Mulheres gestoras

Publicado em 13 de março de 2023 às 14h10min

Tag(s): 08 de Março UFRN



O ano era 1838. Movida pela defesa dos direitos das mulheres, aos 28 anos, a potiguar Dionísia Gonçalves Pinto, ou Nísia Floresta Brasileira Augusta, pseudônimo escolhido por ela, abriu a primeira escola para meninas no Rio de Janeiro. A proposta de Nísia era oferecer às mulheres a oportunidade de aprender mais do que boas maneiras e cuidados com o lar e com o marido. Ela passou a ensinar para as meninas a gramática, escrita e leitura do português, francês e italiano, ciências naturais e sociais, matemática, música e dança.

Quando Nísia abriu o colégio Augusto, o ditado popular em voga à época era “o melhor livro é a almofada e o bastidor*”, que demonstrava bem a situação das mulheres naquele período. Nísia se colocou à frente de seu tempo ao abrir e gerir uma escola, mesmo diante dos preconceitos que enfrentou. De 1838 até os dias atuais, as mulheres precisaram superar muitos obstáculos para conquistar espaços na sociedade brasileira, principalmente quando se fala em representação feminina em cargos como os de gestão. 

No serviço público, a primeira mulher a ocupar o cargo de ministra de Estado foi Ester de Figueredo Ferraz, que assumiu a pasta da Educação no período de agosto de 1982 até março de 1985. Atualmente, as mulheres são gestoras em várias áreas. A representatividade feminina é destacada em cargos de ministras do Governo Federal, que conta atualmente com 11 mulheres no comando de pastas como Planejamento, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Saúde e Gestão. 

Na área da educação, atualmente, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, fundação vinculada ao Ministério da Educação (MEC), tem uma mulher como presidente, a bióloga Mercedes Maria da Cunha Bustamante. Ela é uma das oito indicadas pelo ministro da Educação, Camilo Santana, para ocupar cargos-chave no ministério.

Em pouco mais de 60 anos de existência, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) também consolida a participação feminina em cargos de gestão na instituição. Uma dessas mulheres de destaque foi Zila da Costa Mamede, fundadora do Sistema de Bibliotecas da UFRN e diretora por 21 anos da Biblioteca Central da UFRN, entre os anos de 1959 a 1980.

Além de outras mulheres que contribuíram para a administração UFRN, a Instituição contou com um reitorado feminino no período de 2011 a 2015, com Ângela Maria Paiva Cruz e Maria de Fátima Freire de Melo Ximenes, reitora e adjunta, respectivamente. Neste dia 8 de março, data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, a participação feminina em cargos de gestão na UFRN se fortalece cada vez mais. 

 

Depoimento sobre o reitorado feminino dado pela professora Ângela Paiva Cruz.

*Anéis de madeira, bambu ou plástico que servem para prender o tecido no ponto e facilitar a aplicação do desenho no bordado.

Gestoras

À frente da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progesp) da UFRN, órgão de planejamento e de administração dirigido à formulação e implementação da Política de Gestão de Pessoas da Universidade, está uma mulher que atua no cargo há 12 anos. Mirian Dantas assumiu a Progesp em 2011 e, desde então, vem conduzindo com eficiência e compromisso as ações voltadas para os servidores da UFRN. Para ela, na Instituição, a equidade de gênero da administração central é uma realidade. 

“Felizmente, a comunidade da UFRN preza muito pela competência de cada um e de cada uma para realizar o trabalho. Com base na minha experiência, pontuo que os maiores desafios que são impostos às gestoras da UFRN, graças à consciência e à luta das mulheres ao longo dos anos, não necessariamente têm a ver com o fato de serem mulheres”, acrescenta.

 



A gerência feminina também é destaque na Pró-Reitoria de Administração (Proad), sob o comando de Maria do Carmo de Araújo como pró-reitora e Izabel de Medeiros Coelho como adjunta. Elas atuam no setor responsável pela supervisão e coordenação das áreas de contabilidade, finanças, material, patrimônio, segurança, transportes e serviços gerais da UFRN.

