Pesquisadora da UFRN avança em estudo que identifica mudanças na memória traumática e pode ajudar a criar formas mais eficazes de terapia

Publicado em 21 de fevereiro de 2022 às 09h58min

Tag(s): Pesquisa Científica UFRN



Se a imagem projetada na indústria do entretenimento sobre o dia a dia dos cientistas e pesquisadores não corresponde muitas vezes à realidade, alguns dos estudos desenvolvidos nos laboratórios de pesquisa básica do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) possuem desdobramentos dignos dos grandes filmes de ficção.

É o caso dos estudos conduzidos pela pesquisadora Andressa Radiske, 35. Mestre em Medicina e Ciências da Saúde e doutora em Gerontologia Biomédica com ênfase em Neurociências pela PUC do Rio Grande do Sul, Andressa integra o Memory Research Lab do Instituto do Cérebro, coordenado pelos professores Martín Cammarota e Lia Bevilaqua.

A partir do estudo de mecanismos básicos envolvidos no processamento da memória, a pesquisadora busca identificar os marcadores moleculares e eletrofisiológicos que estão envolvidos na modificação de memórias do tipo “aversivas”: nossos traumas, fobias e medos.

“Existem procedimentos terapêuticos baseados na extinção ou na reconsolidação da memória para tratar o transtorno de estresse pós-traumático e fobias, porém nem sempre essas abordagens são efetivas, pois com a passagem do tempo a memória aversiva pode reaparecer. Nós buscamos entender os mecanismos básicos envolvidos na formação e modificação dessas memórias com a ideia de, no futuro, poder ajudar no desenvolvimento de ferramentas terapêuticas mais eficazes

Andressa Radiske, pesquisadora do Instituto do Cérebro da UFRN

Para estudar esses fenômenos nos animais, os pesquisadores recorrem a um modelo experimental chamado de esquiva inibitória, no qual são simuladas situações de desconforto que vão permitir a formação de uma memória aversiva de longa duração.

“Não é nada intenso ou que provoque danos, mas é o suficiente para que ele forme uma memória que dificilmente vai esquecer. Baseados nisso, nós estudamos os processos moleculares e eletrofisiológicos envolvidos tanto na formação como no esquecimento dessas memórias“, diz a cientista.

Os estudos já resultaram em diversas descobertas – algumas, inclusive, que poderão impactar diretamente na forma como a reconsolidação da memória é pesquisada, como a identificação de marcadores eletrofisiológicos que indicam quando aquele animal está evocando a memória e tornando-a suscetível à modificações.

“Esse é o momento no qual administramos o tratamento amnésico, capaz de apagar aquela memória para sempre”, declara.

Sim, você entendeu corretamente: assim como no filme Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004), no qual a personagem Clementine, interpretada pela atriz Kate Winslet, decide submeter-se a um procedimento experimental para ter suas lembranças do relacionamento vivido com Joel, interpretado por Jim Carrey, apagadas para sempre, os ratos Wistar utilizados nos experimentos também passaram por procedimento para ter as memórias dolorosas e persistentes deletadas.

“Uma vez que identificamos o marcador eletrofisiológico relacionado com a desestabilização da memória aversiva, nós induzimos ele artificialmente em animais cuja memória não é suscetível à mudanças. Ao realizar esse procedimento, nós tornamos as memórias aversivas desses animais suscetíveis a tratamentos que levam a amnésia. Esse procedimento foi realizado com auxílio da técnica de estimulação cerebral, a qual é amplamente utilizada na clínica médica para tratar outras patologias”, explica.

A utilização da neuromodulação como ferramenta para modificar memórias traumáticas foi o tema da palestra da pesquisadora no VII Simpósio de Neuroengenharia, promovido pelo Instituto Santos Dumont (ISD), em Macaíba (RN).

Radiske afirma que pretende prosseguir com os estudos sobre esses marcadores eletrofisiológicos e moleculares relacionados às memórias aversivas de animais suscetíveis ou naturalmente resistentes à modificação da memória, assim como na identificação de padrões eletrofisiológicos que caracterizam a extinção dessas memórias.

A implementação de novas tecnologias no estudo, no entanto, não é a única dificuldade enfrentada pela pesquisadora: para conseguir avançar nos estudos, burocracias e dificuldades de acesso à materiais e insumos fazem parte do dia a dia dela e dos demais cientistas do laboratório.

“Nós lutamos diariamente com a burocracia para conseguir comprar insumos de qualidade e com um preço acessível, e também para realizar pesquisa nesse momento complicado que estamos vivendo na ciência em função dos cortes no orçamento. Não é simples fazer pesquisa no Brasil, o que me motiva é o orgulho de poder desenvolver com o nosso grupo todos esses trabalhos com qualidade e impacto aqui no Rio Grande do Norte. Mas, quem está envolvido com pesquisa sabe que, se os processos fossem mais simplificados, poderíamos avançar ainda mais”, pontua.

Quem

Andressa Radiske é pesquisadora de pós-doutorado no Memory Research Laboratory da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É Bacharel em Biomedicina, Mestre em Medicina e Ciências da Saúde com ênfase em Neurociências e Doutora em Gerontologia Biomédica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).

Fonte: Saiba Mais

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