O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2022, encaminhado em 31 de agosto pelo governo ao Congresso Nacional, prevê um resgate de parte das verbas retiradas do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI) nos últimos anos. Mesmo assim, longe de recompor o orçamento aos níveis da década passada, o PLOA 2022 deixa ainda enfraquecido o sistema de bolsas de estudos e de infraestrutura dos institutos de pesquisa.
É o que sobressai da análise do projeto orçamentário, realizada pela assessoria parlamentar da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). O trabalho tem como objeto principal o orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), comparando todos os programas designados no PLOA 2022 com os da lei orçamentária para 2021, que está em vigor.
Excluindo as despesas obrigatórias, o orçamento do MCTI praticamente duplicou, com os recursos das funções relacionadas ao SNCTI totalizando R$ 7 bilhões. As principais programáticas tiveram seus valores elevados, prevendo mais recursos para Institutos e unidades de pesquisa científica.
Um destaque da peça orçamentária é o cumprimento da Lei Complementar n° 177/2021, que proíbe a alocação dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) em Reserva de Contingência, o que impedia seu uso pelo MCTI. Em 2022, o total dos recursos do fundo foi liberado para os programas coordenados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Principal fonte de financiamento da ciência brasileira, o FNDCT é constituído com recursos que têm origem em arrecadação do setor privado e, com a LCP 177/21 foi transformado em fundo de natureza mista (contábil e financeiro), o que atendeu a uma antiga demanda da comunidade científica e acadêmica.
Na análise, a assessoria parlamentar da SBPC interpreta que o movimento do governo em liberar os recursos retidos do fundo e aumentar o orçamento do MCTI pode estar relacionado à elevação do limite do Teto de Gastos em R$ 118,704 milhões nas despesas do Poder Executivo. A medida permite a recomposição de uma série de programas que vinham sendo reduzidos nos anos anteriores.
Outro dado positivo para o SNCTI no Orçamento de 2022 é a queda dos valores que ultrapassam a Regra de Ouro — dispositivo constitucional que impede que a União se endivide para o pagamento de despesas correntes. Para o próximo ano, está prevista a necessidade de aprovação de créditos extraordinários para a cobertura de R$ 105,424 bilhões, valor consideravelmente mais baixo que os R$ 454 bilhões previstos no PLOA 2021.
Com esta margem fiscal, nenhuma despesa relacionada com as áreas SNCTI, Educação, Saúde e Meio Ambiente ficou dependente de créditos futuros que demandam autorização do Congresso Nacional.
Áreas analisadas
Fazem parte da análise realizada pela assessoria parlamentar da SBPC o orçamento administrado diretamente pelo MCTI e dos órgãos ligados à pasta como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), a Agência Espacial Brasileira (AEB), a estatal de semicondutores Ceitec e o FNDCT.
O estudo incluiu os valores de alguns dos programas de outros ministérios que afetam a área científica como a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligados ao Ministério da Educação (MEC); da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), ligada ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ligada ao Ministério da Saúde (MS). Veja no infográfico alguns dos principais números.
Também foram analisados os orçamentos dos institutos de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), de Propriedade Industrial (INPI), de Pesquisas Econômicas (Ipea) e de Geografia e Estatísticas (IBGE), ligados ao Ministério da Economia (ME); das Indústrias Nucleares do Brasil (INB) e da Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep), ligadas ao Ministério de Minas e Energia (MME). Nos próximos dias, o Jornal da Ciência irá publicar as análises mais detalhadas desses outros pontos do PLOA.
Bolsas e infraestrutura
A diretoria da SBPC entende que é preciso reforçar o sistema de bolsas e a infraestrutura das instituições de pesquisa e ensino, que vêm se degradando ano a ano, comprometendo o futuro próximo do Brasil. Nas principais agências de fomento à pesquisa científica e acadêmica — CNPq e Capes — o PLOA 2022 propõe ajustes nos valores destinados às bolsas de estudos e as verbas para equipamento e operação de laboratórios.
No CNPq, que teve um aumento de 7% nas despesas totais (para R$ 1,319 bilhão), o fomento à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) cresceu 47%, com R$ 35 milhões previstos em 2022. Neste total, os recursos para bolsas subiram 6%, totalizando R$ 955 milhões, valor que corresponde a apenas 60% de R$ 1,583 bilhão destinado para esta finalidade em 2015, maior orçamento já destinado para esta função do CNPq.
Na Capes, órgão em que o financiamento das bolsas de apoio à educação básica e ao ensino superior são os pontos estratégicos, bem como a realização da avaliação de qualidade do ensino superior e da pós-graduação, o orçamento geral foi elevado em 4%, totalizando R$ 3,141 bilhões. Na divisão das verbas, as bolsas de Educação Básica tiveram acréscimo de 57%, para R$ 439,914 milhões enquanto a conta de fomento para o ensino superior teve alta de 10%, com 41,594 milhões previstos em 2022.
Porém, os recursos para bolsas do ensino superior foram reduzidos em 2%, totalizando R$ 1,993 bilhão. Este valor representa queda de 63% se comparado com os R$ 5,390 bilhões destinados para bolsas do ensino superior em 2015, o maior valor aplicado em 21 anos. A verba para Avaliação da Educação Superior e da Pós-Graduação foi reduzida em 28%, totalizando R$ 6,766 milhões.
No Ipea, A concessão de bolsas para Pesquisa Econômica foi elevada em 24%, totalizando R$ 10 milhões.
Ensino e pesquisa
“O PLOA 2022 ainda não permite uma análise exata de quem ganhou ou perdeu no orçamento do ano que vem, e embora aumente as verbas em algumas rubricas relativamente a 2021, o Orçamento da União baixou tanto estes últimos anos nas rubricas de educação, ciência, tecnologia, inovação e cultura que, mesmo se esse aumento se confirmar, não voltaremos sequer aos tempos da normalidade democrática”, avaliou o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro.
Ele lembra que essa recuperação é fundamental também para o desenvolvimento econômico, visto que a indústria e os setores mais avançados de serviços necessitam de inovação — que é uma decorrência do SNCTI e da Educação — para sair da crise agravada pela pandemia.
A vice-presidente da instituição, Fernanda Sobral, acrescentou que também deve ser considerada a corrosão inflacionária das verbas alocadas no orçamento, que ultrapassou os 8% no último ano.
Para reverter o quadro de degradação da educação e ciência, afirma Ribeiro, é necessário um esforço muito elevado. A peça orçamentária entregue ao Congresso deixa explícita a participação ínfima da ciência e pesquisa no Orçamento Geral da União, tornando infundados os argumentos do governo e de parte do setor privado de que aumentar a verba para o SNCTI poderia impactar o déficit público. “A justificativa de não furar o Teto de Gastos não vale para o SNCTI, área em que o dispêndio não é gasto, é um investimento de elevado retorno”, concluiu o presidente da SBPC.
Fonte: Janes Rocha – Jornal da Ciência