A desmotivação dos cérebros

Publicado em 08 de junho de 2021 às 09h45min

Tag(s): Ciência e Tecnologia



Queda drástica dos recursos para bolsas de estudos e fomento à pesquisa não só promove fuga de cérebros, mas desmotiva potenciais pesquisadores
 
Líder de um grupo de pesquisa sobre doenças virais (covid-19, febre amarela, zika, chikungunya), o cientista Glaucius Oliva, está preocupado com o destino de seus orientandos. São seis dos melhores pesquisadores na área de biologia estrutural e química medicinal aplicadas ao planejamento e desenvolvimento de novos fármacos antivirais. Alunos de doutorado e pós-doutorado, todos dependem de bolsas de estudos.

O problema, diz ele, é que o pós-doutorando mais experiente deles, o que mais entende de estrutura de vírus prevalentes no País, viu terminar sua bolsa de quatro anos, conseguiu um ano adicional de bolsa de uma outra agência, mas já foi avisado que não haverá renovação.

Agora, sem perspectiva e sem emprego, o mais provável é que esse pesquisador vá embora, desenvolver suas pesquisas em outro país. “Ele teve bolsa de iniciação científica durante a graduação, depois fez o mestrado, o doutorado e o pós-doc aqui. Investimos nele esses anos todos e agora ele pode ter que ir embora”, lamenta Oliva.

A fuga de cérebros é uma realidade conhecida, mas Oliva chama a atenção para um agravante mais recente: a queda na procura por bolsas de estudos de pós-graduação. Isso indica a desistência de potenciais pesquisadores e cientistas que se veem sem perspectiva de desenvolver seu trabalho no País. Segundo ele, isso já está sendo identificado na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), da qual ele é Coordenador do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos.

O cientista afirma que esse movimento de redução da demanda por projetos de pesquisa e bolsas, verificado nos últimos três anos, chama atenção porque foi justamente nesse período que o Governo Federal cortou drasticamente os recursos para bolsas de estudos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Portanto, a demanda por recursos de agências como a Fapesp deveria ter aumentado e não caído.

Oliva deduz que essa queda pode ser explicada pelo desestímulo com a carreira acadêmica. “Para que submeter projetos de pesquisa? Quem vai fazer? Se você tem menos interesse pela carreira cientifica, menos motivação, isso se reflete em menor demanda dos pesquisadores. É um círculo vicioso, estamos diminuindo a motivação para a pesquisa no Brasil”, declarou.

Orçamento do CNPq

Na semana passada, jornal O Globo noticiou que o orçamento do CNPq, principal agência para fomento à pesquisa no Brasil, chegou este ano a R$ 1,2 bilhão, o menor patamar neste século. Nos últimos dez anos, a quantidade de bolsas de mestrado caiu de 17.328 para 11.824, as de doutorado, de 13.386 para 10.738 e as de pós-doutorado, caiu pela metade, de 2.445 para 1.221.

Segundo dados do próprio CNPq, a maior parte do valor de R$ 1,2 bilhão (R$ 943,9 milhões) será despendida no pagamento de bolsas e apenas R$ 26,5 milhões serão destinados a projetos de fomento a pesquisas. O restante será para o pagamento de custos administrativos.

Em nota oficial de resposta à reportagem d’O Globo, o CNPq se centra nas bolsas de mobilidade internacional, uma das linhas de apoio à pesquisa da agência. “Estou aqui há um ano e nesse período não houve corte de bolsas de estudos”, contestou o presidente do CNPq, Evaldo Vilela. Segundo ele, o que houve este ano foi um remanejamento dos recursos de uma linha chamada Bolsas Especiais, concedida a jovens pesquisadores de doutorado, pós-doutorado, complementação e “sanduíche” (curso feito em parte no exterior), que implica mobilidade entre instituições, cidades e países.

