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ADURN-Sindicato
Publicado em 24 de fevereiro de 2022 às 10h50min
Sempre que emerge uma tensão entre a União e os servidores públicos, vem à tona um dos instrumentos que mais tem sido deturpado e vilipendiado no movimento sindical: a greve.
Instrumento histórico na luta dos trabalhadores, a Greve obviamente deve levar em consideração o desenvolvimento das relações sociais e sindicais e desconhecer isso significa manter a percepção de que seu uso será sempre baseado em princípios erguidos ao longo da luta de classes e que, por conseguinte, sofreram mudanças de vários graus.
No caso da greve no serviço público, especificamente no Brasil, mesmo com a redemocratização do país, ocorrida a partir de 1985, sua utilização, devido ao fato de que o Legislativo nunca se propôs a regulamentá-lo, tornou-se peça fundamental para a mobilização dos professores.
Ocorre que ao longo dos anos e com as mudanças ocorridas no Estado brasileiro, especialmente depois de 1994, fizeram com as relações entre o Movimento Docente e o Estado, sofressem mudanças, ignoradas, em boa medida, por esse Movimento e passou a haver um descompasso, transformado em abismo, entre as demandas da categoria dos professores da esfera federal e as formas de luta, que foram se tornando cada vez mais anacrônicas, não quanto ao seu conteúdo, mas quanto a forma.
Por isso é importante recolocar a questão da Greve, especialmente para os professores mais novos, mas também para professores de gerações passadas, como eu, que uma visão muitas vezes romântica ou ideal de um instrumento, que, como todos eles, na luta de classes, sofre mutações que devem ser consideradas, inclusive para manter sua importância.
O direito de greve tem previsão constitucional (artigo 9º), estendido aos servidores públicos (artigo 37, VII), competindo aos trabalhadores a decisão de exercê-lo e a formulação das respectivas pautas reivindicatórias, observada a continuidade da prestação de serviços ou atividades essenciais à comunidade.
Embora a Lei nº 7.783/1989¹ disponha sobre o exercício geral do direito de greve, a norma constitucional de extensão aos servidores públicos é de eficácia limitada e até hoje não foi editada lei específica para o tema. Ante a omissão, foram impetrados diversos mandados de injunção² perante o Supremo Tribunal Federal por categorias de servidores públicos em face da inação do Poder Legislativo.
Como o Poder Legislativo ainda não disciplinou o direito de greve no serviço público, o Supremo Tribunal Federal passou a conferir, então, concretude ao texto constitucional e determinou a aplicação subsidiária da Lei nº 7.783/1989 (Lei Geral de Greve) aos servidores públicos, enquanto inexista a regulamentação do artigo 37, VII, da Constituição Federal³.
A aplicação da Lei n º7.783/1989 deve compatibilizar-se com o princípio da indisponibilidade do interesse público, por exemplo, ao inadmitir-se a paralisação total das atividades, sobretudo as de naturezas essenciais, sob pena de violação ao princípio da continuidade do serviço público (artigo 9º, §1º, da Constituição Federal). A proibição de paralisação completa das atividades no serviço público decorre, também, dos artigos 9º e 11 da Lei nº 7.783/1989.
Por outro lado, quanto aos requisitos formais para a deflagração do movimento paredista, a lei estipula que, antes de sua decretação, sejam realizadas tentativas de negociação quanto às reivindicações da categoria, bem como a comprovação de que não houve consenso entre o empregador (no caso, a Administração Pública) e os empregados (servidores públicos, representados por seus sindicatos ou associações).
Cumprido tal requisito, é preciso ainda notificar a Administração da paralisação com antecedência mínima de 48 horas, ou de 72 horas, no caso de atividades essenciais. A referida comunicação deve conter:
1) O rol de reivindicações que são objeto da greve;
2) As reivindicações da categoria;
3) A decisão de deflagração da greve deve ser tomada em assembleia geral, observadas as disposições específicas do estatuto da entidade representativa dos servidores.
Com relação ao item 3, o Estatuto do ADURN SINDICATO, de 08 de julho de 2010, amplificou os instrumentos democráticos para que a participação do professor tivesse ampla oportunidade de opinar. O artigo 29 diz claramente:
“Caberá a Assembleia Geral, Conselho de Representantes ou Diretoria do ADURN-Sindicato optar por plebiscito entre os sindicalizados, como forma de deliberação em sua esfera de competência.
§ 1° - O plebiscito deverá ser considerado como instrumento deliberativo nas seguintes situações:
a) Para deflagração de Greve;
b) Para assinaturas de acordos coletivos com os órgãos públicos aos quais estejam vinculados os membros da categoria;
c) Para filiação a centrais sindicais.
§ 2° - As normas para a realização de plebiscito deverão ser elaboradas pela Comissão de Plebiscito, a ser eleita pelo Conselho de Representantes, de acordo com as normas presentes neste Estatuto.”
A atuação do Poder Judiciário se limita à verificação do atendimento de requisitos formais (comunicação prévia, esgotamento das negociações, etc.) e de requisitos materiais (piquetes pacíficos, formas de persuasão de servidores e servidoras para aderir à greve etc.). Portanto, os cuidados com relação aos procedimentos preparatórios da greve e a forma de paralisação com respeitos a direitos e garantidas individuais, serão determinantes para o julgamento de eventual abusividade do movimento.
