Demora em avaliação ética atrasa pesquisas no Brasil

Publicado em 06 de maio de 2010 às 10h51min

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Apesar de ter sido criada para ajudar no cumprimento de direitos básicos dos cidadãos brasileiros, a Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) é apontada hoje como um dos entraves às pesquisas envolvendo novos medicamentos e procedimentos de saúde que podem vir a ajudá-los.
O aval do órgão é indispensável para o ingresso do Brasil em estudos com cooperação estrangeira ou que abranjam áreas como genética humana e biossegurança. Mas ele sofre falta de funcionários concursados, inexistência de um sistema on-line para o registro de projetos e inadequação da estrutura ao volume de trabalho.
As falhas são reconhecidas pela coordenadora da comissão, Gysélle Tanous, que defende mudanças para dar agilidade ao órgão. Segundo ela, o processo de aprovação dos projetos dura, em média, quatro meses, em razão de uma série de procedimentos. Até o envio de documentos prolonga a tramitação, pois o material não pode ser encaminhado por e-mail.
A demora começa já dentro dos Ceps (comitês de ética em pesquisa) das próprias instituições, que têm de avaliar os trabalhos antes da Conep. Depois de análise preliminar, um conselheiro deve elaborar um parecer sobre os aspectos éticos da pesquisa apreciada.
A avaliação é então submetida ao crivo dos demais conselheiros -voluntários das áreas médica, jurídica e religiosa, entre outros. As reuniões para votação são mensais. Se houver pendências no projeto, o mesmo é reenviado ao pesquisador para alterações, num processo que pode levar meses.
Cautela redundante
"A regulação é absolutamente indispensável, mas o processo é um exagero de redundância", diz Eduardo Côrtes, coordenador de pesquisa em câncer do Hospital Clementino Fraga Filho, no Rio, que hoje tem nove estudos em trâmite.
Segundo ele, é comum a indústria farmacêutica acionar centros de diversos países para atingir de forma mais rápida o número alvo de pacientes em testes clínicos. Se o processo for muito demorado aqui, pesquisadores e pacientes brasileiros ficam de fora dos trabalhos. Mesmo quando há tempo, o país às vezes participa com apenas 1% ou 2% dos pacientes.
Segundo Volnei Garrafa, especialista em bioética da Universidade de Brasília, a estrutura da Conep não acompanhou a ciência nacional. "O Brasil hoje produz mais trabalhos científicos do que toda a América Latina. A Conep está afogada em meio a esse crescimento." Segundo ele, porém, é preciso agilizar a avaliação de pesquisa sem afrouxar os padrões éticos.
A Conep diz que cerca de 30% dos projetos encaminhados têm de ser revistos porque incluem procedimentos que não são mais aceitáveis. "Seria bem mais fácil se a indústria entendesse isso", diz Tanous.
Coordenadora propõe dividir burocracias
A coordenadora da Conep, Gysélle Tanous, diz que uma proposta de descentralização do órgão será debatida em junho e levada ao Conselho Nacional de Saúde para votação. Órgãos regionais poderiam avaliar projetos como forma de agilizar a liberação das pesquisas.
Segundo Tanous, desde a criação da Conep muitas pesquisas envolvendo humanos já foram dispensadas de trâmite em Brasília e entregues aos comitês de ética das instituições locais. Apenas 10% dos estudos passam pelo processo duplo de análise.
A delegação de mais projetos à avaliação exclusiva dos comitês locais, porém, esbarra na qualidade desse órgãos. "Os CEPs têm de ter posição de defesa do paciente.
Quando eles entendem isso e fazem seu papel, conseguem resolver muitas pendências antes do envio do projeto a Brasília", afirma José Segalla, médico do Hospital Amaral Carvalho, de Jaú (SP), que diz já ter conseguido aprovação de testes em 45 dias. Se a Conep souber quais comitês funcionam bem, poderia autorizar o início da pesquisa antes do plenário, sugere.
O coordenador do núcleo de pesquisa em câncer da UFRJ, Eduardo Côrtes, defende a profissionalização das comissões. Conselheiros que analisam projetos hoje não são remunerados.
Tanous, porém, defende que a análise feita por voluntários dá mais liberdade ao processo. Para ela, o mais importante seria realizar concurso para contratação dos responsáveis pela checagem inicial dos projetos. "Não temos funcionários de carreira. Estou sempre tendo que capacitar uma equipe nova." Um sistema on line ainda em desenvolvimento também deverá acelerar o trâmite, diz a coordenadora.

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