Entre os vários pontos de vista por meio dos quais se pode analisar o adjetivo essencial, podemos destacar dois. Um deles é o semântico; o outro é o jurídico. A Lei 7.783/1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define, em seu artigo décimo, uma lista de serviços e atividades considerados essenciais: tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis; assistência médica e hospitalar; distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; serviços funerários; transporte coletivo; captação e tratamento de esgoto e lixo; telecomunicações; guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; processamento de dados ligados a serviços essenciais; controle de tráfego aéreo e navegação aérea; compensação bancária; atividades médico-periciais; e atividades portuárias.
É a respeito dessas atividades, portanto, que os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante uma greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. Em outras palavras, é por isso que, em caso de paralisação de ônibus numa cidade, uma parte mínima da frota precisa continuar rodando. Ou que, em caso de greve de médicos ou enfermeiros, atendimentos de urgência e emergência têm que continuar sendo feitos. É uma questão de lei, mas também de bom senso.
Embora não estejamos numa situação de greve, a lista serve como um bom parâmetro das atividades consideradas essenciais, por esse aspecto jurídico, durante este enfrentamento da pandemia da Covid-19. E, note-se, educação não está entre elas. No entanto, o Projeto de Lei 5.595/20, colocado em regime de urgência esta semana na Câmara dos Deputados, proíbe a suspensão das atividades educacionais em formato presencial nas escolas e instituições de ensino superior públicas e privada, com a pretensa justificativa de que as atividades educacionais serão consideradas como “serviços e atividades essenciais, inclusive durante enfrentamento de pandemia, de emergência e de calamidade pública”.
Há, no PL, um falso apelo ao outro viés pelo qual se pode encarar o que é, supostamente, essencial. Falso porque o argumento dos que apelam à semântica nada tem, de fato, de preocupação com a educação. Pelo dicionário Michaelis, entre tantos sentidos, essencial é aquilo que constitui a parte necessária de algo; que é indispensável. Ou que é a parte mais importante em alguma coisa; fundamental. Sim, a educação é indispensável e é o primeiro dos direitos sociais fundamentais assegurados pelo artigo sexto da Constituição. Esse ponto é indiscutível.
Contudo, os que tentam proibir a suspensão das atividades escolares presenciais, como é o caso da autora do Projeto de Lei 5.595/20, deputada Paula Belmonte (Cidadania/DF), e de todos os 307 deputados que votaram favoravelmente à absurda tramitação da proposta em regime de urgência, desconsideram, deliberadamente, que a educação jamais parou seus trabalhos durante todos esses mais de 12 meses de estado de emergência provocado pela pandemia. Muito pelo contrário. Aulas continuaram sendo ministradas e trabalhadores em estabelecimentos de ensino, tanto públicos quanto privados, desdobraram-se para desenvolver atividades na modalidade remota, enfrentando, muitas vezes, a desigualdade social e educacional de seus estudantes (sobretudo nas escolas públicas), a sobrecarga de trabalho, a necessidade de usar seus próprios equipamentos técnicos e tecnológicos e, no caso das escolas privadas, a constante pressão e ameaça patronal.
Vedar a suspensão das atividades educacionais em formato presencial, como quer o PL em questão, não assegura o direito à educação — direito constitucional que a própria justificativa do projeto de lei, maliciosamente mas também erroneamente, cita. Na verdade, obrigar o retorno às aulas presenciais num momento de grande gravidade da pandemia e contra todas as orientações científicas — sabendo que as escolas certamente serão um epicentro de contágio não apenas de estudantes, professores e auxiliares de administração escolar, mas de toda a comunidade — fere o direito à educação, impedindo que ela seja desenvolvida num ambiente seguro. Fere também o segundo direito social estabelecido no mesmo artigo sexto, ou seja, o direito à saúde.
Se educação, do ponto de vista semântico, é essencial, os 307 deputados que votaram pela urgência do projeto deveriam é votar pela revogação da Emenda Constitucional 95 (que congelou os investimentos públicos no setor), pela garantia de internet a todos os estudantes, pela valorização dos trabalhadores em educação, pela vacinação em massa dessa categoria e, claro, pelo impeachment do presidente genocida que condena o Brasil.