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Publicado em 31 de março de 2021 às 09h55min
Tag(s): DItadura Militar
Data marca 57 anos do início de um dos períodos mais cruéis da história brasileira, com ataques à democracia e aos trabalhadores, com tortura e morte. Presidente da OAB aponta semelhanças com os dias de hoje
Há 57 anos, em 31 de março de 1964, teve início o período mais sombrio e um dos mais cruéis da história do Brasil. Durante a madrugada daquele dia, o alto comando do Exército Brasileiro enviou tanques de guerra ao Rio de Janeiro, então capital do Brasil, para depor o presidente João Goulart, o Jango, que governou entre 1961 e 1964.
O golpe para tomar o poder e implantar uma ditadura militar foi justificado pelos generais do Exército, que tinha alas que não gostavam das tendências ‘esquerdistas’ de Jango, como um ato para proteger o país do ‘comunismo’ e teve apoio da ala conservadora da sociedade, a mesma que se uniu para destituir Dilma Rousseff, também esquerdista, em 2016, só que, desta vez, com um golpe jurídico e midiático.
Jango ficou conhecido na história pelo cunho social de seu governo. Aos olhos da elite, ele teve a “ousadia” de tentar implantar reformas de base, o que incluía mudanças administrativas, fiscais e agrárias. Três dias depois da deposição, o ex-presidente se exilou no Uruguai.
Naquele tempo, o mundo era polarizado e a maior expressão da briga entre capitalismo e regimes como o socialismo e comunismo era a Guerra Fria, uma disputa pela hegemonia mundial econômica, bélica e aeroespacial entre os Estados Unidos e a União Soviética.
No Brasil, os setores conservadores elencaram a ‘ameaça comunista’ como o inimigo comum. A partir daí a história é conhecida por todos que viveram e estudaram sobre a época marcada pela cruel repressão que torturou e matou milhares de pessoas que ousaram se posicionar ou lutar contra a ditadura.
Eram cidadãos comuns que acreditavam e lutavam pela democracia, artistas que denunciavam os horrores do regime, além de sindicalistas e líderes de movimentos sociais que defendiam os direitos dos trabalhadores e das populações mais vulneráveis.
O que talvez as novas gerações ainda não tenham se dado conta é de que essa história tem semelhanças profundas com os dias que estamos vivendo hoje.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, cujo pai foi uma das vítimas da ditadura, afirma que o que atual presidente – Jair Bolsonaro, militar da reserva, que chegou a ser expulso do Exército – tenta fazer, inclusive ao querer ‘comemorar’ o que os defensores do período chamam de revolução, é reescrever a história.
“O Brasil vive um momento muito triste. As manifestações a partir de 2013 demonstraram uma insatisfação e não entendíamos o motivo, já que na democracia as coisas vinham melhorando em termos de inclusão social. A insatisfação com a classe política gerou um caldo de cultura que levou ao poder essa experiência frustrante que é Bolsonaro”, diz.
Em 1964, assim como em 2013, uma onda de notícias mentirosas foi disseminada na sociedade para criar um caos – ambiente propício para a suposta “retomada da ordem” pelos militares. A tática, usada inclusive por Adolf Hitler na Alemanha nazista, foi a de eleger o inimigo comum, inflamar os ânimos da sociedade e assim, criar um ambiente de desequilíbrio para tomar o poder. Foi o que aconteceu também em 2013 e que culminou no golpe contra a presidenta Dilma.
E Bolsonaro, nas arestas, já planejava sua escalada, mas diferente de 1964, ele chegou à presidência pelo voto popular com o apoio de parte das Forças Armadas. Não podemos esquecer como o ex-comandante do Exército ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, utilizou seu perfil no Twitter para pressionar o Supremo Tribunal Federal (STF) na véspera de um julgamento de um habeas corpus que poderia evitar que o ex-presidente Lula amargasse, injustamente, 580 dias na cadeia e não disputasse a Presidência da República nas eleições de 2018.
“Asseguro à nação que o Exército brasileiro julga compartilhar o anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia”, disse Villas Bôas em seu perfil.
Tempos depois, Bolsonaro agradeceu a Villas Bôas por ter ajudado a elegê-lo. À época, todas as pesquisas indicavam uma vitória de Lula, se não fosse impedido de se candidatar.
Para Felipe Santa Cruz, Bolsonaro é a herança da ditadura. O presidente da OAB afirma que o autoritarismo que se vive hoje em várias classes sociais, com uma busca de soluções até violentas e com o extermínio de quem pensa diferente foi incubado durante a ditadura.
Ele diz ainda que o país não conseguiu pedagogicamente assimilar que “a ditadura concentrou renda, aniquilou oportunidades dos mais pobres, foi uma reafirmação do racismo na sociedade, e que a classe trabalhadora teve de enfrentar o regime para derrubar a ditadura”.
A secretária de Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uheara, também aponta essas semelhanças. Ela cita os ataques às liberdades democráticas, à cultura, a aceleração de entrega de riquezas do país, a quebra da democracia e, em especial, os ataques aos trabalhadores.
“Durante a ditadura eles caçaram parlamentares, fecharam o Congresso porque não aprovava projetos que queriam e hoje a gente vê os inúmeros ataques de Bolsonaro às instituições democráticas como o próprio Congresso, também ao STF, justamente porque se opõem à sua insanidade”, diz a dirigente.
