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Publicado em 08 de julho de 2021 às 09h47min
Tag(s): Nota de pesar
A história do Rio Grande do Norte, em especial o Seridó, perdeu um narrador privilegiado e generoso. Aliás, generosidade é uma das característica mais repetidas em depoimentos e citações de amigos e admiradores desde que foi divulgada a morte do historiador, intelectual e poeta Muirakytan Kennedy de Macêdo nesta quarta-feira (7), vítima de câncer. Ele tinha 56 anos de idade e deixa a esposa, a escritora Ana de Santana, e um legado em forma de livros, conhecimento e amigos.
A família confirmou o velório para 14h no cemitério Morada da Paz. A cremação está prevista para ocorrer às 17h, no mesmo local.
Em qualquer lugar do mundo, muyrakitan é o nome de um artefato indígena talhado em pedra, geralmente, no formato de sapos. Já na região do Seridó, no interior do Rio Grande do Norte, Muirakytan é nome de um pensador que fez história por pesquisar, confrontar e divulgar a história da própria aldeia.
Natural de Caicó (RN), Muirakytan Kennedy de Macêdo se debruçou como nenhum outro pesquisador sobre a história da região seridoense, desconstruindo a versão “branca” difundida pelas lentes dos colonizadores. Enfrentou de frente, principalmente, a questão da mestiçagem na região, que compunha uma aquarela formada por portugueses, indígenas e africanos. Bem diferente dos galegos de olhos azuis que a elite econômica seridoense tentou impor à força de forma oficial.
Das obras que deixa como legado, duas são fundamentais para a historiografia do Estado potiguar: “A penúltima versão do Seridó” (2005), e “Rústicos Cabedais: Patrimônio e Cotidiano Familiar nos Sertões da Pecuária”(2007).
Também organizou os livros Tronco, ramos e raízes! : história e patrimônio cultural do Seridó negro; Acari; Mestres do Seridó – Memória; Colégio Diocesano Seridoense : imagens do tempo e do espaço escolares; História & Memória da Câmara Municipal de Caicó; e Comida da Terra: notas sobre a gastronomia seridoense.
Já na poesia, outra grande paixão, deixa dois livros: Partícula elementar e Mar interior, ambos editados pela Flor do Sal, responsável também pela edição do clássico “Rústicos Cabedais”.
Sobre a convivência e a parceria, a editora e historiadora Flávia Assaf destacou o legado de Muirakytan:
– Muirakytan foi um gigante em tudo: na sua estatura como intelectual, como artista e, principalmente, como ser humano. Tudo que se propôs a fazer – da pesquisa aos bonsais, dos versos aos entalhes na madeira, do pão aos desenhos – fez com brilho, com virtuosismo, com talento e com simplicidade. Foi um professor admirado e respeitado pelos alunos e pelos colegas. Nós da Flor do Sal tivemos a honra de editar três dos seus livros, e o prazer de gozar da sua confiança e amizade”, afirmou.
Parceira em inúmeros projetos, a amiga e antropóloga Julie Antoinette Cavignac destaca a contribuição de Muirakytan para a história do Rio Grande do Norte:
– Ele faz uma leitura invertida da história do Estado. Em vez de falar da capital, Muyrakitan coloca o Seridó como o espaço mais importante. Lembrava que a colonização veio por dentro. Os portugueses passaram pelo interior de Pernambuco, Paraíba chegando ao Seridó, que se desenvolve como região, com a elite algodoeira e política, que teve um forte papel para a projeção do Estado. Ele destacou essa parte da história mostrando que as elites econômicas do Seridó tiveram um protagonismo na história do Rio Grande do Norte e faz uma releitura da história e da historiografia no local”, ressalta.
“Muirakytan foi um gigante em tudo: na sua estatura como intelectual, como artista e, principalmente, como ser humano. Tudo que se propôs a fazer – da pesquisa aos bonsais, dos versos aos entalhes na madeira, do pão aos desenhos – fez com brilho, com virtuosismo, com talento e com simplicidade”
Flávia Assaf, historiador e editora Flor do Sal
Julie e Muirakytan se conheceram na UFRN. A antropóloga foi a orientadora dele durante a pesquisa de doutorado que resultou no livro “Rústicos Cabedais”, obra que analisou a sociedade seridoense a partir dos inventários das famílias da região do século XVIII.
– Digo que não foi uma orientação, fui uma leitura privilegiada”, diz, antes de reforçar a importância da pesquisa:
– Esse trabalho foi feito a partir dos inventários das famílias do século XVIII, uma forma de análise da sociedade. Pela pesquisa se vê que é uma sociedade muito pobre. A partir daí ele vai fazer uma descrição da ocupação territorial e da conformação das fazendas e mostrar que havia uma presença significativa de escravos na região. E passa a questionar a versão mais tradicional que foi escrita, sobretudo, pelos historiadores regionais”, pontua.
