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Publicado em 30 de abril de 2021 às 09h43min
Tag(s): Reforma Administrativa
Imagine uma situação em que um professor universitário está ministrando uma aula de História e, de repente, fica com receio de utilizar determinada palavra para se referir a um país ou governante do passado. Sabendo que sempre há alguém fiscalizando o conteúdo da aula expositiva, o professor refaz sua linha de raciocínio e aborda todos aqueles fatos de outra maneira.
Mesmo que a explicação não tenha lá muita conexão com a realidade, o professor se sente mais aliviado, pois sabe que não desagradou seu superior e vai poder manter seu emprego.
Esse exemplo pode valer para inúmeros outros contextos, não só para uma aula de História. Talvez para uma pesquisa de Agronomia que poderia desagradar uma grande empresa de agrotóxicos? Ou um projeto de engenharia que explica como a emissão de poluentes pode ser reduzida nos automóveis, mas que interfere nos custos de produção de grandes montadoras?
Poderia ocorrer também sobre uma pesquisa que comprove que o governo gasta dezenas de milhões de reais com a compra e propaganda de um medicamento cuja eficácia não é comprovada pela ciência, e que pode até piorar as condições de saúde de pacientes.
Pois é. Sem a autonomia didática, acadêmica e científica, nada disso seria possível.
A questão central é que os professores jamais devem se sentir intimidados no exercício de sua profissão.
Para evitar perseguições por motivações políticas ou ideológicas, os servidores públicos no Brasil (e em muitas democracias mundo afora) têm direito à estabilidade e não podem ser demitidos sem que se comprove alguma conduta ilegal grave.
Perigo à vista
Apesar de absurda e perigosa, a tentativa de intimidar professores em sala de aula pode passar a acontecer nas universidades e institutos federais com a aprovação da proposta de Reforma Administrativa (PEC 32/2020).
Para aprová-la, os membros do governo Bolsonaro dizem que ela pretende “modernizar” o Estado brasileiro e dar mais “eficiência” ao serviço público. Mas não há uma linha sequer que proponha algo nesse sentido. Muito menos, dados para embasar o projeto.
E um dos principais objetivos da Reforma é justamente promover o fim da estabilidade dos atuais e dos futuros servidores públicos do país.
Mas por que isso está acontecendo?
De forma geral, a questão central da proposta é inverter as prioridades quanto à responsabilidade sobre os serviços públicos, transferindo para a iniciativa privada essa prerrogativa. O Estado passaria a ser mero coadjuvante.
Dessa forma, a terceirização se tornaria regra, com empresas privadas desempenhando o papel que hoje é ocupado por servidores públicos concursados.
No caso das universidades e dos institutos federais, haveria ainda outra motivação: acabar com a estabilidade seria um prato cheio para quem gostaria de interferir nos conteúdos ensinados e debatidos, assim como nos projetos de pesquisa e de extensão.
Com isso, os membros do governo e seus apoiadores acreditam que sufocariam a formulação do pensamento crítico e da livre produção do conhecimento. Em vez da construção de instituições voltadas aos interesses coletivos da sociedade, o governo poderia direcionar a comunidade acadêmica a atender aos interesses da economia de mercado.
Maldades não param na Reforma
Embora a nomeação de reitores das universidades e dos institutos federais seja de fato uma atribuição do presidente da República, a tradição, há mais de 20 anos, era que fossem nomeados os candidatos mais votados por suas respectivas comunidades acadêmicas.
Isso garantia liberdade de escolha a professores, estudantes e servidores técnico-administrativos, que podiam escolher os reitores das instituições em um processo mais democrático e inclusivo.
O que se viu nos últimos dois anos, no entanto, foi a interferência do presidente nessas nomeações em mais de 20 instituições, todas por motivações políticas.
Em muitos casos, o presidente nomeou candidatos alinhados ideologicamente (ou de forma oportunista) ao governo que haviam sido derrotados (alguns, inclusive, com votações pífias), mas cujos nomes constavam nas listas tríplices enviadas pelas universidades federais.
No caso dos institutos federais, cuja lei não determina o envio de lista tríplice, o presidente chegou a nomear pessoas que nem haviam participado da disputa. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que o presidente agiu contra a lei e determinou a posse dos candidatos eleitos.
Agora, imagine a combinação explosiva que seria o fim da estabilidade dos professores e dos servidores técnico-administrativos em uma instituição comandada por um reitor-interventor.
O dia a dia na instituição seria tomado pelo terror, com ameaças constantes de perseguição e de demissão contra quem discordasse da administração ou do governo.
Os servidores estarão muito mais sujeitos a tomar processos administrativos-disciplinares (PADs) que são o primeiro passo para reprimenda ou expulsão.
Juntas, a Reforma Administrativa e a nomeação de reitores-interventores iriam gerar um clima de instabilidade e denuncismo entre os profissionais e a deterioração das relações na comunidade acadêmica.
Em suma, um resultado que nada contribuiria para a qualidade dos serviços públicos, como o Governo Federal tenta propagandear.
Fonte: APUB-Sindicato