Quem é a cientista potiguar que cresceu nas Quintas e aos 24 anos tem duas graduações, dois mestrados e uma startup no Hub da Microsoft

Publicado em 22 de junho de 2023 às 11h38min

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Ela tem apenas 24 anos, mas já construiu um currículo acadêmico de fazer brilhar os olhos de qualquer cientista. Maria Eduarda Franklin possui duas graduações; uma em Ciência e Tecnologia com ênfase em neurociências e outra em Engenharia Biomédica, ambas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Duda, como está em suas redes sociais, também já é mestra em Neuroengenharia e em Ciência, Tecnologia e Inovação, além de ser uma das fundadoras e CEO da Orby,Co., uma startup que oferece soluções em tecnologia para integrar processos médicos.

Entre as conquistas mais recentes, a Orby,Co., venceu a Brazil Conference at Harvard and MIT (Massachusetts Institute of Technology), realizada entre março e abril deste ano em Boston, nos Estados Unidos, e passou a integrar, desde maio, o Microsoft for Startups Founders Hub, o hub da Microsoft que ajuda a impulsionar startups pelo mundo.

“Você recebe créditos para usar os serviços dela, como o Cloud, serviços de todos os setores de uma empresa. A Microsoft oferece incentivos e fazemos uso deles. Eles também fazem a ponte com investidores, com a própria Microsoft, leva a gente para eventos, nos conecta com profissionais da Microsoft para mentoria, suporte técnico. Eles nos auxiliam no desenvolvimento da tecnologia”, detalha Duda.

Mulher, preta e de família simples, Duda nasceu no bairro das Quintas, em Natal, e se mudou aos 12 anos com a família para o Pajuçara, na Zona Norte da cidade. O interesse pela ciência começou bem cedo, ainda na infância. A capacidade de aprendizagem avançada da menina foi percebida pelas professoras na escola e estimulada pela família em casa.

“Eu estudava numa escola de bairro nas Quintas chamada Centro Educacional Campos Oliveira que, inclusive, fechou. Era uma escola bem pequena, de bairro. Lá eles me davam muito suporte. Me colocavam para ensinar meus coleguinhas porque eu tinha uma facilidade maior em aprender, também me davam atividades diferentes e foram as primeiras pessoas a falar para minha mãe que eu precisava de acompanhamento psicológico. Já aconteceu da turma inteira da escola estar lendo Feiurinha e eu estar lendo Shakespeare. Eles também tiveram o cuidado de não me adiantarem de turma para que eu não perdesse o contato social, para não ter dificuldades de socialização com pessoas da minha idade, de ter um ensino humanizado”, relata Duda.

A menina se destacava na escola não só ensinando aos amiguinhos, mas fazendo protótipos de equipamentos hospitalares, quando a maioria das crianças, ainda se interessava por assuntos mais simples.

“Eu sempre gostei de estudar. Quando eu era pequena, pra você ter ideia, na feira de ciências meus coleguinhas faziam maquete de fazendinha e eu fazia protótipo de equipamento médico-hospitalar. Eu fazia tomógrafo, raio-x… e minha mãe apoiava muito, virava a madrugada comigo. Fazia com sensores, o que deixava o protótipo mais ou menos funcional, dava a impressão de que estava funcionando. Eu sempre tive esse ‘approach’ muito grande com a engenharia, mesmo minha família tendo parte da formação na área de humanas. Minha mãe é assistente social e também tem formação em secretariado, as minhas tias também são todas da área de humanas, contabilidade, nutrição. Mas minha mãe me apoiava muito, eu gostava muito de engenharia e de fazer coisas”, lembra.

A hoje CEO da Orby,Co. planejou a carreira acadêmica desde muito cedo, praticamente na infância. Ela conta que começou a trabalhar com pesquisadora júnior aos 14 anos nas áreas de química, biologia e computação, quando fazia o ensino médio e técnico de informática na Escola Agrícola de Jundiaí, unidade da UFRN localizada em Macaíba.

“Fiz a prova para a Escola Agrícola de Jundiaí porque queria muito entrar no técnico de informática de lá porque ‘na minha época’ era tido como o melhor da área. Fiz meu ensino médio todo lá, onde comecei a enveredar para a pesquisa biomédica, análise de parâmetros físico-químicos e na computação, desenvolvendo alguns sistemas. Entrei para a UFRN para fazer neurociências, sempre quis ser neurocientista, desde o ensino fundamental, depois de uma aula que assisti sobre sistema nervoso. Fiquei encantada e coloquei isso na cabeça, que queria ser neurocientista, vinha trabalhando meu currículo para ser neurocientista.”