Colega e amigo de Muirakytan, o professor de história da UFRN em Caicó Lourival Andrade Júnior escreveu um depoimento emocionado nas redes sociais:
– Hoje perdemos um dos homens mais generosos, carinhosos e guerreiros que já conheci. Intelectual, professor, pesquisador, escritor, poeta, artista visual, artesão… um homem admirável. Entre tantas coisas que fizemos juntos, uma que me marcou foi ter me convidado para plantar com ele e o Prof. Almir um baobá no CERES. Meu amigo eterno Muirakytan Kennedy de Macedo foi ao encontro de seus ancestrais. Vai continuar nos iluminando como sempre fez! Era um farol, uma bússola, uma flor no meio da aridez e da insensatez. Muitakytan é insubstituível. Só posso agradecer tudo que fez por mim e por nós. Saudades”, disse.
As duas principais obras de Muirakytan Macêdo se complementam, mas é apenas na segunda – fruto de pesquisa mais aprofundada a partir do contato com os arquivos e inventários da parcela mais pobre da sociedade – que ele enxerga as feridas do corpo e da alma seridoenses.
Professor de História em Caicó da UFRN, Helder Macedo explica que em “A penúltima versão do Seridó” (2005), Muirakytan vai ao encontro da explicação das elites para a formação da região embora não concorde com a tese. Já em “Rústicos Cabedais: Patrimônio e Cotidiano Familiar nos Sertões da Pecuária”, o historiador bate de frente com a versão do “branqueamento” seridoense.
– No primeiro livro ele vai ao encontro da versão das elites, mas não concorda. Só no doutorado é que ele se contrapõe à ideia de um Seridó branco, branqueado. As pessoas que escreveram livros sobre o Seridó viram gente preta e mestiça na região, mas a ênfase era dada aos brancos, católicos. Claro que haviam brancos e católicos, mas a região como entendemos hoje se formou a partir de várias matizes indígenas, africanas…”, disse.
Macedo conta que logo após Muirakytan concluir o mestrado cujo fruto foi “A penúltima versão do Seridó”, o historiador mesmo sentiu que a pesquisa não estava concluída. E só após aprofundar a investigação analisando arquivos e inventários das famílias mais pobres é que a radiografia do povo seridoense foi concluída:
– Ele sentiu falta de alguma coisa e começou a pesquisar as pessoas simples do dia-a-dia. Foi quando desenvolveu três linhas de pesquisa: “Crime e castigo: escravos e processos judiciais no Seridó”, “Cotidiano do Príncipe: uma vila do Seridó no século XIX” e “Contando os trabalhos e os dias: demografia histórica do Seridó na colônia e no Império”. E esse trabalho deu em “Rústicos e cabedais”. Não tem como você conhecer o sertão do Seridó sem passar por esses dois livros do Muirakytan. São referências”, pontua.
Oswaldo Lamartine e Muirakytan Macêdo são os estudiosos com obras mais robustas sobre o povo e os costumes do Seridó. Lamartine escreveu mais de 20 livros com temática sobre a região. É impossível falar do Seridó sem citar essas duas figuras.
O editor do Sebo Vermelho Abimael Silva publicou livros de ambos. Sobre Muirakytan, classifica o historiador como o último expoente da memória da região:
– Com todo respeito aos outros, mas Muirakytan é o ultimo expoente, medalha de ouro da memória seridoense. É da mesma linha de Oswaldo Lamartine e de Paulo Balá. O meio acadêmico perdeu o mais completo e mais brilhante acadêmico, além de uma pessoa humana incrível. Tive a felicidade e o prazer de conhecer Muirakytan. Publiquei “A penúltima versão do Seridó, que é clássico da historiografia seridoense, e “Comida da Terra: notas sobre o sistema alimentar seridoense” (organizado com a professora Julie Cavignac)”, destacou.
Embora falem do mesmo espaço, Oswaldo e Muirakytan usavam métodos diferentes em suas respectivas pesquisas. Helder Macedo pontua as diferenças nos trabalhos sobre o Seridó entre os dois estudiosos:
– Oswaldo não era um sertanejo de nascimento e de muitas vivências, já Muirakytan viveu no Seridó. Essa questão, porém, não é a mais importante. Osvaldo tem uma obra inenarrável tanto do ponto de vista qualitativo como quantitativo. Mas Muirakytan vem de uma formação acadêmica, enquanto Oswaldo vem de uma tradição mais erudita. Os dois estudam o Seridó, mas com olhares diferentes. Osvaldo tem uma obra encantadora, mas parte de um lugar apegado à tradição. Muirakytan problematiza mais. Ele também parte de uma certa tradição, mas é mais crítico e trabalha com um rigor científico”, explica.
A antropóloga Julie Cavignac acredita que Muirakytan era elegante demais para bater de frente com historiadores tradicionais, a exemplo de Luís da Câmara Cascudo e Oswaldo Lamartine.
