Inep e MEC entram na mira da Justiça e parlamentares veem “assédios, revisionismo e desmonte"

Publicado em 22 de novembro de 2021 às 09h31min

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Às vésperas do Enem, denúncias de funcionários do Inep expõem manobras para deixar exame com a "cara do governo"

Líderes da oposição realizam coletiva contra interferência do governo nas provas do ENEM - Brasília, 16 de novembro de 2021 - Lula Marques
 

Após uma sequência de crises na Saúde e no Meio Ambiente, a nova tormenta do governo de Jair Bolsonaro (sem partido) volta a estar no ministério da Educação e, mais especificamente, no Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), após o pedido de exoneração coletivo de 37 funcionários da entidade, iniciado no último dia 12 de novembro.

Em posse de uma série de denúncias contra a gestão de Danilo Dupas, quinto presidente do Inep desde o início do atual governo, uma frente parlamentar mista passou a investigar o caso e enviou pedidos de abertura de inquérito à Controladoria-Geral da União e ao Tribunal de Contas da União (TCU), além de exigir o afastamento imediato de Dupas. Nesta sexta-feira (19), o TCU anunciou abertura de uma investigação, dois dias antes da realização do Enem, marcado para os dias 21 e 28 de novembro.

Tanto Dupas quanto o ministro da Educação, Milton Ribeiro, participaram de audiências no Congresso Nacional na quarta-feira (17), onde refutaram as acusações e garantiram a normalidade na execução da prova, que é a principal porta de entrada para a universidade do país. Parlamentares, além de entidades civis e de estudantes, anunciaram uma blitz para acompanhar a aplicação da prova, embora de antemão acreditem que a avaliação será bem sucedida graças à “solidez do Inep” e os parâmetros “rigorosos” para a elaboração das questões.

“Nós estamos esperando que a prova aconteça para identificarmos se houve prejuízo pedagógico e acadêmico do exame. Se houver, nós vamos entrar com as medidas cabíveis junto aos órgãos responsáveis”, anuncia Israel Batista, deputado federal (PV-DF) e presidente da Frente Mista sobre o tema na Câmara.

Desde o início da semana, quase diariamente novos indícios de interferências vêm sendo relatados por servidores do Inep via imprensa. No domingo, o programa Fantástico, da TV Globo, revelou o corte de 20 perguntas consideradas “sensíveis ao governo” em uma primeira versão do exame e, nesta sexta-feira, o jornal Folha de S.Paulo publicou que Bolsonaro havia solicitado a Ribeiro providenciar questões tratando o Golpe Militar de 1964 como uma revolução. 

Para o deputado federal Danilo Cabral (PSB-PE), a gravidade das denúncias indica que a sociedade não permitirá que o processo seja abafado após o Enem. Ele também considera que Bolsonaro confessou suas intenções ao comentar, durante visita aos Emirados Árabes Unidos na segunda-feira (15), que as questões do exame nacional “começam a ter a cara do governo”.

“A condução que vem sendo feita pelo governo do presidente Bolsonaro, pelo ministro Milton e pelo quinto presidente do Inep é um aparelhamento, com intenção de dar uma natureza a essa instituição que não diz respeito às funções que elas têm do ponto de vista do planejamento estratégico para o país”, comenta Cabral.

Além dos relatos de assédio moral e das tentativas de direcionamento político-ideológico, também entrou no radar de parlamentares e órgãos de fiscalização o acesso de um policial federal a uma sala segura dentro do Inep, onde são armazenadas as provas do Enem. A presidência da entidade tornou secreto o processo interno sobre o documento de autorização da entrada do policial, cuja presença poderia ter intimidado técnicos responsáveis pela prova.

Em sua defesa, o governo até o momento tratou a crise no órgão com desdém, reduzindo-a a uma questão trabalhista de pagamento de gratificação para servidores que desempenham funções extras, como a elaboração do Enem. Em sessão na Câmara, Milton Ribeiro disse que o assunto é de ordem administrativa e que a “gratificação foi levada em conta no posicionamento dos senhores servidores do Inep”.

Alexandre Retamal, presidente da Associação dos Servidores do Inep (Assinep), que sabe do crescente clima de perseguição e do desejo de afastamento de colegas há mais de um mês, rebate as acusações feitas pelo ministro. “Os servidores com cargos comissionados deixam de receber em média R$ 6 mil ao abdicarem de suas funções. Então, qual a lógica econômica de eles deixarem de receber esse dinheiro?”, questiona.

Papel do Inep

Além do Enem, o Inep também cuida de um amplo sistemas de avaliações e estudos, como o Censo da Educação Básica, destinado a coordenar a distribuição de recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), e de outras iniciativas patrocinadas pela União.

Devido à importância do instituto, Retamal defende a proposta de emenda à Constituição (PEC 27/2021), de autoria da senadora Leila Barros (Cidadania-DF) que pretende transformar o Inep, o IBGE e o Ipea, outros dois órgãos de pesquisa e estatísticas, em instituições permanentes de Estado, dando maior proteção legal e estabilidade.

Embora ainda não tenha certeza quanto a PEC em questão, o deputado Cabral defende a discussão sobre um modelo que respeite essas instituições como órgãos de Estado. “Precisamos estabelecer na essência o papel desses órgãos como de Estado e não de governo para impedir que fiquem à mercê deste ou daquele presidente”, diz.

Israel Batista, seu colega na Comissão de Educação da Câmara, justifica sua adesão através do contexto atual: “A maior preocupação que temos agora é com o desmonte profundo do sistema de avaliação da educação, que acreditamos ser pior do que se imagina. O mecanismo que foi criado durante anos, que direcionou as políticas públicas educacionais, está sendo destruído”, alerta Batista.

Desmonte em curso

Para Catarina de Almeida Santos, dirigente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE), a crise atual é, em realidade, parte de um “projeto de desmonte” na Educação iniciado antes mesmo de Bolsonaro tomar posse, em janeiro de 2019. Ela acredita que há um “processo de exclusão” em curso, que dificulta o acesso ao Ensino Superior por pessoas de baixa renda e em situação vulnerável.

“O Enem é a principal forma de acesso às universidades públicas que têm, atualmente, a maioria do seu corpo discente vindo de escolas públicas. Isso vai incomodando a elite econômica que não quer que a população saia dessa situação, ao contrário, quer que continue sendo explorada, uberizada. E esse projeto não é só do governo Bolsonaro, mas da elite que mantém ele ali”, critica Santos.

A assessora de políticas sociais da CNDE, Marcele Frossad, também acredita que os maiores prejudicados pelos ataques ao Enem são os estudantes que, há pouco tempo, eram exatamente os alvos prioritários das políticas de acesso à educação.

“Toda essa confusão que antecede a prova faz com que o Enem perca sua credibilidade. Então as pessoas começam a duvidar se a prova realmente tem isonomia, se tem pessoas que vão se beneficiar porque têm melhores condições ou porque têm possíveis relações para conseguir informações da prova”, vislumbra. 

Às vésperas do primeiro dia do exame, e apesar desse clima, o também dirigente da campanha, Daniel Cara, incentiva estudantes a realizarem o exame. Em suas redes sociais, Cara afirmou neste sábado (20), "Estudantes ao desistir do #Enem2021, vocês desistirão de um exame que distribuirá vagas em universidades públicas de qualidade. Quem é de escola pública desistirá das cotas. O bolsonarismo deseja isso: que vocês desistam. Façam a prova. A vitória de vocês é a melhor resposta".

Fonte: Brasil de Fato 

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