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Publicado em 11 de maio de 2023 às 15h23min
Tag(s): Educação Tecnologia
Pesquisa divulgada no último dia 3 pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic) mostra que menos da metade (44%) dos jovens e adolescentes entre 9 e 17 anos têm acesso à internet na escola.
Os dados escancaram mais uma forma de discriminação social no país capaz de interferir na formação de alunos/as e gerar desequilíbrio na concorrência para o acesso à universidade e ao mercado de trabalho. O recorte social já deixa clara essa diferença. Entre pessoas da mesma idade nas classes A e B, o percentual dos que navegam na rede sobe para 56%.
A qualidade da conexão é outro fator problemático. Enquanto que para 39% das crianças e adolescentes das classes D e E a conexão é considerada ruim, para a mesma faixa etária nas classes A e B, o percentual cai para 18%. Além disso, 22% das mais pobres disseram que a falta de créditos no celular impede o acesso sempre, enquanto 25% apontaram que isso ocorre eventualmente.
A pesquisa reforça uma situação já alarmante no país. Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que avaliou 79 países, em 2018, quando o assunto é educação, o Brasil é uma das cinco economias mais desiguais do mundo.
Em determinadas áreas, o diagnóstico é ainda pior: o Brasil é o terceiro país mais desigual em ciência e leitura. O estudo aponta que estudantes de maior poder aquisitivo tiveram um resultado de 100 pontos a mais do que os mais pobres, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Com isso, o avanço do digital na educação, ao invés de incluir, torna-se uma nova forma de exclusão, como ressalta a secretária de Assuntos Educacionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Guelda Andrade. Para ela, o levantamento do Cetic descortina problemas estruturais na sala de aula.
“A pesquisa mostra o que a CNTE já tem denunciado: a desigualdade no acesso à educação pública. A internet faz parte da organização curricular da escola pública. Quando não se tem acesso na escola e nem em casa, isso aprofunda a desigualdade social, porque irá afetar a disputa por uma vaga de emprego ou na faculdade, por exemplo. Não são dadas condições de acesso iguais para todos e isso é o Estado quem deve prover”, ressalta.
De acordo com o levantamento do Cetic, 74% dos internautas com 16 anos ou mais das classes D e E acessam a internet exclusivamente pelo telefone celular, enquanto apenas 11% dos usuários das classes A e B mantêm o mesmo hábito. Para o segundo grupo, o uso de computador é o recurso principal (66%); e apenas 11% utilizam essas ferramentas na classe E.
Guelda aponta como isso impactou aqueles que estão na base da pirâmide econômica, especialmente durante a pandemia de Covid-19.
“No ápice da crise, vimos essa desigualdade crescer, com muitas crianças disputando, em casa, um celular para assistir aula, porque não tinham acesso ao computador, e lutando pela própria internet, porque muitas famílias dependem de dados móveis para se conectar”, avalia.
De acordo com o Pisa, se entre os usuários das classes A e B o principal motivo para não acompanhar as aulas no auge da infecção era não conseguir ou não gostar de estudar à distância (43%), para alunos/as das classes D e E, o problema foi a necessidade de buscar um emprego (63%).
A dirigente da CNTE afirma que muitos dos problemas têm raiz em questões transversais como a fome e a violência doméstica. Por isso, indica que é preciso pensar políticas intersetoriais para dar conta dos desafios. Porém, para ela, é fundamental que existam políticas públicas para o setor capazes de dar conta de demandas imediatas.
“Estamos às vésperas da construção de um novo Plano Nacional de Educação e precisamos que seja um programa exequível, com fontes de financiamento para que consigamos avançar na ampliação de vagas e na manutenção dos estudantes na sala de aula, inclusive com a oferta de estrutura, com laboratório, internet e biblioteca. Isso só é alcançado com financiamento público e participação social”, contextualiza Guelda.
Em entrevista ao jornalO Globo, a chefe de pesquisa do Centro de Pesquisa e Inovação Educacional da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Tracey Burns, avalia que a desigualdade educacional vai aumentar entre os países e dentro deles.
“Existem três fatores para analisarmos o impacto do aprendizado digital: quem tem acesso? Se você tem acesso, quem tem as habilidades para usar? E quem tem pais que podem ajudar as crianças com as tarefas feitas apenas em casa? Nós já sabemos por resultados do Pisa que crianças entre países e dentro dos países que menos têm acesso são as que menos têm as habilidades e as que menos têm pais que podem ajudá-las se tiverem problemas. Estou muito preocupada com esse aumento da desigualdade”, afirmou.
Com a desigualdade no acesso à internet, projetos como a regulamentação do ensino domiciliar agravam ainda mais o cenário.
Em nota técnica enviada à CNTE, o professor e diretor de pesquisa e avaliação do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC), Romualdo Portela, e a professora da Faculdade de Educação da Unicamp, Luciane Barbosa, destacam que o homeschooling não é uma política educacional para todos e não contribui para o enfrentamento ou a redução das desigualdades.
A nota diz que a regulamentação da educação em casa pode prejudicar a educação pública de maneira indireta, já que dissemina um discurso generalizado e intencional de crise da escola pública para desmoralizar o que é público e valorizar o que é privado. Além disso, representa retrocessos à carreira e à profissionalização docente com a precarização das condições de trabalho dos profissionais da educação.
“A educação pública pode ser afetada de maneira direta ao promover a desvalorização da profissão docente e transferir recursos públicos e esforços que deveriam estar concentrados na melhoria dos sistemas educacionais para uma parcela restrita da população”, aponta trecho do documento.
Fonte: CUT