– Como era uma pessoa muito elegante, não fez críticas muito duras. Ele não bate de frente, por exemplo, com Cascudo. Já Oswaldo Lamartine era um pouco mais original e pioneiro”, avalia.
Muirakytan era um historiador que dividia e compartilhava conhecimento. Formou gerações de historiadores no Rio Grande do Norte, desenvolvendo trabalhados em conjunto com alunos e outros pesquisadores.
Helder Macedo é um dos frutos dessa generosidade. Natural de Carnaúba dos Dantas, também na região do Seridó, o historiador conta que foi incentivado por Muirakytan a ingressar na academia. Assim como aconteceu com Julie, o trabalho foi apenas um chamariz para uma grande amizade.
– Muirakytan foi meu orientador na graduação. Fui bolsista de iniciação científica dele em três projetos, depois me orientou na monografia da graduação. Mas nosso vínculo era maior que isso. Ele me trouxe para a historiografia acadêmica. Eu já fazia pesquisas, mas devo muito a Muirakytan também por conta desses projetos de iniciação cientifica”, conta antes de complementar:
– Ele era muito generoso, no sentido da partilha de conhecimento, não tem expressão melhor pra definí-lo do que um “pensador humanista”, tinha um conhecimento quase enciclopédico. Ele fazia questão da partilha, tanto no sentido do conhecimento em si, quanto o de aprender esse conhecimento, era uma marca registrada. Você podia contar com ele enquanto pessoa e pesquisador. Podia contar. Eu fui aluno dele nas disciplinas de História do Rio Grande do Norte 1 e 2. Ensinou tanto em termos de conteúdo como experimentação do que é ser professor. Na sala de aula era outra pessoa, um mestre na arte da docência”, pontua.
Essa generosidade é uma característica que também vem à tona quando Julie fala sobre o amigo:
– Muirakytan se destacou porque deixou uma obra muito significativa e conseguiu formar muita gente. Era uma pessoa cuidadosa nas leituras e no trato com as pessoas. Era generoso no sentido de compartilhar o que sabia”, conta.
Entre os projetos que Muirakytan encampou, Julie cita “Tronco, ramos e raízes”, sobre a presença afro no Seridó. A pesquisa virou livro e resultou ainda num museu virtual. Ele também participou da elaboração do guia afro do Seridó e de um guia cultural indígena da região.
– Ele trabalhou a questão da museologia, Muirakytan era muito à frente nessa questão da tecnologia. Ele pensou e estruturou o museu virtual”, conta.
Também foi editor da revista de humanidades Mneme, produzida junto ao Departamento de História da UFRN, e chegou a coordenar o laboratório para recuperação de arquivos dos municípios, atualmente em processo de digitalização. Um inventário de referências culturais do Seridó foi feito em parceria com o Iphan, pesquisa onde consta o registro historiográfico da tradicional festa de Sant’anna. No último trabalho acadêmico, Muirakytan estava dedicado a escrever sobre os órfãos do Seridó.
Inconcluso, o caiocoense deixa um livro sobre receitas do sertão. Ele convidou vários pesquisadores da gastronomia da região para dar cores, cheiros e sabores à obra. A pesquisadora e cozinheira Gabriela Sales, convidada por Muirakytan a participar do livro, lembra que a escolha do nome, pelo próprio historiador, tem relação com o afeto dele pela região:
– O nome é Gosto do Sertão porque o “gosto” vem do verbo “gostar” e também do sabor. Ele era filho do Seridó, tinha uma memória incrível para receita, guardava as receitas da mãe dele. Falava da farofa d’água feita pela mãe, tinha uma memória fantástica e muito apreço pela comida. Ele valorizava muito a região porque tinha orgulho de ser seridoense. Muirakytan tinha uma poética para narrar uma receita, era tudo muito afetivo”, lembra.
Max Medeiros foi outro nome da cozinha e das letras gastronômicas convidado a integrar o time. Colunista da agência Saiba Mais, ele conta que Muirakytan lia os textos e opinava. Para Max, morreu o maior sertanista da atualidade:
– Muirakytan era uma figura de uma generosidade típica do sertanejo. Passava horas ao telefone conversando sobre tudo, ele falava muito da farofa dá’gua da mãe dele. Era uma pessoa apaixonada. Escreveu o livro Comida da Terra, que versa sobre a questão da alimentação. Rústicos cabedais, para mim, se iguala à obra de Osvaldo Lamartine, era o maior sertanista da atualidade. Era apaixonado pelo Seridó, mas principalmente, pelo elemento humano do Seridó”, afirmou.
Das últimas reuniões, Muirakytan já não participava em razão do agravamento da doença. O grupo que ele escolheu, no entanto, vai tocar o projeto adiante, coordenado pela professora Julie Cavignac:
– Iríamos reunir várias pessoas. No início seria sobre a gastronomia do Seridó e depois decidimos ampliar para o sertão. Vamos continuar. Esperamos lançar até o final. Será uma homenagem”, concluiu.
Fonte: Saiba Mais