A volta da fome no Nordeste: a ressurreição da Morte

Publicado em 09 de dezembro de 2021 às 11h13min

Tag(s): Combate à fome Políticas Públicas



Foto: Divulgação/Garapa

 

“Quando olhei a terra ardendo
Qual fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, aí
Por que tamanha judiação?”
(Asa Branca, 1947)

Num açougue 1 kg de carne, de terceira, custa, em média R$ 30. Já 1 kg de mortadela, das menos famosas, custa, também em média, R$ 6,0, ou seja, a mortadela, nascida na Bolonha, no longínquo ano de 1376, parece ser mais acessível ao consumo das famílias que estão em estado de fome. Isso nas periferias das grandes e médias cidades.

E a mortadela tem a “vantagem” de não precisar ser frita ou cozida, portanto, se evita usar o cada vez inacessível, gás de cozinha. Leite, ovos, macarrão, arroz, etc., estão presentes nas mesas dessas famílias com cada vez menos assiduidade. A fome avança nas periferias.

Mudemos o cenário. Vamos para os sertões nordestinos, retratados na obra de Graciliano Ramos, “Os Sertões”, de 1938, que retrata a crueza de uma realidade social em que as pessoas estavam presas entre a morte terrível pela fome e a permanente penitência em busca de sobrevivência, geralmente “ofertada” pelos coronéis. Em 1963, o cineasta Nelson Pereira dos Santos, dirigiu a obra homônima “Vidas Secas” e pudemos ver a representação da miséria nas telas de cinema.

Estamos em 2021, com um país destruído e as políticas públicas destroçadas, os sertões nordestinos estão em um processo de sombrio retorno aos tempos de fome, miséria e desespero.

Os kalangas (calangos) se tornaram presa da fome dos humanos e não dos seus habituais predadores. Os tijuaçus, belos lagartos, já estão escassos e até os pequenos pássaros foram alvo do desespero.

Só no pequeno Rio Grande do Norte, 38% do total da população está em situação de fome e se 77,1% dessa população vive no meio urbano, então é evidente que a fome já não está circunscrita ao sertão potiguar.

Como não há informações de que esteja ocorrendo surtos de desenvolvimento nas outras regiões nordestinas, é bem provável que esse fantasma esteja novamente na soleira da porta dos nordestinos.

A tragédia potiguar e provavelmente nordestina, fruto não do clima, afinal de contas secas são parte da natureza do terreno, mas das ações nefastas desse governo.

Um conhecido meu, com 80 anos, nascido no Seridó, uma região geográfica que abrange o RN e a PB, com um ar cansado, começa a cantarolar “Asa Branca”, uma canção de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, de 1947, que versa sobre a intensidade da seca, a ponto de fazer migrar até mesmo a ave asa-branca — Patagioenas picazuro, uma espécie de pombo também conhecido como pomba-pedrês ou pomba-trocaz. Na música seca obriga, também, o rapaz a mudar da região. Ao fazê-lo, ele promete voltar um dia para os braços do seu amor.

Que tristeza ver meu Nordeste sofrer.

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Fonte: Portal Vermelho
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