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Publicado em 19 de agosto de 2021 às 09h40min
Tag(s): Opinião Reforma Administrativa
Maria Lúcia Fattorelli*
Guedes e Bolsonaro entregaram ao Congresso Nacional a proposta de emenda à Constituição – PEC 32 – que, segundo o governo, seria uma “reforma administrativa”. Quem se dá ao trabalho de estudar o conteúdo da proposta vê claramente que não se trata de uma reforma administrativa, mas, sim, da maior alteração já feita à Constituição brasileira, cujo objetivo é destruir a estrutura do Estado brasileiro em todos os níveis – federal, estadual e municipal – e abrir espaço para privatização e terceirização generalizadas, pondo fim aos serviços públicos gratuitos e universais prestados à população.
A população será a maior prejudicada e está sendo bombardeada com notícias mentirosas de que essa PEC 32 “acabaria com privilégios”.
O discurso de “acabar com privilégios” tem sido usado reiteradamente pelo governo, porque “cola”, tendo em vista que todo mundo tem ódio de privilégios.
Durante as diversas propostas de reforma da Previdência apresentadas pelos sucessivos governos, sempre o discurso de “acabar com privilégios” esteve presente.
A população só descobre que era mentira depois de tudo aprovado, quando vai requerer uma mísera pensão por morte e percebe que receberá apenas uma parte, pois a outra foi garfada por aquela reforma que pregava “fim de privilégios”. Ou quando acha que chegou a sua vez de se aposentar e percebe que terá que trabalhar vários anos a mais e receberá um benefício menor.
Grande parte da população já aprendeu isso e já não se deixa enganar pelo discurso mentiroso, ainda mais diante das inúmeras revelações da Auditoria Cidadã da Dívida, que têm mostrado onde está o verdadeiro privilégio de trilhões que provoca rombo às contas públicas: no Sistema da Dívida e na política monetária suicida do Banco Central, que alimenta esse sistema.
Adicionalmente, em relação às distorções salariais existentes no serviço público e que precisariam ser corrigidas, até parlamentares da base do governo já deixam escapar que a PEC 32 não serve para combater privilégios: “À CNN, Barros, líder do governo, disse que a discussão sobre supersalários não está incluída na proposta de reforma administrativa(…)”.
O mais grave é que a maioria dos parlamentares que irão votar a PEC 32 ainda repetem as mentiras ditas pelo governo e, pior, alguns não entenderam o imenso dano que essa contrarreforma irá provocar ao país, enquanto outros, mesmo entendendo, vislumbram o imenso volume de negócios que essa PEC 32 irá possibilitar!
Neste artigo, resumimos pontualmente alguns aspectos mais relevantes, apelando para que rejeitem a PEC 32 e abram o debate com a sociedade e todos os setores do serviço público para construir outro projeto que melhore a estrutura do Estado em vez de destruí-la.
Quem aprovar a PEC 32 estará favorecendo a corrupção! A PEC 32 corta da Constituição a expressão “função pública” que é exatamente o termo que faz a ligação entre os servidores públicos devidamente concursados e selecionados para exercer as “atribuições do Estado”, e o cargo para o qual foram selecionados.
Por que a PEC 32 faz isso? Simplesmente porque ela cria novas ligações através de “vínculos”, quase todos precários, sem concurso, de tal forma que o administrador (presidente, governador, prefeito) de plantão poderá nomear a sua turma sem concurso.
Alguém acredita que isso irá trazer economia de recursos para o Estado? É claro que não! Além de pessoas que não tiveram a sua competência comprovada por concurso público, teremos um quando de trabalhadores dependentes daquele gestor que “deu” a vaga, o que impedirá a necessária independência da gestão pública, incentivará as “rachadinhas”, como inúmeros exemplos de contratações sem concurso público têm comprovado, além do risco de descontinuidade do serviço público a cada troca de governo.
A população será a maior prejudicada.
O apadrinhamento político é um ato de corrupção que ofende a moralidade pública e, se essa PEC 32 for aprovada, esse absurdo irá parar na Constituição Federal. Por isso apelamos para que parlamentares que são contra a corrupção rejeitem a PEC 32.