Os desafios da administração institucional não são pequenos, mas Maria do Carmo Araújo assegura que, em razão da pluralidade, respeito e diversidade típicos do ambiente de formação acadêmica, ser mulher e gestora na UFRN faz com que “o exercício diário de líder seja mais leve e natural”.

E, nesse exercício, apesar de existirem, poucas são as situações nas quais se depara com alguma atitude que transpareça resistência ou desprezo pelo fato de ser mulher. “Na UFRN, na minha avaliação, não há distinção em razão do gênero para ocupação dos cargos de gestão, sejam eletivos ou de indicação. De igual forma, o reconhecimento também ocorre pelo mérito, sem que a ele se relacione o gênero”, assegura. 

 

 

Essa realidade, entende a pró-reitora de Administração da UFRN, não é a mesma na grande maioria das organizações e instituições, sejam elas públicas ou privadas, ou mesmo nos mandatos políticos, de forma que ainda há muito a se avançar para que tal igualdade aconteça.

A pró-reitora adjunta de Administração, Izabel de Medeiros Coelho, considera que a liderança feminina é um desafio. Isso porque muitas mulheres precisam se desdobrar em vários papéis e seguir assumindo seus espaços. “Na UFRN assistimos a um grande avanço da participação feminina em vários cargos de liderança, eletivos e técnicos”, valoriza. 

Para ela, não tem como falar em gestão feminina sem falar no grande exemplo que é a professora Ângela Cruz, que exerceu por dois mandatos o posto mais alto da administração da Universidade, sendo a primeira mulher reitora da UFRN e tendo grande reconhecimento pela excelência de seu trabalho à frente da Instituição, o que a orgulha e inspira.

 

 

Izabel acrescenta que o exercício como gestora na Universidade acontece de forma natural, em razão, principalmente, da pluralidade que a Universidade representa. “Questões de gênero não são obstáculos no dia a dia da gestão, e nos sentimos legítimas para atuar em qualquer ambiente da UFRN, sempre de forma respeitosa e tranquila”, conclui.

Desafios

Outra pró-reitoria que é conduzida por mulheres na UFRN é a de Graduação, que tem Maria das Vitórias de Sá e Elda Silva Nascimento Melo como pró-reitora e adjunta, respectivamente. A Prograd é o órgão responsável pelo planejamento, supervisão, coordenação, avaliação e controle das atividades de ensino de graduação da UFRN.

“Ser gestora na UFRN é extremamente gratificante, haja vista ser uma instituição em que o planejamento é fundamental para o desenvolvimento de suas atividades e em que as decisões que definem seus rumos são tomadas a partir de discussões colegiadas”, ressalta Maria das Vitórias, que foi aluna da Universidade. 

 

Ela pontua ainda que o fato de ser uma mulher numa posição de liderança representa um desafio a mais “em razão de vivermos numa sociedade patriarcal, exigindo, na maioria das vezes, uma postura mais firme e assertiva nas posições adotadas no dia a dia do desempenho de nossas funções”. Por outro lado, afirma a pró-reitora de Graduação, sensibilidade, equilíbrio e sensatez são características marcantes da mulher em cargos de chefia, são ferramentas poderosas para alcançar um nível de desempenho desejável. 

Maria das Vitórias reconhece que o preço do reconhecimento tem sido elevado para as mulheres, que não raramente têm que se desdobrar para dar conta de suas atividades no trabalho sem deixar de dar atenção à sua vida pessoal, já que, normalmente, assumem mais responsabilidade em relação às questões familiares. “Sou uma mulher engenheira, que gosta de resultados e bons desafios sem perder de vista o meu bem maior, que é a minha família e a alegria de viver”, argumenta.