A “corda” da família

Além de inteligência acima da média, Eduarda também teve a sorte de nascer numa família que apoiou seu desenvolvimento, ao invés de “cortar” suas asas para que ela “coubesse na caixa”.

“Eu não vim de família rica, foi tudo na base do esforço. Na época da escola de Jundiaí eu tinha que pegar cinco ônibus por dia pra ir e voltar. Minha mãe e tias me estimularam ao invés de tentar me parar. Minha mãe comprava muito as minhas ideias. Ela virava a noite comigo quando eu dizia que queria fazer um protótipo. Quando eu dizia que queria fazer um experimento clínico para levar para a feirinha de ciências do fundamental, ela e meu primo ficavam me ajudando, pesquisando, porque eu queria fazer algo funcional e eles me apoiavam muito. Quando minha mãe ia trabalhar, eu ficava com meu primo, que hoje é advogado, e com uma prima que é contadora. Eles me ensinavam muito, me deixavam dar aula pra eles, porque a forma que eu aprendo não é você me ensinando, mas eu te ensinando, pra consolidar meu aprendizado. Quando eu voltava da escola queria ensinar pra eles, minha mãe, minha tia…e eles me deixavam livre pra fazer do jeito que eu achava que era certo e da forma que melhor me ajudasse. Isso foi muito importante porque eles se esforçaram muito para seguir o meu fluxo e eu sou bem grata por isso!”, reconhece Duda.

“Quando você tem uma criança que tem um passo à frente, a maioria das famílias tende a querer pará-la, enquadrá-la na caixa. A minha não! Pensaram, caramba, vamos ver até onde ela vai, e foram me dando corda. Minha mãe sempre trabalhou muito, então tinha o primo da minha mãe que era meu vizinho. Eles ficavam revezando para ver quem me ensinava. Ele pegava meus livros de ciências e ficava me perguntando as coisas e eu ensinando pra ele. Nem sei se ele gostava ou não, talvez não [conta rindo], mas ficava fazendo pra ajudar. Também tinha minha outra tia que me ensinou a ler. Aprendi muito nova e antes do café da manhã ela ficava comigo. Então, [todo seu desenvolvimento] foi muito por ter tido estímulo”, avalia.

A Orby

A startup Orby,Co. foi fundada por Eduarda em parceria com os amigos Aldrén Martins (engenheiro biomédico) e Kalynda Gomes (designer). A empresa desenvolveu o Audionics, um aparelho de amplificação sonora que realiza a filtragem de ruídos em ambientes desafiadores para a escuta, o que não é suportado pela maioria dos aparelhos auditivos vendidos no Brasil, o que garante mais autonomia e qualidade de vida aos usuários.

“Já realizamos captações a fundo perdido e estamos em fase de negociação com alguns investidores do Vale do Silício para fecharmos a rodada para começarmos a operar nessa segunda parte do ano por algum tempo sem precisar captar de novo”, revela Duda.

Com a Orby,Co., os potiguares se tornaram os primeiros representantes do Rio Grande do Norte a vencer a Hack Brazil, de Harvard e do MIT. Eles também foram convidados a conhecer o Vale do Silício, onde ficam as maiores universidades e pesquisas do setor de tecnologia.

Por causa de sua atuação no campo científico, Eduarda foi indicada para representar o Brasil no Fórum de investimentos da ONU (Organização das Nações Unidas).

“Sou a indicação do Brasil ao prêmio de empreendedorismo feminino. Se conseguirmos passar pela seleção no Brasil, vamos representar o país no Fórum de investimentos da ONU com uma bigtech puramente nordestina, potiguar. Estaremos competindo com o globo inteiro. São poucos os países que conseguem ranquear para ir para lá. Cada país manda suas indicações e a banca global decide quais serão apresentadas”, revela a jovem.

O evento será realizado em outubro, em Abu Dhabi.

