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Publicado em 27 de janeiro de 2023 às 10h57min
Tag(s): Inclusão Social Lei de Cotas
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, defendeu, em entrevista a CartaCapital nesta quinta-feira 26, o fortalecimento da Lei de Cotas, que visa mitigar a desigualdade, garantindo o ingresso de estudantes de escolas públicas nas universidades.
A irmã da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, pontuou que, mesmo após dez anos de resultados da política de cotas, a população ainda questiona a eficácia desse instrumento de inclusão.
“Estamos lidando com um País que é extremamente racista. Além de estruturalmente institucional, esse racismo é escancarado quando chega a população negra a ocupar espaços que, historicamente, as pessoas não querem e não desejam que nós ocupemos”, afirmou a ministra.
Anielle reforçou que a Lei de Cotas é a maior política de reparação já vista no Brasil.
“Quando a gente fala da Lei de Cotas, a gente não está falando só de uma pequena porcentagem de pessoas. O que estamos fazendo não é um favor, entende? É reparação, mesmo.”
A Lei de Cotas, que completou em 2022 uma década no Brasil, foi criada após uma iniciativa da Universidade de Brasília, que instituiu um sistema de reserva de vagas com base em critério étnico-racial no processo de seleção.
A medida reservaria 20% das vagas totais para estudantes autodeclarados negros e outra pequena parcela para índios, pelo período de dez anos, em todos os cursos oferecidos pela instituição.
A proposta desagradou alguns partidos, como o DEM, que ajuizou uma arguição de descumprimento de preceito fundamental, a ADPF 186. Ela buscava declarar inconstitucional a conduta da UNB, e as alegações eram de que seriam desnecessárias políticas afirmativas raciais no País e que ninguém seria excluído, no Brasil, pelo simples fato de ser negro.
Em 2021, ano de julgamento dessa ação, apenas 2% do contingente de universitários no País era de negros, apesar de eles representarem 45% da população brasileira.
O DEM argumentava, ainda, que as cotas seriam formas de responsabilizar as gerações presentes por erros cometidos no passado.
A justiça compensatória, no entanto, não é o único, nem o principal argumento em favor da ação afirmativa para negros no acesso ao ensino superior. Com ela, temos a promoção da pluralidade nas instituições de ensino e a superação dos estereótipos negativos sobre os negros. Uma consequência evidente é o fortalecimento da autoestima, como ressalta um parecer da Procuradoria no processo.
O Supremo Tribunal Federal julgou constitucional a iniciativa da UnB. Meses depois, foi promulgado o Decreto nº 7.824/2012, a definir as condições gerais de reserva de vagas e a regra de transição para as instituições federais de educação superior.
Em agosto de 2012, a iniciativa da UnB colheu frutos e as cotas raciais se tornaram política educacional, por meio da Lei nº 12.711, a regular a distribuição das vagas pelas cotas e determinar que a proporção de vagas deve ser igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade federativa onde está a instituição, conforme o mais recente Censo do IBGE.
A previsão legal ainda estipula um triplo critério para a aplicação das vagas. Só poderão aderir à política de cotas alunos que completarem o ensino médio no sistema público de educação. A partir daí, os inscritos são divididos em dois grupos, baseados nas rendas familiares, para na sequência ocorrer a aplicação das porcentagens raciais.
Discute-se amplamente, também, o desempenho dos alunos cotistas. Sem base de estudo, críticos da medida afirmam que os beneficiados pela política estudantil não conseguiriam acompanhar o ritmo das aulas, atrasando os colegas.
No entanto, a qualificação dos formandos que ingressaram no ensino superior por meio das políticas positivas de cotas equivale ou até mesmo supera a de seus companheiros de turma.
É o que conclui um estudo que comparou o desempenho de mais de um milhão de alunos entre 2012 e 2014, realizado por Jacques Wainer, professor titular do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas, e Tatiana Melguizo, professora associada da Rossier School of Education da University of Southern California.
Três anos depois da implementação da Lei de Cotas, em 2015, o MEC declarou que as metas instituídas pela lei haviam sido atingidas antes do previsto pelas 128 instituições federais de ensino que participavam do sistema. Entre 2010 e 2019, o número de negros no ensino superior cresceu 400%, segundo o IBGE.
Mais de 120 anos depois da abolição mercantil de escravos, políticas públicas de reparação, como as cotas raciais para acesso ao ensino superior, ainda são consideradas prejudiciais ou desnecessárias por parte da população. Os defensores da meritocracia criticam duramente esse mecanismo. Mas, em um País tão desigual quanto o Brasil, torna-se necessário entender que os alunos chegam ao vestibular com realidades e oportunidades totalmente distintas.
As cotas raciais são políticas públicas afirmativas que visam criar um estágio de igualdade, reduzindo os obstáculos para minorias historicamente discriminadas.
Fonte: CartaCapital