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Publicado em 04 de abril de 2023 às 14h20min
Tag(s): Acesso à informção SBPC
A defesa da democracia traz urgência no combate à desinformação e às notícias falsas que sempre existiram, mas ganharam velocidade e amplitude com as redes sociais. O alerta foi feito pelo historiador inglês Peter Burke em conferência promovida sexta-feira (31/3) pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em parceria com a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG).
Nascido em 1937 em Stanmore, no Reino Unido, Burke é professor emérito da Universidade de Cambridge onde leciona desde 1979. Casado com a brasileira Maria Lucia Palhares-Burke, teve uma passagem pelo Brasil na década de 1990, onde foi professor-visitante do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA – USP), entre 1994 e 1995, e desenvolveu o projeto de pesquisa chamado “Duas Crises de Consciência Histórica”. É considerado um dos mais relevantes intelectuais da era moderna e um dos maiores especialistas mundiais na obra do sociólogo pernambucano Gilberto Freyre.
A questão levantada na conferência – intitulada “Conhecimento democrático e ignorância democrática” – era como lidar com mais esse ataque às democracias. Para Burke há caminhos de curto, médio e longo prazos. De imediato, agências de checagem de notícias, como a brasileira Aos Fatos e a inglesa Bellingcat (há muitas outras em ambos os países), funcionam bem para desmentir notícias falsas, na visão dele.
“O problema é que as pessoas vão a sites como estes apenas quando suspeitam de uma determinada notícia. Infelizmente muitos cidadãos de democracias ou quase-democracias não suspeitam o suficiente”, afirmou.
A longo prazo, Burke acredita ser necessário “promover consciência”, formando não apenas jornalistas, mas também as crianças e jovens que deveriam ser treinados para identificar fake news e desinformação desde cedo. “A meu ver, atitudes críticas precisam ser inculcadas em uma idade muito mais precoce e também para um grupo muito mais amplo do que aspirantes a jornalistas”, disse, citando como exemplo programas de “alfabetização em crítica da mídia (“critical media literacy”) que já existem na Escandinávia e nos Estados Unidos.
Para o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, a palestra do historiador foi “extremamente oportuna” para o momento atual, em que “a construção de simulacros de falsas aparências levam as pessoas a acreditarem no que não é verdade”. Resgatando a frase do educador Darcy Ribeiro (1922-1997), “a falência da educação no Brasil não é um problema, é um projeto”, Janine Ribeiro comentou: “Isso se adequa muito bem à produção da ignorância, a forma pela qual uma sociedade procura justamente evitar que outras pessoas tenham acesso ao conhecimento para elas não contestarem a opressão que sobre elas incide.”
No fim da conferência, o sociólogo José de Souza Martins, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, disse que a luta contra a desinformação requer uma “ressocialização” para a democracia, o pensamento crítico e a incorporação cada vez maior da ciência. “(Seria) na linha do que o Hans Freyer (filósofo alemão, 1887-1969) chamava de autoconsciência científica da sociedade, ou seja, no fundo é declarar uma guerra ao senso comum tal como ele está posto.”
Sobre a proposta de iniciar o combate à desinformação na escola, o presidente da ANPG, Vinicius Soares concordou e foi além: “Na prática, acho que precisamos inclusive mudar o próprio modelo de escola para fazer com que nossas crianças e jovens possam se apoderar da história do Brasil e construir um caminho de um país mais democrático possível”.
Janes Rocha – Jornal da Ciência
Fonte: SBPC