Além do legado autoritário, durante muitos anos após a redemocratização o Brasil amargou uma crise econômica fruto das más gestões dos militares. Durante a ditadura, o país se endividou, fazendo a dívida externa crescer mais de 30 vezes, veio a carestia com salários arrochados, a hiperinflação que chegou a 178% ao ano e, claro, o aumento da pobreza e da desigualdade social, problemas que somente muitos anos mais tarde, nos governos democráticos de Lula e Dilma, começariam a ser resolvidos, mas que agora, com o ‘novo autoritarismo’, sacrificam novamente os brasileiros.
Bolsonaro garantiu na justiça o direito de comemorar o golpe de 1964. Felipe Santa Cruz afirma que é uma agressão o presidente tentar reescrever a história.
“É extremamente cruel. Ele quer resgatar acima de tudo a honra de torturadores, dizendo que a tortura de mulheres grávidas, por exemplo, como o coronel Brilhante Ustra fazia, é legitima nesse enfrentamento ao comunismo como se o comunismo fosse uma realidade histórica ou tivesse chegado ao poder. É o que há de pior”, diz o presidente da OAB.
Para Jandyra Uehara, “o dia 31 de março e o dia 1° de abril são datas tristes” porque simbolizam a escalada da repressão violenta contra os trabalhadores – os mais pobres.
Ela afirma ainda que todo golpe contra governos populares, e portanto contra o povo, está a serviço do capital, da burguesia, da aceleração do processo de entrega das riquezas e de concentração do capital.
“Em 1964 foi assim e em 2016 foi assim”, diz Jandyra.
A Comissão Nacional da Verdade, instituída em 2011 durante o governo Dilma (outra vítima da ditadura), investigou e apurou os resultados dessa repressão a fim de promover uma reparação histórica dos crimes cometidos pelo regime. Além de matar quase 500 pessoas e torturar mais de 20 mil civis, a ditadura também perseguiu ou ‘deu sumiço’ em cerca de sete mil militares que se opunham ao regime.
E aqui está mais uma semelhança com o atual momento. Bolsonaro demitiu seu ministro da defesa, Fernando Azevedo e Silva, nesta segunda-feira (29), por ter uma conduta de diálogo com os outros poderes e por não ceder às suas ‘vontades’ como manifestar repúdio ao ministro do STF, Edson Fachin, por ter anulado as condenações do ex-presidente Lula, no âmbito da Lava Jato.
Nesta terça-feira (30), os comandantes do Exército, general Edson Pujol, da Marinha, almirante Ilques Barbosa Júnior, e da Aeronáutica, brigadeiro Antonio Carlos Moretti Bermudez, colocaram seus cargos à disposição, também por discordarem da postura do presidente.
A crise institucional nas Forças Armadas hoje, que têm como pano de fundo a ânsia de poder de Bolsonaro, para Felipe Santa Cruz, presidente da OAB, é preocupante por um lado, porque “demonstra a intenção de afastar generais legalistas que defendem o farol constitucional das Forças Armadas”.
Por outro lado, prossegue Santa Cruz, mostra uma fragilidade do presidente que tem apoio apenas oficiais de baixa patente, sargentos, cabos, também do “baixo oficialato da PM”. Essa nova crise, diz, é um novo elemento na conjuntura, mas pode representar uma esperança já que há um papel de resistência nas Forças Armadas.
O Brasil foi um dos últimos países que enfrentaram golpes a investigar os crimes praticados durante os regimes. A Comissão Nacional da Verdade (CNV) foi instituída por lei em 2011 e é considerada uma vitória dos movimentos sociais, sindical e das famílias vítimas da ditadura.
“Foi um marco no processo de resgate da história e da busca por justiça”, diz Expedito Solaney, dirigente do Sindicato dos Bancários de Pernambuco, que à época, como secretário de Políticas Sociais da CUT, representou a central na CNV e coordenou os trabalhos da Comissão da Memória, Verdade e Justiça da CUT, cujo objetivo foi apurar os crimes contra sindicalistas durante a ditadura.
O movimento sindical foi duramente atacado durante a ditadura. No dia do golpe em 31 de março de 1964, mais de 500 entidades sindicais em todo o país foram fechadas, amanheceram o dia com tanques de guerra em frente às sedes. Dirigentes foram presos, exilados, torturados e milhares de trabalhadores tiveram suas vidas devastadas
Solaney também aponta como semelhança entre a ditadura e os dias atuais a perseguição aos movimentos que defendem os direitos dos trabalhadores. “Em 1964 fomos alvo do golpe e em 2016 também. Desde o governo do golpista Temer, o que ocorre é um esvaziamento do movimento sindical. Ocorre também agora com esse miliciano no governo, para destruir os sindicatos”, ele afirma.
Para o sindicalista, o movimento sindical, movimentos sociais, partidos de oposição e todos aqueles que defendem a democracia devem manifestar total repúdio ao golpe de 1964.
Nesta terça, a partir das 10h30, será realizado o ato virtual Ditadura Nunca Mais, que será transmitido pelo Facebook e Youtube da CUT.
Edição: Marize Muniz
Fonte: CUT Brasil