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Publicado em 20 de janeiro de 2022 às 09h49min
Tag(s): Ensino Médio
Pesquisador do tema e professor da UFABC, Fernando Cássio afirma que os estudantes estão sendo enganados e serão vítimas de um novo modelo de ensino ainda mais empobrecido, que aumentará as desigualdades
São Paulo – Na propaganda da TV, os estudantes comemoram a chegada do Novo Ensino Médio. “É real, agora a gente vai poder escolher em que área do conhecimento a gente quer se aprofundar”. “E até escolher fazer uma formação profissional e tecnológica”. É como se estivessem diante de um modelo capaz de corrigir as deficiências do atual, proporcionando ensino de qualidade, ambiente propício aos estudos e reduzindo o abandono escolar, que é maior nessa etapa final da educação básica. Mas não é bem assim.
O novo Ensino Médio, que começa a ser implementado em todas as escolas brasileiras a partir deste ano para os alunos que concluíram o ensino fundamental e até 2024 se estenderá a todas as turmas, é a menos conhecida e a mais perversa das reformas já feitas a partir do golpe de 2016. “A reforma do Ensino Médio foi a menos explorada, menos discutida de todas as reformas aprovadas no país, como a trabalhista, por exemplo. Seu objetivo não é buscar a melhoria e o fortalecimento da universalidade da escola pública, elevar a qualidade do ensino para os alunos mais pobres, que mais precisam de investimentos. Ao contrário, oferecer um ensino anda mais precarizado. Uma perversidade”, disse à reportagem da Rede Brasil Atual o pesquisador e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) Fernando Cássio.
Baixado por meio da Medida Provisória 746, de 2016, que entre outras coisas instituía a política de incentivo à ampliação das escolas de tempo integral, e convertido na Lei Federal 13.415, de 2017, o novo modelo não é dividido por disciplinas como o atual, mas por áreas do conhecimento: Matemática e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. A lei prevê que os alunos deverão ter no mínimo 1.800 horas/aula desses componentes, os quais deverão ser compostos por disciplinas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). E mais 1.200 horas/aula, flexíveis, com conteúdos da formação técnica e profissional.
Para os defensores do modelo, como Michel Temer, seu então ministro da Educação, Mendonça Filho, fundações e empresários do setor, o objetivo é acabar com a “escola chata”, dar ao estudante a possibilidade de escolha para que ele opte por uma formação profissionalizante. E mais do que isso, entregar um certificado do ensino médio regular e técnico profissionalizante ao final do curso.
No entanto, o aluno terá sua formação básica ainda mais esvaziada. Para se ter uma ideia, história do Brasil não aparece no currículo repleto de menções ao marketing e empreendedorismo. E a profissional ficará muito aquém daquela mantida por redes públicas estaduais, como o Centro Paula Souza, e federais, em cujas escolas há laboratórios, professores capacitados e equipamentos para cursos de ponta.
No estado de São Paulo, que tem um modelo semelhante ao adotado no restante do país, a Secretaria Estadual de Educação apresentou aos alunos 11 itinerários formativos como percursos de aprofundamento da formação geral fundamentada na Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
“Além dos dez percursos de aprofundamento, o estudante pode optar por um décimo-primeiro itinerário, de formação técnico-profissional”, disse Cássio, que é integrante da Rede Escola Pública e Universidade (Repu) e do comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Esse itinerário técnico-profissional, segundo ele, pode ser de dois tipos. O primeiro compreende um menu com 21 cursos técnicos que substituem 900 horas dos itinerários de aprofundamento. “É o chamado Novotec Integrado, que promete aos estudantes um diploma do Ensino Médio e outro de técnico. A formulação é sutil. Não se trata de uma formação técnico-profissional em sentido estrito, mas de uma introdução de 900 horas que deverá ser complementada depois, se o estudante desejar obter. A diferença de carga horária entre o Novotec Integrado e um curso técnico regular é significativa. Para obter um diploma de técnico em Química no Centro Paula Souza, é necessário cursar 2.000 horas-aula, mais 120 horas de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Seria necessário passar mais um ano na escola”, comparou.
Outra modalidade é o Novotec Expresso, ainda mais precarizado segundo o pesquisador. Isso porque substitui unidades curriculares, como Ciências da Natureza, por cursos de curta duração na área de mídias digitais, como edição de vídeos, que se aprende em pequenas escolas privadas de computação no bairro. “Para a Secretaria de Estado da Educação paulista, é um aprofundamento curricular com dois cursos profissionalizantes focados no mundo do trabalho. “
“Um exemplo: Quem escolher o itinerário de aprofundamento curricular em Ciências da Natureza junto com o Novotec Expresso poderá substituir a unidade curricular 2 do itinerário – que trata de origem da vida, evolução, gravitação e grandezas do Universo, a Química da vida na Terra, etc. etc. pelo curso ‘Seu desenho do 2D ao 3D (AutoCAD). Já a unidade curricular 3, que trata de tecnologias de acessibilidade e inclusão, poderá ser substituída pelo curso ‘Excel aplicado à Área Administrativa’. Menos Ciência básica, mais profissionalização de baixa complexidade”, criticou, lembrando que a oferta desses cursos será limitada à infraestrutura da escola e perfil dos professores.
Ainda no caso de São Paulo, o novo Ensino Médio não agrega recursos necessários e ainda faz com que o governo paulista privatize parte da oferta educacional por meio do Novotec Expresso. As escassas verbas das escolas estaduais serão alvo de disputas com pequenas escolas privadas que vivem de ensinar AutoCAD, Excel e design de jogos – Uma realidade muito comum em todo o país. “O governo estadual não tem a pretensão de equipar a rede de ensino ou contratar profissionais para essa oferta”, ressaltou.
O argumento da flexibilização curricular e da liberdade de escolher um percurso formativo mais próximo de suas aspirações ou aptidões é, portanto, falacioso, segundo Cássio. Ao escolher um itinerário de aprofundamento curricular, todos os outros itinerários são deixados para trás. “Se a opção incluir os penduricalhos do Novotec, a formação do Ensino Médio paulista ficará ainda mais reduzida. A própria escolha da palavra aprofundamento serve para nos distrair daquilo que o novo Ensino Médio realmente produz: estreitamento curricular. O referido aprofundamento – que na verdade implica na redução do tempo da formação geral – ocupa 28,6% da carga horária total do Ensino Médio paulista”.
Esse enxugamento, que deixará ainda mais empobrecida a educação oferecida aos filhos dos mais pobres, terá efeitos sobre a dinâmica do mercado de trabalho conforme o professor da UFABC. O Novo Ensino Médio poderá até suprir a demanda por designers de jogos ou operadores de planilhas eletrônicas. Mas se esses trabalhadores oriundos do Novo Ensino Médio terão o repertório necessário para compreender a lógica das planilhas ou criar o conteúdo artístico dos jogos e aplicativos, o problema não competirá mais à escola pública. “Dirão os mais cínicos que foram os próprios estudantes, no pleno exercício do seu protagonismo, que escolheram trocar a sua formação escolar geral por cursinhos profissionalizantes precários.”
Fonte: Rede Brasil Atual