“É muito importante porque a gente coloca esse ‘approach’ da ciência e tecnologia, principalmente a tecnologia hard, que é mais complexa, pro mercado e entrega essa visibilidade. É muito importante o trabalho que a gente vem fazendo não só enquanto proposta de valor que a gente entrega para o paciente, mas também pela bandeira que a gente levanta”, avalia Eduarda.

Atualmente, a jovem está concentrada no desenvolvimento da Orby, mas planeja fazer doutorado na área de computação aplicada para a neurociência.

“Essa é uma parte da neuroengenharia que eu gosto muito e na qual atuo. Quero muito num futuro breve estar fazendo doutorado. Também quero fazer um MBA, mas não agora. A médio prazo, penso em Stanford ou Berkeley, que tem cultura nessa parte de business. Mas também estão no meu radar as universidades de Harvard, MIT, ETH, na Suíça, e tive convite para fazer doutorado na Irlanda, que é muito boa na área de interface cérebro-máquina”, avalia.

Ponto fora da curva

“Tenho 24 anos, sou mulher, sou preta, vim das Quintas, tenho todo esse estereótipo, duas graduações, dois mestrados e um técnico. Venho há anos trabalhando com pesquisa, as pessoas olham e pensam: peraí que tem alguma coisa que não fecha na equação! Eu entendo que não sou a média, mas isso não é um problema. Vira uma responsabilidade levantar a bandeira e ser exemplo para que as outras meninas vejam que é possível ter uma mulher CEO de uma bigtech, o que é bem difícil, fazendo negócio, pesquisa séria, ganhando prêmio internacional, mesmo sendo nordestina, ser indicada para Fórum da ONU, se apresentar no TEDex, que é a maior plataforma de palestras hoje no mundo e está lá minha palestra falando sobre neroengenharia. Ou seja, é uma mulher cientista e, não só isso, empreendedora. Então, entendo que sou um ponto fora da curva e me entendo como alguém que pode ser exemplo para as próximas gerações, para que não se sintam acuadas ao verem uma sala na qual não estão dentro da média, para que não pensem que não podem estar ali porque não fazem parte do mundo delas. Por isso que é importante ter figuras como Taís Araújo aparecendo na Globo, porque mostra para as outras meninas que a figura que elas veem no espelho pode estar na Globo, na passarela, no laboratório ou no comando de um grande exemplo”.

Preconceito

Jovem, mulher, negra e nordestina, apesar da trajetória brilhante, assim como todo mundo, Duda também já passou por constrangimentos e preconceitos.

“Às vezes vamos para um evento e o cara fala ‘nossa, quem é o gênio que traz essa invenção’ e fica procurando um homem, mas quando vê que é uma mulher fica chocado. Ou quando estamos numa sala de negociação com vários homens e eles ficam em choque quando vê uma mulher negociando de forma objetiva, como eles fazem. Ficam confusos”.

Uma das mentes mais brilhantes…

“Eu fiz uma publicação e ele repostou dizendo que eu era uma das mentes mais brilhantes que ele tinha conhecido e que tinha potencial para transformar o planeta. É um dos grandes executivos e ex-diretor de um dos maiores hospitais da América Latina, com um histórico científico gigante. Ele participou de grandes laboratórios de Nova York. Ele dar essa chancela, assim como um pesquisador de Harvard me procurar e dizer que trabalhar comigo, mostra que podemos criar essa cultura de respeito”, estimula a pesquisadora.

No momento, Duda trabalha na rodada de negociação da startup Orby,Co., que ela planeja transformar numa empresa global não apenas criadora de tecnologia, mas de um legado.

“Estou centrada agora no desenvolvimento da startup, em criar um branding [marca], não só uma empresa muito bem estruturada, claro, ir para o Vale do Silício e criar um bom produto, mas que para além disso, que ela entregue uma grande proposta de valor para as pessoas que ela atende, que tenha a missão de transformar a vida por meio da ciência e tecnologia“, crava a pesquisadora, que também já estreou no disputado e prestigiado palco da TEDx Talks, durante palestra realizada em João Pessoa, na Paraíba.

“Eu sou uma inventora, uma desenvolvedora de sistemas e tenho o papel ético na sociedade de criar mecanismos que permitam seu avanço, fazendo da ciência um instrumento de empatia com o próximo”, celebra Duda Franklin, com a maturidade que a ciência exige e a consciência do papel que exerce no mundo.

 

Fonte: Saiba Mais 

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