O valor total do programa em 2021 é o mesmo de 2020, R$ 70 milhões. Porém foi dividido em duas chamadas de R$ 35 milhões cada, porque muitos dos pesquisadores que tiveram seus trabalhos selecionados para financiamento no ano passado não conseguiram entrar nos países para os quais tomaram as bolsas devido à pandemia.

O problema, explicou o presidente do CNPq, é que quando isso acontece, o pesquisador tem que pedir prorrogação da bolsa, o que gera um “retrabalho” dispendioso para o Conselho, além de, em muitos casos, obrigar a realocação da verba para o orçamento do próximo ano, o que acaba resultando em cancelamento do programa. “Eu já tenho aproximadamente 100 bolsas prorrogadas que o pessoal não consegue fazer devido à pandemia”, afirmou Vilela.

Ele não negou a queda do orçamento para fomento e bolsas de estudos, mas disse que não se trata de corte. “Não é bem corte, é bloqueio. O CNPq sempre teve a preocupação de não cortar bolsa, é sempre um bloqueio e a gente sempre luta para reaver esse bloqueio. Pode ser até que no fim do ano seja um corte, mas eu não posso admitir isso agora porque estou trabalhando com os ministérios da Ciência e Tecnologia (MCTI) e da Economia para reaver os recursos bloqueados. Se a arrecadação do País aumentar, a lógica é que eles desbloqueiem”, garantiu.

Vilela frisou que, em nenhum lugar do mundo, as agências de fomento à CT&I atendem à totalidade da demanda por bolsas de estudos e que a média de desembolso é em torno de 10% a 15% no máximo dos projetos apresentados, “Em ciência existe muito risco, então é preciso se acercar de que o dinheiro é muito bem aplicado, só se aprova o melhor dos melhores”, afirmou.

Prioridades

A presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação (ANPG), Flávia Calé, notou o “remanejamento” de verbas federais de outras áreas para a pesquisa e desenvolvimento devido à covid-19, que se tornou prioridade frente aos demais projetos. Porém, afirmou, a questão fundamental não é essa. “A questão é que o Estado brasileiro está limitando o alcance da pesquisa científica no Brasil”, criticou. Mais do que a forma como os recursos são geridos pelo órgão público responsável, o problema é o que está sendo deixado de lado e o que o País está perdendo.

“Há mais de 80% de projetos aprovados para serem financiados e que não vão ser, um conjunto de pesquisas e descobertas não serão feitas e a gente não sabe sequer o impacto disso, porque a pesquisa começa e você não sabe como ela termina, ela pode se desenvolver a um patamar muito relevante, então você não consegue projetar nem o que está sendo perdido”, observa.

A presidente da ANPG chama a atenção para o fato de que, apesar da prioridade para as pesquisas em torno da covid-19, programas fundamentais para o combate à pandemia como, por exemplo, o de sequenciamento e decodificação do genoma do coronavírus, foram desacelerados no ano passado em decorrência da redução do orçamento federal.

Para Glaucius Oliva, a postergação de verbas das bolsas no exterior do CNPq é uma questão menor, “um problema entre o CNPq e o bolsista”. O problema de fundo, afirma o cientista, é o corte de recursos do CNPq. “Não há dinheiro para projetos de pesquisa nesse momento e isso é muito grave”, afirmou.

Quanto aos percentuais de atendimento às demandas pelas principais agências de fomento nos países desenvolvidos, Oliva comentou que é verdade, em média são atendidos de 10% a 15% da demanda nas agências internacionais. “A diferença é que (lá fora) você tem inúmeras chamadas, então quem não ficou entre os 10% a 15% das chamadas mais competitivas, terão outras alternativas, há uma diversidade tão grande de chamadas por projetos de pesquisa que os indivíduos acabam sendo sempre financiados”, explicou.

Já no Brasil, afirmou Oliva, se o pesquisador está fora de São Paulo ou do Rio e não tem bolsa da Capes e do CNPq, não há alternativa. “O que vai acontecer é que ele vai sair da academia, vai buscar outra atividade que lhe permita sobreviver.”

Fonte: Janes Rocha – Jornal da Ciência

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