Com isso é preciso ressaltar que a deflagração de um movimento paredista não é mais na forma como era nos anos 80 e 90, em que as greves se estendiam, por meses a fio e quando havia o retorno, não havia nenhuma consequência para o professor, o que, a meu ver, afrouxou a percepção de que não vivemos num ambiente com regras e normas que nem sempre são favoráveis à categoria.
Outro aspecto importante refere-se ao pagamento da remuneração durante os dias de paralisação. A Lei nº 7.783/1989 prevê que os contratos de trabalho serão suspensos durante todo o período de paralisação grevista, cujas relações obrigacionais (de fazer e de pagar) serão objeto de temo de acordo, convenção ou decisão judicial (artigo 7º).
A previsão legal admite, o corte de ponto dos servidores públicos e o desconto remuneratório pelos dias parados, conforme definido pelo Supremo Tribunal Federal ao apreciar o Recurso Extraordinário nº 693.456/RJ (relator ministro Dias Toffoli, j. 27/10/2016), sob repercussão geral (Tema 531), cuja tese autoriza que a Administração proceda ao desconto dos dias de paralisação, "em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público".
Para definir as diretrizes relacionadas ao corte de ponto e à celebração de acordo quanto à compensação dos dias parados no âmbito federal, a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal do Ministério da Economia editou a Instrução Normativa nº 54, de 20 de maio de 2021, que estabelece a obrigatoriedade de desconto da remuneração, cuja diferença poderá ser restituída ao servidor após a eventual compensação das horas não trabalhadas.
O Corte do Ponto é de fundamental importância, visto que era “tradição” que houvesse corte de ponto sendo, no limite, negociado os dias parados.
Contudo, em 27.10.2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu um julgamento de um Recurso Extraordinário4, reconhecido como tema de Repercussão Geral – Tema n. 531 (ou seja, aplicável a todos os casos idênticos), que tratou especificamente da possibilidade de descontos dos dias parados em caso de greve de servidores públicos. Na oportunidade, foi fixada a seguinte tese:
"A administração pública deve proceder ao desconto dos dias de paralisação decorrentes do exercício do direito de greve pelos servidores públicos, em virtude da suspensão do vínculo funcional que dela decorre, permitida a compensação em caso de acordo. O desconto será, contudo, incabível se ficar demonstrado que a greve foi provocada por conduta ilícita do Poder Público."
Discutiu-se, portanto, a constitucionalidade do desconto dos dias parados em razão de greve de servidor. A partir da definição do Tema n. 531 da Repercussão Geral do STF, pode-se, à primeira vista, concluir que:
1) A regra, a partir da publicação da decisão do STF, será a do corte de ponto logo no início da greve;
2) Mediante negociação coletiva com o Administrador, poderá haver a compensação dos dias parados, caso em que poderá não haver o corte dos dias parados;
3) Resumindo os dois itens acima: primeiro corta, depois negocia a compensação e o pagamento;
4) A conduta ilícita do Poder Público impede o desconto dos dias parados em caso de greve5.
Importante notar que a Lei de Greve não fixou a quantidade de percentual para manutenção do serviço. Existem, na jurisprudência, tanto do Tribunal Superior do Trabalho, para empregados públicos (celetistas), como no Superior Tribunal de Justiça, para os servidores públicos (estatutários) alguns indicativos. Por exemplo: já houve determinação de que em período pré-eleitoral a Justiça Eleitoral devesse manter 80% do efetivo, na Justiça federal já houve determinação de 60%. Mas esse número não está fixado em lei, sendo estabelecido casuisticamente.
Destaca-se, nesse aspecto, precedente do Superior Tribunal de Justiça. Por entender que o direito de greve do servidor público deve ser compatibilizado com a necessidade de manutenção de serviços essenciais à saúde e à incolumidade públicas, o STJ determinou que os fiscais agropecuários federais em greve devem manter entre 70% e 100% do quadro em atividade, conforme a área de fiscalização. Com relação aos professores em ESTÁGIO PROBATÓRIO, a avaliação quanto à conveniência e oportunidade da participação de servidores em estágio probatório em greve deve ser feita a partir da realidade local, caso a caso, não podendo ser esquecido de que a participação na greve acarretará a prorrogação do prazo do estágio. É preciso recordar que sendo a greve uma suspensão temporária do trabalho, é compreensível que a avaliação da aptidão do servidor para a função seja também suspensa, vale dizer: o período de estágio fica suspenso durante a greve, sendo retomado assim que reiniciado o trabalho.
O Movimento Docente e mais especificamente o movimento sindical dos servidores públicos, especialmente o dos docentes das IFES, deve recolocar essa discussão na categoria, a fim de que a leitura sobre a concepção de greve e de mobilização sejam modernizados e que se possa, dessa forma, construirmos sindicatos renovados, que contribuam para o fortalecimento do PROIFES FEDERAÇÃO, fazendo valer o que a caracterizou desde o seu nascedouro, em 2004 : uma nova visão sobre o movimento docente.
Natal, 19 de fevereiro de 2022
Francisco Wellington Duarte
Professor do DEPEC/CCSA
Diretor do ADURN-Sindicato
Vice-presidente do PROIFES-Federação