A Reforma Administrativa esvazia o combate à corrupção

Publicado em 18 de junho de 2021 às 11h23min

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Imagine um cenário em que há graves indícios de crimes cometidos por um governante ou por seus parentes como, por exemplo, esquemas de desvios de parte de salários de assessores (conhecidos como “rachadinhas”).

Já pensou se os funcionários de órgãos de fiscalização e de investigação fossem impedidos de apurar esses crimes?
Imagine se os funcionários fossem forçados a fazer vistas grossas ao caso, e deixar a “ocorrência” passar batido, para não serem demitidos caso se recusem a cumprir com essas ordens (por mais absurdas que sejam).

Imagine se fiscais do meio ambiente fossem proibidos de apurar vendas clandestinas de madeira que são frutos de desmatamentos ilegais.

Ou que fiscais do Trabalho fossem impedidos de fiscalizar empresas ou propriedades rurais que utilizam trabalho escravo.

Ou, ainda, que funcionários de órgãos de controle não pudessem denunciar movimentações financeiras suspeitas, como dezenas de cheques depositados na conta da esposa de um político.

Embora esses exemplos já pareçam bem próximos da realidade do Brasil (e o fato de nosso país ocupar atualmente a pio colocação na história do ranking de percepção da corrupção da organização Transparência Internacional comprova isso), a Reforma Administrativa (PEC 32/2020), que está em tramitação no Congresso Nacional, pode transformar tudo isso em um padrão em todas as esferas do poder público.

A seguir, vamos falar sobre dois pontos incluídos na proposta que, se aprovados, contribuirão para o aumento da corrupção no país.

Objetivo dos corruptos: acabar com a estabilidade dos servidores

Dentro desse projeto criado para facilitar a corrupção no poder público está a intenção de acabar com a estabilidade dos servidores.

Afinal, o direito à estabilidade existe justamente para que os funcionários públicos jamais se sintam intimidados a se submeter às pressões de governantes.

Sem a proteção, servidores não terão a garantia de que poderão atuar de maneira técnica, visando o bem-estar da sociedade. Serão constantemente assediados, coagidos, pressionados e ameaçados de demissão para que cedam às vontades dos políticos, inclusive no envolvimento em casos de corrupção.

Como artimanha para demitir os servidores que não se dobrarem às suas vontades os governantes poderiam criar falsas “avaliações de desempenho”, já que os critérios poderão ser definidos por simples leis posteriores.

Dessa forma, governantes corruptos e oportunistas poderão “ser livrar” de servidores que “incomodam” (ou seja, aqueles que estejam efetivamente cumprindo com suas funções).

Isso também facilitará demissões por escolhas pessoais, políticas, ideológicas, religiosas ou por critérios que não têm nada a ver com qualidade ou eficiência.

Cargos de liderança e assessoramento: quase 1 milhão de apadrinhados

Outra estratégia do governo para ampliar a corrupção seria a criação de novos tipos de vínculos no poder público, o que inclui transformar os atuais cargos em comissão e de confiança (chefia e direção) em um segmento chamado “cargos de liderança e assessoramento”.

Esses cargos seriam ocupados sem a necessidade de concursos públicos, inclusive para funções técnicas (o que hoje é proibido).

Imagine governantes com poder para indicar apadrinhados não só para a direção (como já ocorre hoje) de órgãos de investigação e fiscalização, mas para que ocupem os lugares dos servidores concursados.

Investigações seriam barradas, provas desapareceriam com facilidade, processos seriam perdidos, criando um gigantesco sistema de impunidade.
Um estudo do próprio Senado já calculou que, pelas novas regras da Reforma Administrativa, estima-se que mais de 915 mil cargos poderiam ser destinados a apadrinhados políticos em todos os três níveis de governo (União, estados e municípios).

É importante lembrar que, atualmente, cargos técnicos não podem ser ocupados por pessoas sem concurso e existem limites na nomeação dos cargos em comissão e de confiança. Para determinados níveis da administração pública, o Brasil já adota mecanismos que obrigam, por exemplo, que até 75% desses cargos sejam ocupados por pessoas já de carreira, ou seja, que passaram por concurso público.

A Reforma vai acabar com isso, e a consequência direta será a possibilidade de loteamento quase completo dos serviços públicos.

Apadrinhados políticos ocuparão a maioria dos cargos, não terão autonomia para investigar ou denunciar comportamentos suspeitos e ilícitos das autoridades, ou mesmo ocuparão cargos justamente para participar desses esquemas.

Quem combate a corrupção jamais deve apoiar a Reforma

É evidente que a Reforma Administrativa não traz nenhum benefício à sociedade.

A combinação entre o fim da estabilidade e a nomeação de centenas de milhares de pessoas, sem nenhum compromisso com a sociedade, para cargos sem concurso apenas pavimentaria o caminho para um país cada vez mais tomado pela corrupção e onde os serviços públicos irão funcionar como “puxadinho” dos gabinetes de políticos.

Combater a corrupção e aprovar a Reforma Administrativa, definitivamente, são coisas que andam em lados opostos.

Fonte: APUB

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