”, diz o texto.
Ouvido por CartaCapital, Tonelli acrescenta uma observação: a destinação de altos valores ao financiamento da “dívida pública”. Trata-se da dívida que o Estado contrai quando, por exemplo, quer investir em projetos de desenvolvimento, mas não tem como custeá-los apenas com o dinheiro da arrecadação de impostos ou com cortes de gastos. Para especialistas, o aumento da dívida pública inicialmente não é um problema, mas seu financiamento se torna um “esquema de corrupção institucionalizado” quando ela não tem uma contrapartida clara.
A dívida pública, interna e externa, fechou fevereiro em 5,2 trilhões de reais, tendo como seus principais detentores os bancos e investidores estrangeiros. Segundo destaca Tonelli, em 2020 foi descrito quase 1,2 trilhão de reais para o financiamento da dívida pública – em 2021, o número subiu para 1,8 trilhão de reais. Boa parte do dinheiro é voltada para o pagamento de juros.
“Por que o Brasil tem cortes em áreas como saúde e educação? O País não tem dinheiro ou está mandando dinheiro para outro lugar?”, questiona.
Confira os principais itens do Orçamento 2021, segundo as assessorias econômicas ouvidas pela reportagem.
Salário mínimo está menor
O Orçamento considera para 2021 um salário mínimo de 1.067 reais, 33 reais a menos que 2020, estipulado em 1.100 reais. Relatório da assessoria econômica do PT anota que o salário mínimo de 2020 já não havia trazido ganho real e deveria ter sido fixado em 1.102 reais para corresponder ao índice de inflação.
O partido dá destaque ainda aos cortes de 10 bilhões de reais no Fundo de Amparo ao Trabalhador, sendo que 7,4 bilhões serão cortados do abono salarial e 2,6 bilhões do seguro-desemprego.
Ministério da Saúde tem menos recursos que 2020
Cálculo da assessoria econômica do PSOL percebeu um corte de 30% no Ministério da Saúde em relação aos recursos utilizados no ano passado. Segundo explica Carolina Resende, autora do levantamento, o Orçamento de 2021 para a pasta, de 144 bilhões, é similar ao do ano passado, de 134 bilhões de reais. Só que, em 2020, houve uma injeção de verbas por causa da pandemia (os chamados “créditos extraordinários”), o que fez a cifra subir para 198 bilhões de reais à época – 207 bilhões de reais, de acordo com a correção da inflação, diz ela.
“Estamos num ano de agravamento da crise sanitária, com necessidade de aquisição e de produção das vacinas e de repasses para os estados e municípios”, diz Carolina. “Com relação a todo o recurso utilizado no ano passado, incluindo os créditos, o orçamento do Ministério da Saúde sai menor do Congresso neste ano.”
Na Educação, universidades são mais penalizadas
A assessoria do PSOL vê na educação superior a maior penalização nos últimos anos. Carolina aponta que a função do ensino superior sai do Congresso neste ano com 34 bilhões de reais. Esse valor é apenas 70% do que foi aplicado ao setor em 2015, quando foram disponibilizados aproximadamente 47,5 bilhões, calcula ela.
“Está ocorrendo um asfixiamento de recursos no custeio de despesas fixas, mas principalmente no investimento, que está muito próximo de 10% do que deveria ser”, avalia. “Num momento em que se cobra tanto da ciência, não há investimentos em expansão e modernização.”
A assessoria do PT identificou cortes de 18% nos recursos para assistência estudantil. Também aponta a subtração de 34% no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que representam uma tesourada de 33% no orçamento geral da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e de 8,3% no orçamento geral do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Meio ambiente perde aportes
Carolina aponta “progressivos cortes” na área nos últimos anos. O orçamento que sai do Congresso em 2021 para o Ministério do Meio Ambiente é 1/3 do montante em 2013, diz ela. Calculada a correção pela inflação, ela lembra que a cifra há oito anos atrás equivalia a 7,2 bilhões de reais à pasta; neste ano, o valor cai para 2,5 bilhões.
“Temos aumento no desmatamento da Amazônia, nas queimadas do Pantanal e o avanço do agronegócio. Não é por acaso haver um desmonte nessa área. Sem recursos, perdemos a capacidade de fiscalização e conservação”, afirma.
Assistência social é insuficiente
Para Carolina, o impacto mais chamativo está no Bolsa Família. O orçamento deste ano até traz uma ampliação de recursos: enquanto em 2020 foram previstos 29 bilhões, em 2021 o valor é de 34 bilhões.
Porém, nos últimos dois anos, destaca ela, tem sido comum a formação de filas para o benefício. O valor estipulado prevê a absorção de 2 milhões de famílias, enquanto em dezembro 2,1 milhões de famílias estavam na fila de espera do programa, segundo o G1. Conforme mostrou CartaCapital, esse número deu um salto na pandemia, saindo de 1,76 milhão para 1,9 milhão entre junho e agosto de 2020.
