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Publicado em 01 de junho de 2022 às 08h58min
Tag(s): UFRN
“Quando as pessoas estão presas, perdem a identidade delas. Viram números. Você é conhecido pelo crime que cometeu, por apelidos. Mas não pelo nome”. As palavras proferidas por Thayane Silva Campos, professora de língua espanhola do Departamento de Línguas e Literaturas Estrangeiras Modernas da UFRN (DLLEM/UFRN), vêm de uma trajetória marcada por ações voltadas à educação para pessoas presas em processo de ressocialização. A história sobre algumas dessas ações pode ser conhecida no livro Un pueblo sin piernas pero que camina: formação inicial de professores de Espanhol na educação de jovens e adultos privados de liberdade, lançado neste ano em formato eletrônico.
O livro foi publicado pela Associação Brasileira de Hispanistas (ABH), a partir do Prêmio Mário Gonzalez, o mais importante em estudos do hispanismo no Brasil, conquistado pela autora em 2020. Inicialmente, segue a experiência de Thayane no período em que atuou como professora substituta de língua espanhola na Universidade de Federal Viçosa (UFV). Na ocasião, trabalhando com a supervisão de estágios, conheceu a escola inserida na Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) de Viçosa. Nela, estabeleceu as atividades de um projeto voluntário que viria a se tornar o projeto de extensão Eu, latino-americano: a busca da identidade latino-americana e da identidade individual dos reclusos da APAC, objeto de estudo do livro.
Antes de ser livro, a temática foi a tese de doutorado da autora. Em ambos, o trabalho tem como foco a formação de professores de espanhol para a área de pessoas privadas de liberdade. “Existe um déficit na área de Educação para Jovens e Adultos (EJA) e na educação prisional. Afunilando ainda mais, nas línguas estrangeiras os estudos são quase nulos. No Brasil, temos uma superlotação dos ambientes prisionais, e o fato da maioria dessas pessoas não terem terminado os estudos é alarmante. Se a gente não investir na educação, isso tende a piorar. Posso dizer com alegria, mas com uma certa preocupação, que minha tese é uma iniciação para essa discussão”, conta Thayane.
O imaginário popular acerca do ambiente carcerário não passou distante da mente da professora. Ao ter o primeiro contato com a APAC, Thayane se viu impressionada com a organização da escola e o interesse e engajamento dos alunos. Esse conhecimento serviu como incentivo para a ampliação do projeto já existente com a aglutinação de mais voluntários e participantes envolvidos. Para a professora, foi importante levar em consideração a identidade do aluno, a bagagem e conhecimento prévios, com um ensino mais humano em que o professor constrói o conhecimento junto com o aluno. Por isso, nas aulas, explica a autora, trabalharam-se duas frentes: a identidade Latino-americana e a identidade individual dos recuperandos, termo utilizado para se referir aos alunos da APAC.
“Para mim, a própria ressignificação foi a temática da religião. Esse não seria, normalmente, um tema que eu tocaria. Mas, na APAC, eles estão muito ligados às religiões, então em toda atividade era comum que os alunos começassem e terminassem fazendo uma oração. Foi preciso ter cuidado ao levar para a sala de aula essas temáticas envolvendo religião, mas foi um aprendizado muito grande para mim. O livro conta sobre essas especificidades que cada docente precisa conhecer acerca da identidade de cada aluno e comunidade”, explica Thayane sobre a temática central das ações.
O livro é um relato didático metodológico sobre as aulas de espanhol, contendo reflexões e análises dos planos de aula e das próprias aulas que eram ministradas. Porém, muito mais que isso, é também um verdadeiro portfólio dos alunos. Desenhos, pinturas, maquetes, livros e outras produções artísticas dos alunos foram apresentados no ato de encerramento do projeto foram expressados ao longo das páginas, evidenciando os vários caminhos percorridos e aprendizados ganhos pelos recuperandos.
O trabalho continua
Sobre as repercussões que podem ser alcançadas com a publicação, Thayane espera poder inspirar outros professores a pesquisarem e se aprofundarem no tema. “Consigo ver também as universidades e cursos de licenciatura em língua espanhola abrindo mais a mente sobre esse assunto. Cheguei na UFRN em 2018, achando que ia demorar muito tempo pra alcançar meu objetivo de os alunos enxergarem esse campo da educação prisional como campo de estágio. Mas, atualmente, tenho três alunos que fazem estágio supervisionado e que atuam na APAC de Macau, no projeto Oficina de língua espanhola para privados de liberdade na APAC de Macau. Então, considero que o fruto do meu trabalho possibilitou que eu conseguisse isso de uma forma mais rápida”, reflete a professora.
Atualmente, o Oficinas de língua espanhola para privados de liberdade está no seu segundo ano e atua com aulas semanais remotas na APAC de Macau. Além de bolsista e voluntários, recebe semestralmente estagiários da disciplina de Estágio Supervisionado em Língua Espanhola III.
Fonte: UFRN