A pró-reitora adjunta de Graduação, Elda Melo, também destaca o privilégio de ocupar um cargo de liderança na UFRN, instituição que, para ela, atua na vanguarda, abrindo cada vez mais espaço para as mulheres e valorizando o poder feminino de gerir, de tomar decisões e de contribuir para o desenvolvimento de nossa Universidade. “Hoje, em nossa instituição, são inúmeras as colegas que ocupam cargos de chefia, o que evidencia o respeito que a UFRN atribui a nós mulheres”, afirma. Entretanto, Elda ressalta a necessidade permanente de, como declarou a advoga Rosa Luxemburgo, lutar “por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”.

 

 

Para ela, em que pese as muitas barreiras que as mulheres ainda enfrentam, indubitavelmente elas têm avançado bastante no tocante à ocupação de cargos e espaços de destaque, assim como “em relação ao reconhecimento e legitimidade do trabalho nos mais diversos âmbitos, na sociedade, de modo geral, e na UFRN, em particular, que não tem se furtado a dar vez, voz e lugar às mulheres”.

A Pró-Reitoria de Pesquisa (Propesq) é outro setor da instituição cuja gerência das ações é chefiada por duas mulheres, a pró-reitora Sibele Pergher e a adjunta Elaine Gavioli. A Propesq é responsável pela proposição, coordenação, execução e avaliação das políticas de pesquisa científica e tecnológica da UFRN.

“Eu já tive a experiência de ser gestora em outra universidade, no Sul (de onde venho), e confesso que exercer esse cargo na UFRN tem um grande diferencial. Somos duas mulheres como pró-reitoras, além de a equipe ser formada, em sua grande maioria, por mulheres”, conta Sibele, agradecendo a oportunidade de trabalhar em parceria com Elaine e toda a equipe da Propesq.

 

Ela percebe que, em outros contextos, tais como chefias de departamento, direção de centros e na própria gestão central na Reitoria, vê-se cada vez mais mulheres em posições de liderança. “Acho que isso tem ocorrido com naturalidade. As mulheres estão cada vez ganhando mais espaço, mostrando sua força, resiliência, capacidade e amor no que fazem”, considera.

Sibele reconhece que as mulheres ainda têm um caminho considerável a percorrer para que mais delas consigam destaque em diferentes cargos de gestão. Contudo, argumenta, ainda que se observem grandes mudanças, é importante sempre relembrar que essa luta deve ser constante e datas como o dia 8 de março possuem um simbolismo especial nessa missão. 

Elaine Gavioli, que atua como pró-reitora adjunta de Pesquisa, também reconhece que na UFRN o ambiente de liderança é bastante equilibrado entre homens e mulheres. “É uma instituição bastante equânime em questão de gênero em relação a gestores. Já tivemos uma reitora mulher, além de uma vice-reitora na administração central da instituição”, lembra, o que, para ela, torna a experiência de ocupar uma chefia bastante confortável. Além disso, frisa Elaine, “temos e tivemos diversas pró-reitoras e diretoras de centros e unidades acadêmicas especializadas, o que mostra o espaço merecidamente ocupado por mulheres na UFRN já há muito tempo”.

Representatividade

Além dos cargos de gestão ocupados em pró-reitorias, a UFRN tem mulheres à frente de diversos outros setores, como direção de centros, de unidades especializadas, chefias de departamentos e coordenadorias de cursos. Uma das unidades da qual uma mulher é diretora é o Centro de Ensino Superior do Seridó (Ceres), instalado no município de Caicó. 

 

 

A estrutura acadêmica é formada por seis departamentos, que oferecem nove cursos de graduação presenciais e três de mestrado. Como ex-aluna do Ceres, Sandra Kelly de Araújo afirma que fica muito feliz em poder contribuir como diretora do Centro. “Pude ter a experiência de discente, docente e gestora. Isso possibilitou grande crescimento pessoal e profissional”, relata.