“Esse recurso não dá conta de absorver a demanda que já tem na fila hoje”, diz Carolina. “O orçamento já está dizendo que não vai ter recurso para pelo menos 100 mil famílias e para as novas que vão entrar na fila.”
Combate à violência contra a mulher é confuso
Na visão da assessoria do PSOL, houve remanejamento das políticas nessa área, de forma que elas não são mais facilmente identificáveis. Por meio de agrupamentos em ações “para a família”, fica cada vez mais difícil reconhecer as formulações para as mulheres dentro do orçamento, aponta Carolina.
Ela considera baixos os valores destinados à construção de centros de acolhimento para mulheres violentadas (24 milhões) e ao enfrentamento à violência contra a mulher (2,5 milhões).
“Tem sido prática frequente do governo, desde 2018, enviar zeradas ao Congresso, ou seja, sem nenhum recurso, as poucas rubricas específicas para as mulheres. Isso porque espera-se uma mobilização da bancada feminina por emendas parlamentares”, observa Carolina. “E o Congresso não tem sido capaz de suplementar essas políticas.”
A renúncia de receitas é bilionária
O governo federal está abrindo mão de 307 bilhões de reais em renúncias fiscais, diz a assessoria do PSOL, com base em projeções da Receita Federal. É claro que existem diversas políticas que merecem permanecer sob esse guarda-chuva, observa Carolina, mas faltam levantamentos para que esses altos valores sejam justificados.
Entre as renúncias, estão incentivos a pequenas empresas e à agricultura, além de isenções de imposto de renda.
“Você tem um emaranhado de renúncias tributárias sem noção da eficácia”, opina. “Criou-se empregos? Ampliou-se a produção em determinado local? Ou aquilo foi totalmente apropriado pelo empresariado? Onde estão os estudos sobre essas renúncias? Porque 307 bilhões é muito alto.”
Salários de militares ganharam uma turbinada
Agora, as prioridades do governo. Para a assessoria do PSOL, surpreendeu o aumento da folha salarial de militares, em um contexto de enxugamento de todas as outras despesas. O acréscimo é escalonado por carreiras, de modo a favorecer postos mais altos. Nos cálculos agregados relacionados a pessoal e encargos, o partido identificou um aumento de 3 bilhões no orçamento, saindo de 86 bilhões em 2020 para 89 bilhões em 2021.
Além disso, vão para o Ministério da Defesa cerca de 8,6 bilhões da cifra dedicada aos investimentos públicos (52 bilhões), o que representa cerca de 1/5. O valor é maior que o destinado aos investimentos no Ministério da Saúde, de 4,01 milhões, e no Ministério da Educação, de 4,1 milhões.
“São números extremamente desproporcionais ao resto do Orçamento”, aponta Carolina.
Aumento no Ministério do Desenvolvimento Regional
Também causou espanto à assessoria do PSOL os investimentos reservados ao Ministério do Desenvolvimento Regional. É justamente por essa pasta que os parlamentares, especialmente do Centrão, enviam os seus recursos para realizar obras em seus estados e municípios. Só em investimentos públicos, o Ministério ganha o montante de 17 bilhões de reais. Trata-se de um valor discrepante em relação aos recursos disponibilizados à Saúde, diz Carolina.
Segundo seu cálculo, o Ministério do Desenvolvimento Regional e o Ministério da Defesa receberão metade do que foi destinado para investimentos públicos.
“Quando o governo enviou a proposta orçamentária, tinha 2,3 bilhões no Ministério do Desenvolvimento Regional. Ele sai do Congresso com sete vezes mais só em investimentos públicos. É um reajuste sem precedentes”, considera.
Censo do IBGE ameaçado
O Instituto Brasileiro de Geografia Estatística sofreu um revés financeiro e perdeu mais de 90% do seu orçamento, saindo de 2 bilhões de reais apenas 71 milhões de reais para este ano. Considerando que, para realizar o Censo Demográfico de 2020, o IBGE havia solicitado inicialmente 3,4 bilhões ao governo, o montante atual é muito baixo para garantir que a pesquisa seja feita. A última vez que esse levantamento ocorreu foi em 2010; não foi possível realizá-lo dez anos depois, por causa da crise pandêmica.
Sem o Censo Demográfico, aponta o IBGE, fica inviável identificar problemas sociais nas diferentes regiões brasileiras, o que pode dificultar na formulação de políticas públicas nos próximos anos. Na sexta-feira 26, a presidente do Instituto, Susana Cordeiro Guerra, pediu demissão.
Fonte: Carta Capital