A serviço de quem? O ministro da Economia, Paulo Guedes, palestra na 20° Conferência Anual Santander em São Paulo Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
A PEC 32 introduz ao texto constitucional um novo artigo (37-A) que permite que todo e qualquer serviço público, sem exceção, seja privatizado e realizado por trabalhadores terceirizados.
O texto do artigo está disfarçado, pois menciona “cooperação” e “compartilhamento” dos serviços públicos e da estrutura física com o setor privado.
Quem está acreditando na mentira de que a PEC 32 iria atingir somente futuros servidores ainda não entendeu o alcance do referido Art. 37-A. Em vez de concurso público para a reposição dos servidores que se aposentam e falecem, caso a PEC 32 venha a ser aprovada, teremos trabalhadores de uma empresa privada, terceirizados, “compartilhando” o mesmo serviço público, porém, sem o devido preparo e, certamente, com salários aviltantes, pois o lucro irá para a empresa, evidentemente!
Dentro de pouco tempo, essas carreiras de servidores invadidas por essa privatização e terceirização entrarão em extinção, e a regra será a terceirização e o desmonte, ainda mais diante da extinção da “função púbica”, antes comentada.
Por um lado, a população amargará imenso prejuízo, pois deixará de receber serviços prestados por trabalhadores devidamente selecionados por concurso público, treinados e preparados! Amargará também o risco de descontinuidade dos serviços a cada mudança de governo, além do risco de cobrança pelos serviços, já que uma empresa privada vive de lucro!
Por outro lado, já imaginaram quantos negócios serão feitos em todas as esferas: federal, estaduais e municipais? Será que são esses grandes negócios que estão movendo os falaciosos discursos, baseados em mentiras e dados distorcidos apresentados pelo governo e Banco Mundial para “culpar” o serviço público e servidores?
A PEC 32 extingue o Regime Jurídico Único e coloca em risco de extinção as carreiras do serviço público, que serão substituídas por trabalhadores terceirizados e precarizados, em um desmonte brutal que leva à perda do conhecimento historicamente acumulado pelos servidores públicos, colocando em risco diversas experiências relevantes, segurança de dados e informações estratégicas.
Ademais, na medida em que a PEC 32/2020 desmonta toda a estrutura do Estado, ao acabar com pilares fundamentais do serviço público, privatizando e terceirizando tudo, ela coloca na pauta o próprio fim do serviço público gratuito e universal, colocando em risco a imensa maioria da população e a própria democracia!
A modificação na concepção do Estado trazida pela PEC 32 tende a ampliar brutalmente a participação do setor privado, que obviamente visa lucro e cobra caro pelos serviços prestados à população. Além disso, o setor privado exige a cobertura de todos os vultosos custos dos investimentos e exige altos retornos para seus acionistas, e, quando surge algum problema, o Estado ainda é chamado a cobrir rombos, corrigir erros e até assumir os serviços que o setor privado deixa de prestar, como mostram várias experiências concretas, a exemplo do recente apagão no Amapá. Esse fato se torna ainda mais grave em um país tão desigual como o Brasil, no qual a maioria da população vive na pobreza e até na miséria!
A PEC 32 é a PEC dos negócios particulares que essa dita “nova administração” promete, criando inúmeras oportunidades para favorecimentos escusos, para as famosas “rachadinhas” e para a corrupção!
Com o apoio de mais de 120 entidades, a Auditoria Cidadã da Dívida já enviou, via Cartório de Títulos e Documentos, interpelação extrajudicial detalhada e fundamentada a todos os líderes partidários na Câmara dos Deputados e Senado, alertando sobre a imensa responsabilidade que assumem ao votar essa nociva proposta. Esperamos que a maioria vote contra os favorecimentos escusos, as famosas “rachadinhas” e a corrupção.
Maria Lúcia Fattorelli é coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida e integra a Comissão Brasileira Justiça e Paz, organismo da CNBB
Fonte: Rede Brasil Atual