Sandra Kelly ressalta que ter mulheres exercendo funções no alto escalão da administração expressa o reconhecimento de seus pares acerca de suas competências e habilidades. “A atual administração teve atenção quanto ao equilíbrio das funções de seu staff no que diz respeito ao gênero. Esse fato, somado à luta diária pelo reconhecimento do papel das mulheres no mundo do trabalho, demonstra que estamos avançando na ocupação de espaços estratégicos da chefia na UFRN”, valoriza. Mesmo diante dessa conquista, ela acredita que é preciso ampliar e consolidar cada vez mais tal participação.

A diretora do Centro de Ciências Exatas e da Terra (CCET), Jeanete Alves Moreira, assegura que ser gestora é, antes de qualquer coisa, uma grande conquista. “Toda a minha trajetória em nossa UFRN tem sido marcada por muita harmonia, respeito e confiança. Por isso me sinto muito feliz em poder estar à frente de um Centro tão  importante para a UFRN, que me possibilita ser útil e lutar pela melhoria do nosso ensino, extensão, pesquisa e tantas outras lutas do dia a dia”, afirma.

 

 

A professora aponta que, sem dúvidas, as mulheres conseguiram mais espaço em cargos de liderança e a dedicação com competência tem realmente feito a diferença. “Na UFRN, caminhamos lado a lado com os homens e temos sido muitíssimo respeitadas. Em nossa instituição, é visível o crescimento de mulheres na gestão, basta verificarmos os números de gestoras que temos atualmente”, diz.

Uma experiência de aprendizado desafiadora e de grande complexidade. Essa é a avaliação da diretora do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes (CCHLA), Maria das Graças Soares Rodrigues. “Apesar da complexidade, é prazeroso também ocupar um cargo de chefia, é nosso dever servir e servir bem, ser útil, buscar solução para os problemas que surgem”, assegura. 

Ela destaca que, na UFRN, das oito pró-reitorias, quatro têm como pró-reitora titular uma mulher e cinco mulheres exercendo a função de pró-reitora adjunta. Dessa forma, dos dezesseis pró-reitores, nove são mulheres. Já em relação às direções de centro, em que os cargos são ocupados por meio de eleição, a UFRN tem oito centros acadêmicos, neste universo, há quatro diretoras titulares e três vice-diretoras.

 

 

“Cabe-nos, enquanto mulheres, continuar ocupando os espaços, não apenas cargo de chefia, mas inúmeros outros, como, por exemplo, apoio ao desempenho e contribuição ao avanço da pesquisa científica”, afirma. Maria das Graças assegura sentir-se grata por trabalhar na UFRN, uma Instituição em que a mulher tem espaço. “Eu poderia estar aposentada há vários anos, mas tenho prazer em servir a UFRN”, conclui.

Ocupar espaços

Promover a equidade de gênero é objetivo do desenvolvimento sustentável a ser buscado cotidianamente por instituições públicas e privadas com planejamento e ações multidirecionais. É o que defende a professora Mariana de Siqueira, que atua como coordenadora do Grupo de Pesquisa Direito, Estado e Feminismos (Defem), ligado ao curso de Direito do Centro de Ciências Sociais Aplicadas (CCSA/UFRN).

Para ela, a presença de mulheres em espaços de poder e de liderança ainda é exceção, pois, para chegar ao mercado de trabalho, permanecer em seu âmbito e conseguir ascender na carreira, a tarefa não é fácil. “É importante ressaltar que as mulheres são diferentes em suas realidades socioeconômicas, fenótipos, corpos, orientações e identidades”, pontua.

 

 

Mariana acrescenta que, se são estruturas históricas e seculares as responsáveis pela baixa presença de mulheres em cargos de poder e gestão, que ações afirmativas ocorram para reparar esse fato, que direitos sejam previstos na legislação e que, numa perspectiva de futuro, sejam estruturadas políticas de equidade com sustentabilidade.

Fonte: Portal da UFRN

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