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Publicado em 04 de agosto de 2021 às 09h20min
Com apoio de Milton Ribeiro, do MEC, Bolsonaro vetou acesso à internet para estudantes e professores. Mas favoreceu o crescimento do mercado das empresas de educação durante a pandemia
Isso é preocupante porque tratam-se de empresas que estão por trás de conglomerados de escolas de ensino básico, faculdades e universidades, escolas de idiomas e cursos preparatórios para concursos, entre outros. Ou de setores que vendem métodos e plataformas digitais de ensino, em alta com a chegada do ensino remoto. E também que comercializam livros e materiais didáticos por meio de suas editoras.
Para o professor Roberto Leher, titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o Estado brasileiro fez opção pelo alinhamento ao setor privado. Isso é demonstrado, por exemplo, pela falta de uma política de universalização do acesso público e gratuito à internet.
“Nós vimos que, ao contrário, infelizmente, os recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), que é um fundo muito robusto, foram vetados por Bolsonaro. Isso produziu uma desigualdade que é de difícil qualificação. Mas é brutal, é inacreditável que num momento tão áspero nós tivemos seguramente mais da metade dos estudantes brasileiros – na ordem de 30 milhões de estudantes nos diversos níveis – sem efetivamente condições de acompanhar as interações e os ambientes virtuais de aprendizagem”, disse Leher, aos autores do dossiê.
Além da desigualdade e precariedade no acesso a tecnologias de informação e comunicação, não houve nenhum planejamento de retorno para as atividades presenciais assim que o controle da pandemia permitisse. Isso exigiria um investimento considerável na infraestrutura das escolas, o que inclui coisas básicas como reformas para oferecer ventilação adequada nas salas de aula, bebedouros e banheiros.
O dossiê traz dados do Censo Escolar de 2020, que mostram que cerca de 20% das escolas não tinham internet adequada, 26% não tinham coleta de esgoto e 3,2% não tinham banheiro. Problema antigo no Brasil, o baixo investimento em educação se agravou nos últimos anos com a política de austeridade fiscal implementada a partir da Emenda Constitucional do Teto de Gastos aprovada em 2016, que limita os investimentos públicos para os próximos 20 anos.
A partir de uma perspectiva assim tão desanimadora, Roberto Leher compara a resposta do Brasil com a dos Estados Unidos, que em 2020 alocou cerca de R$ 122 bilhões para a educação pública, enquanto no Brasil o único projeto apresentado no Congresso por alguns deputados previa o valor de R$ 40 anuais por aluno, o que obviamente não permitiria a infraestrutura adequada.
Em um cenário assim, de esvaziamento da educação pública, os grupos privados viram novas oportunidades de negócios. Ou seja, a pandemia acelerou um processo que já estava em curso, dando continuidade à expansão desses grupos por meio de aquisições de empresas menores.
Dirigente do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro-RS), a professora Margot Andras, disse que é forte o mercado de compra e venda de escolas menores pelas maiores. Um exemplo é o grupo Raiz Educação, que recentemente adquiriu o controle das escolas dos grupos Unificado e Leonardo Da Vinci.
Segundo ela, o ensino superior é também lucrativo. “A Laureate comprou a UniRitter, ainda antes da pandemia. Há grupos vindos do Chile, e principalmente companhias S.A., as sociedades anônimas, que ninguém sabe quem são os donos, os acionistas, e isso está entrando fortemente na educação privada”.
Margot relata ainda que a pandemia é uma oportunidade para empresas com dinheiro abocanharem empresas que estão com problemas. E isso está ocorrendo em todo o país. Uma das mais recentes atividades que movimentou os grandes grupos educacionais no Brasil foi a venda da rede universitária Laureate Brasil, até então controlada por uma companhia estadunidense. Depois de intensas disputas com outros grupos, a Ânima virou a nova dona daquela rede, em fins de 2020, numa operação que envolveu cerca de R$ 4,4 bilhões.
O dossiê destaca que as parcerias público-privadas também avançaram muito nesses meses de pandemia. Esse mecanismo de contratação de serviços de empresas particulares envolve acordos firmados entre estados e municípios com empresas para a implantação de projetos de aprendizagem, programas didáticos e plataformas de ensino.
A ofensiva do capital sobre a educação não teve início na pandemia, mas ganhou um importante impulso com ela, como sublinha o dossiê. Um dos fatores que favoreceram os grupos corporativos foi o cancelamento das aulas presenciais e a instauração das atividades remotas. Estas, por sua vez, são completamente dependentes do uso de tecnologias digitais.
O acesso às tecnologias de informação e comunicação tornou-se peça-chave para a democratização do ensino. Assim que iniciou a pandemia, os grupos corporativos, que já vinham acumulando experiência em modalidades de ensino à distância, com o desenvolvimento de plataformas virtuais, conseguiram fazer uma conversão mais rápida às atividades remotas. “O setor privado logrou uma logística de aulas virtuais muito mais acentuada do que o setor público”, afirma Roberto Leher. As aulas remotas foram muito mais rapidamente iniciadas no setor privado. Em vez disso, no setor público o processo foi muito mais lento e tortuoso.
O dossiê chama atenção para um aspecto curioso: ao longo da pandemia as corporações educacionais pressionaram sistematicamente o governo brasileiro pelo retorno das aulas presenciais, ignorando os riscos à saúde de estudantes e profissionais da educação. Isto foi feito em grande medida pelas associações empresariais alinhadas aos interesses políticos do governo Bolsonaro .
Para Margot Andras, porém, esse comportamento aparentemente contraditório se explica porque, embora o ensino à distância seja apresentado como a grande salvação, as atividades presenciais continuam sendo a única garantia de ganhos num contexto de crise e empobrecimento da população. “Acontece que muitas escolas deram descontos de mensalidade para a família enquanto houvesse o ensino não-presencial. Aí é a questão do dinheiro. O interesse do empresariado é esse: ‘eu preciso abrir a escola, porque esses alunos voltando eu vou poder cobrar o que eu cobrava antes’”.
Clique aqui para ler a íntegra de CoronaChoque: um vírus e o mundo do Front Instituto de Estudos Contemporâneos e do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social.
Fonte: Rede Brasil Atual