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Publicado em 05 de fevereiro de 2024 às 10h54min
Quando eu fui diretor de Avaliação da Capes, entre 2004 e 2008, era comum dizermos – e isso continua valendo, penso eu – que o único nível em que a educação brasileira alcançou qualidade internacional é o da pós-graduação stricto sensu, e que isso se devia à avaliação pela Capes.
Há alguns segredos públicos, se posso assim dizer, que explicam isso. Primeiro, a avaliação da Capes traz resultados. Ela fecha cursos que não correspondam ao padrão de qualidade necessário para assegurar uma formação boa a mestrandos e doutorandos. Em contrapartida, na graduação, fechar um curso é uma tarefa de Hércules. Segundo, a avaliação é efetuada pela própria comunidade científica, ou melhor, por pesquisadores destacados desta. O critério de qualidade impera, portanto. Terceiro, com a introdução dos indicadores de impacto social e de solidariedade, acentuou-se a responsabilidade social dos programas (“para que servem eles?”, num sentido útil, mas não utilitário) e o compromisso por parte dos mais qualificados a auxiliarem os menos destacados a subirem de qualidade.
Vamos matizar esses pontos. O fechamento de programas é baixo. Na primeira avaliação do século XXI, se bem lembro, foram fechados 5%; já em 2004 e 2007, quando eu era diretor, cerca de 1 a 1,5%. Ou seja, a avaliação não é punitiva. Adotamos o critério de visitas pedagógicas ou de orientação, no caso de propostas inadequadas de cursos novos ou de acompanhamento de cursos que estivessem tendo problemas, a fim de reduzir os descredenciamentos e ampliar o leque de programas no Brasil.
A avaliação, por sua vez, como já se disse da crase, não visa a humilhar ninguém. Ele é um excelente termômetro das qualidades e dos problemas. O fomento da Capes, e de várias agências, inspira-se nela, mas a decisão de colocar mais dinheiro em cavalo que está ganhando ou em quem está necessitando de mais apoio é eminentemente política (não partidária, porém). É por aí que se justifica a priorização de recursos para as regiões menos desenvolvidas do Brasil.
Por sinal, foi na primeira década do século XXI que conseguimos ter programas de pós-graduação em todos os Estados do Brasil. Fomos, como eu gostava de dizer, muito além de Tordesilhas. Isso porque uma rápida olhada no mapa do País mostra que a maior parte dos cursos com nota alta, ou mesmo com doutorado, se situava na parte “portuguesa” da divisão do mundo efetuada pelo papado em 1494: basicamente, a costa oceânica, com acréscimos para os Estados do Sul e o Distrito Federal. De lá para cá, temos doutorados em toda a parte, e cursos com as notas de excelência mais bem distribuídos pelo Brasil.
Finalmente, perguntar a cada área qual o impacto social que ela pretende ter, e discutir seus critérios internos no Conselho Técnico-Científico (da Educação Superior), abriu muito a transparência do sistema – bem como a responsabilidade social de cada área e de cada programa de pós-graduação.
Se a avaliação é o pilar do sistema Capes, ela representava porém, e continua representando, parte bem pequena de seu orçamento. Ela é altamente econômica, porque a custo muito baixo permite maximizar os resultados. Na época em que fui diretor, o orçamento da Diretoria de Avaliação (DAV) – sem contar os salários, obviamente – era de cerca de um milhão de reais por ano. A título de comparação, quando fui Ministro da Educação, em 2015, o orçamento total da pasta beirava os 140 bilhões de reais. Mas, com esse pequeno orçamento, a DAV faz milagres, sempre que bem conduzida.
Aliás, foi justamente o sucesso da Capes na formação de pesquisadores (muitos deles, professores do ensino superior – alguns, do básico) que levou o então Ministro Fernando Haddad a me telefonar, num sábado de manhã, em 2006, perguntando o que eu pensaria de incluir, nas atribuições da Capes, a formação de professores da educação básica. A ideia lhe vinha do que o então presidente da agência, Jorge Guimarães, chamou o princípio “Pequeno Príncipe”. Com efeito, numa reunião ministerial, Jorge insistiu na necessidade de formar bem os professores das crianças e adolescentes. Daí, em função da famosa frase “Tu te tornas eternamente responsável por aqueles a quem cativas”, do livro de Saint-Exupéry, Haddad incumbiu a Capes de promover essa importante tarefa. Apenas, eu ressalvaria que o projeto de Brasil instituído na colonização, e mantido pelo Império e pela República enquanto oligárquica, é tão consistente, na construção de um País injusto e excludente socialmente, que a luta da “Capes do B” se revela enorme, demorada e, por vezes, ingrata. Mas há que persistir.
Finalmente, o PNPG. Planos Nacionais de Pós-Graduação foram decisivos para a expansão e qualificação do “sistema”. Um deles, elaborado por comissão dirigida pelo prof. Esper A. Cavalheiro, da Unifesp, ora está em discussão. Na semana passada, venceu o prazo de proposição de sugestões a ele. A SBPC enviou um documento neste sentido, o qual você pode ler aqui.
Este Especial da Semana já estava concebido, quando fomos surpreendidos com a demissão da profa. Mercedes Bustamante da presidência da Capes. A ela, tributamos nosso respeito; a sua sucessora, profa. Denise Carvalho, desejamos sucesso. O Brasil tem na Capes uma história de sucesso. Há que celebrá-la, e fazê-la frutificar cada vez mais.
Fonte: SBPC