UFRN – Pesquisa analisa impacto dos dois últimos censos no estudo do trabalho doméstico remunerado

Publicado em 06 de julho de 2023 às 10h26min

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O trabalho doméstico remunerado no Brasil é marcado pela ausência de formalização, por condições precárias e por exploração no serviço. Este contexto afeta majoritariamente mulheres negras e de baixa escolaridade, grupo dominante nesse tipo de ocupação. É o que destaca a pesquisa recém-publicada da demógrafa Luana Myrrha, professora do Departamento de Demografia e Ciências Atuariais da UFRN (DCCA/UFRN) e do Programa de Pós-Graduação em Demografia (PPGDem). O estudo evidencia as possibilidades de fontes de dados como os censos demográficos para entender melhor a realidade de trabalhadoras domésticas e os problemas laborais e sociais que as cercam.

O Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado a cada dez anos, recebeu alterações entre a edição de 2010 e a de 2022. Essas mudanças trazem novos benefícios e desafios para pesquisas na área da demografia. Existe o censo demográfico básico, com 26 perguntas, e o chamado de questionário da amostra (realizado em uma parcela de domicílios selecionados aleatoriamente) com 77 perguntas. A pesquisa da UFRN analisa as principais mudanças relacionadas à trabalhadoras domésticas nesses dois tipos.

No questionário de amostra, duas alterações, pontua Luana Myrrha, foram especialmente negativas para o estudo do trabalho doméstico. A primeira é a retirada dos detalhes sobre rendimentos de outras fontes. Por exemplo, no Censo de 2010, seria possível saber se há uma renda extra da trabalhadora e se seria originada de uma política pública ou de outra fonte. O Censo de 2022 acusa somente a existência da renda extra, sem detalhar de onde vem.

A segunda alteração negativa é a retirada do tempo dedicado ao trabalho, outro problema significativo, já que uma das principais problemáticas no emprego doméstico é a elevada jornada de trabalho. Segundo a demógrafa Luana Myrrha, a retirada dessa pergunta não só impede os estudos sobre esse recorte, como também atrapalha a distinção entre diaristas e mensalistas.

Houve também mudanças positivas. A inclusão do trabalho doméstico remunerado e não remunerado como possibilidade de trabalho principal (antes, a nomenclatura era “emprego com carteira assinada ou não”), a dedicação de uma pergunta sobre atividade remunerada de outra forma que não dinheiro é um ponto positivo, já que trabalhadoras domésticas ainda são remuneradas com frequência por outros meios, como moradia ou alimentação, e a inclusão do meio de transporte até o trabalho.

Esse último ponto é relevante, especialmente, para o entendimento das condições de saúde e integridade das trabalhadoras domésticas, segundo Luana Myrrha, principalmente em um período pós pandemia, em que o uso diário do transporte público é um agravante de situações de doenças com alta transmissibilidade. Além disso, é possível constatar o tempo gasto no trânsito necessário para a locomoção entre a casa e o trabalho.

Já no questionário básico do censo há uma alteração que impacta negativamente os estudos sobre o trabalho doméstico e sobre renda de uma forma geral. Antes, havia a coleta do rendimento de cada morador; no censo de 2022, apenas o chefe de domicílio repassa essa informação.

“Se a trabalhadora não é chefe de domicílio ou se ela mora com o patrão, por exemplo, o censo não pega informação sobre a renda dessa trabalhadora. Isso foi uma perda importante, resumir apenas à renda do chefe de domicílio é um problema sério, porque outras pessoas geralmente contribuem para o orçamento familiar. É uma das mudanças que traz uma dificuldade maior nos estudos sobre renda”, explica a demógrafa Luana Myrrha.

Ainda com alterações que representam desafios no Censo de 2022, essa fonte de dados pode ser considerada especialmente útil para um maior entendimento da realidade de trabalhadoras domésticas remuneradas, principalmente residentes no interior, segundo a pesquisadora. Isso porque, em relação a fontes como a Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) e a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o Censo tem maior cobertura geográfica, chegando, por exemplo, aos municípios dos interiores, e coleta dados de pessoas com 10 anos ou mais de idade, permitindo a investigação de realidades de exploração do trabalho doméstico infantil, por exemplo.

A expressividade do trabalho doméstico remunerado no Brasil reforça a importância de fontes de dados que consigam chegar às mulheres nesse contexto laboral, principalmente devido ao aspecto de informalidade e exploração. A pesquisadora Luana Myrrha reforça que as condições subalternas de emprego e existência das trabalhadoras domésticas precisam estar em evidência não apenas nos estudos, mas na construção de políticas públicas focadas em minimizar e mitigar os problemas que as cercam.

Além de Luana, assinam a pesquisa o demógrafo Wilson Fusco, pesquisador do PPGDem e da Fundação Joaquim Nabuco, Ana Julieta Teodoro Cleaver, doutoranda em sociologia na Universidade de Paris Cité, e Maria de Fátima Lage Guerra, técnica sênior do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

 

Fonte: ANDIFES

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