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Publicado em 29 de março de 2021 às 09h55min
Tag(s): Opinião Paulo Freire
O ano de 2021 marca as celebrações do centenário de nascimento do educador Paulo Reglus Neves Freire, patrono da educação brasileira e um dos pensadores mais importantes do século XX. A obra vanguardista de Paulo Freire continua a influenciar gerações de professores, pedagogos, pesquisadores, estudantes e demais atores do conhecimento. O autor da revolucionária Pedagogia do Oprimido é o intelectual brasileiro mais estudado e reverenciado mundo afora, possuindo dezenas de títulos e premiações concedidos por diversas universidades e instituições nacionais e internacionais. Seu pensamento, de essência humanista e forte teor crítico às injustiças sociais, faz-se atual e necessário nestes tempos de árduos desafios para educação pública nacional.
No momento em que enfrentamos uma hecatombe humanitária ocasionada pela pandemia da COVID-19, agravada, no Brasil, pela política genocida do Governo Federal de turno, assistimos também a um profundo alargamento das desigualdades sociais, com aumento progressivo da pobreza, da fome e do desemprego. A pandemia atinge a todos, mas, como é natural no sistema capitalista, os efeitos da crise afetam os mais pobres de maneira muito mais cruel, multiplicando os obstáculos de sobrevivência às milhões de famílias que vivem na linha da pobreza.
A educação pública é um dos setores mais afetados pela crise sanitária. Grande parte dos alunos da rede pública não tem condições de aderir ao ensino remoto, seja pela falta de acesso à internet ou de computador à disposição, seja pela falta das condições mínimas para um ambiente de desenvolvimento pedagógico. No ensino básico a pandemia vem mostrando de maneira muito clara a face da desigualdade no Brasil, expondo o abissal desnível de oportunidades que existe entre os estudantes das redes pública e privada.
Pesquisa do Instituto Data Senado realizada em julho de 2020 aponta que 26% dos lares com estudantes na rede pública não possuem internet, número que cai para 4% quando se trata da rede privada. Na verdade, as próprias escolas carecem de condições de ofertar o ensino à distância, conforme aponta o Censo Escolar da Escola Básica 2020, realizado pelo Ministério da Educação (MEC) em março do ano passado. Segundo os dados coletados pela pesquisa, o número de escolas públicas que não têm internet de banda larga cresceu entre 2019 e 2020. A internet banda larga não chegava a 15 mil escolas urbanas em 2019 (18,1%), e cresceu para 17,2 mil (20,5%) em 2020. Além disso, 35,8 mil escolas seguem sem coleta de esgoto, 26,6% do total. Antes, eram 36,6 mil (27,1%). O fato é que, assim como os hospitais, as escolas públicas brasileiras não dispõem de estrutura adequada para o enfrentamento da pandemia.
Cumpre observar que a própria adoção do ensino à distância está longe de ser ponto pacífico entre os educadores. É no ensino básico que a atuação presencial do professor se faz mais necessária, por exigir didática dinâmica, interativa e um acompanhamento de perto do desenvolvimento pedagógico de cada aluno. Por outro lado, a ausência do dia a dia escolar impacta diretamente a vida das famílias e comunidades, que têm na escola um referencial social e comunitário em seu cotidiano.
Em tempos tão difíceis, precisamos mais do que nunca buscar inspiração na obra e no exemplo de Paulo Freire, sempre a nos convocar à luta por uma educação solidária, democrática e socialmente referenciada. No atual contexto, é preciso entender que a retomada da educação pública só será possível através de um plano intersetorial, que combine condições de segurança sanitária plena com programas emergenciais de assistência social às famílias necessitadas, em que, antes de tudo, se resolva as necessidades prementes dos estudantes, como a própria carência alimentar.
Mais importante do que o retorno à sala, que só deverá acontecer com plenas condições de segurança, é proporcionar uma rede de assistência imediata ao estudante e sua família. Quanto ao retorno da escola, deve ser observada as particularidades de cada realidade e, principalmente, deve ser construída com ampla participação decisória de toda a comunidade escolar - gestores, professores, servidores, alunos e famílias.
O legado de Freire nos ensina que educação se faz com solidariedade, humanismo, pensamento crítico e ação social. Todas as celebrações a este grande humanista brasileiro são bem-vindas, mas a verdadeira homenagem feita a Paulo Freire é continuarmos seu legado de uma educação democrática, solidária, inclusiva e emancipadora.
Enio Pontes – Professor da Universidade Federal do Ceará e Vice-Diretor Administrativo do SindiProifes
Fonte: Sind Proifes