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Publicado em 16 de fevereiro de 2022 às 09h31min
Tag(s): Carreira
Especialistas veem distorções nos salários do funcionalismo público Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Categoria que vem liderando a pressão sobre o governo Bolsonaro por aumentos salariais em 2022, os auditores da Receita Federal, mesmo em início da carreira, estão entre os servidores mais bem remunerados de Brasília. Levantamento com base em dados do Ministério da Economia mostra que o salário inicial do auditor, de R$ 21.029,09, é superior ao do topo da carreira de um professor universitário, de R$ 20.530,01.
Ao se comparar o início de carreira dos dois, o auditor ganha cinco vezes o salário de um professor (R$ 21 mil x R$ 4.300). No topo da carreira, o auditor ganha quase 50% mais que um professor (R$ 30.300 x R$ 20.530).
Na prática, enquanto um professor universitário leva no mínimo 19 anos para ganhar um salário na casa dos R$ 20 mil, o auditor fiscal da Receita já atinge esta remuneração de início: basta passar no concurso. O concurso exige apenas diploma de curso superior, em qualquer área
Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que, embora as carreiras sejam diferentes, os valores refletem uma distorção no sistema de remuneração de servidores federais. Representante dos docentes critica a discrepância, enquanto entidade ligada aos auditores diz que o problema é que o salário do professor universitário é baixo.
Dados da Tabela de Remuneração dos Servidores Públicos Federais Civis e dos Ex-Territórios, compilados pelo UOL, mostram que a carreira de auditor fiscal da Receita Federal é a segunda mais bem paga entre as carreiras ligadas ao Executivo. Estes profissionais perdem apenas para os delegados da Polícia Federal.
Já os professores universitários, considerando o maior salário da carreira, estão na 28ª posição do ranking. O levantamento não inclui dados sobre o Legislativo e o Judiciário, onde os salários costumam ser ainda maiores. Também não contempla os militares. Isso porque os números consolidados na tabela pelo Ministério da Economia reúne informações apenas de trabalhadores civis.
Além disso, o levantamento leva em conta a remuneração básica dos servidores e o pagamento de bônus, incentivos, gratificações e retribuições por titulação —valores incorporados ao que os funcionários públicos recebem todos os meses. No entanto, não são incorporados, neste caso, adicionais como honorários de sucumbência —valores variáveis pagos a advogados da União e procuradores de diversos órgãos em caso de vitória em disputas judiciais.
É por conta dos honorários que os rendimentos de profissionais ligados à AGU (Advocacia-Geral da União), por exemplo, costumam ser ainda maiores que os de outros servidores. Sem os honorários, porém, conforme a tabela do Ministério da Economia, o salário máximo de um advogado da União é de R$ 27.303,70, abaixo do topo de um auditor fiscal.
A comparação entre os rendimentos de auditores e professores universitários abre espaço para a discussão das distorções no sistema de remuneração do funcionalismo público.
As remunerações das duas categorias são as seguintes:
No caso dos professores, foi considerado o salário inicial para um profissional com, no mínimo, mestrado. Isso porque, atualmente, as universidades federais contratam docentes com pelo menos o título de mestre. Também foi considerado que o profissional trabalha 40 horas por semana, o que facilita a comparação com outras carreiras, como a de auditor.
Já o salário do fim de carreira dos professores levou em conta um profissional com doutorado e dedicação exclusiva —ou seja, que não pode desempenhar nenhuma outra atividade fora da universidade. Professores com dedicação exclusiva são os mais bem remunerados dentro da estrutura universitária.
Para o professor Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte, o fato de o salário inicial de um auditor fiscal ser superior a de um professor universitário no topo da carreira reflete uma distorção na política de recursos humanos do Executivo.
Isso ocorreu porque cada carreira foi negociando aumentos de forma isolada. O governo cede para alguns servidores, e não cede para outros. O número de auditores também é menor que o de professores universitários. Então, se você faz parte de uma carreira menor, mas que é coesa e tem poder de barganha, receber o aumento tem um impacto muito menor aos cofres públicos, na comparação com uma carreira com dezenas de milhares de membros.
Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral
Em Brasília, os servidores da Receita estão entre as categorias com maior poder de pressão política sobre o governo. Isso porque, ao controlarem a arrecadação de impostos, eles viabilizam os gastos do setor público. Sem a Receita, não há recursos.
Estudioso do tema, o pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) Felix Lopez afirma que existe, de fato, uma distorção nos salários do funcionalismo. “Mas é preciso entender o motivo. Existem aspectos associados à natureza da atividade e à capacidade de pressão.”
Lopez afirma que os auditores da Receita têm capacidade de mobilização e pressão maior que os demais funcionários públicos.
O servidor da Receita tem uma particularidade, porque a área tributária no Brasil e no mundo sempre foi a primeira a se profissionalizar. E os salários têm que ser muito bons. Não adianta pagar um salário baixo, porque isso geraria efeitos perversos.
Felix Lopes, pesquisador do Ipea
Para Lopez, que coordena o Atlas do Estado, um projeto do Ipea que busca mapear a estrutura do funcionalismo público brasileiro, a discrepância de salários entre auditores e docentes ocorre “provavelmente porque o salário do professor universitário está muito defasado”.
O presidente do PROIFES (Federação de Sindicatos de Professores e Professoras de Instituições Federais de Ensino Superior), Nilton Brandão, afirma que falta compreensão de que o investimento em educação é estratégico para o país.
Segundo ele, a diferença salarial entre professores universitários e auditores da Receita chega a ser bem maior. Isso porque, para chegar ao topo da carreira, um professor leva no mínimo 19 anos.
Muitos nem chegam lá. Se for considerar uma média salarial do conjunto de trabalhadores com alguns anos de serviços, seria na faixa de R$ 10 mil.
Para atingir o topo, com salário de R$ 20.530,01, um professor universitário precisa ter doutorado, trabalhar por dedicação exclusiva e, ao longo dos anos, desenvolver atividades e projetos que permitam a progressão na carreira. Ainda assim, a remuneração no topo é inferior à de um auditor fiscal recentemente aprovado em concurso.
Questionado se haveria uma discrepância salarial entre auditores e professores, o presidente do Sindifisco Nacional (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Federal), Isac Falcão, defendeu em nota ao UOL que o problema está na baixa remuneração dos servidores universitários.
O enfoque em questão não deveria ser se o auditor fiscal ganha mais do que o professor, mas sim discutir se o salário do professor universitário está baixo ou não.
Isac Falcão, presidente do Sindifisco Nacional
Em dezembro, o presidente Jair Bolsonaro acenou com a possibilidade de elevar os salários da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal e dos Agentes Federais de Execução Penal. Profissionais dessas carreiras ajudam a formar a base de apoio político à Bolsonaro, que tenta a reeleição este ano.
Com a tentativa de agradar a base, o presidente disparou a pressão por reajustes em outras categorias. Entre os servidores, a avaliação foi de que não era justo privilegiar um grupo de profissionais.
O resultado foram paralisações, entregas de cargos comissionados, operações padrão e ameaças de greve. Puxando o movimento estão, entre outros, os auditores fiscais da Receita. Os professores também participam do movimento e defendem um ajuste para todas as categorias.
Fonte: UOL