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Publicado em 11 de outubro de 2024 às 15h26min
As Farmácias Vivas foram instituídas pelo Ministério da Saúde por meio da portaria 886/2010. O objetivo desses espaços é realizar etapas de cultivo, coleta, processamento, armazenamento de plantas medicinais, além da preparação e dispensação gratuita de produtos magistrais (preparados a partir da prescrição de um profissional habilitado) e oficinais (feitos a partir de manuais reconhecidos pelo Ministério da Saúde) de plantas e fitoterápicos no Sistema Único de Saúde (SUS). Ela se baseia no uso do conhecimento tradicional sobre ervas e suas propriedades terapêuticas, buscando integrar a medicina convencional com a fitoterapia. Desde 2023, o Laboratório de Farmacognosia, vinculado ao Departamento de Farmácia da (DFARM/UFRN), vem desenvolvendo atividades de extensão e de ensino no Hospital Geral Dr. João Machado (HGJM) no âmbito da fitoterapia.
Um projeto que prevê a construção da primeira unidade no estado foi aprovado, garantindo um aporte de recurso que ultrapassa os R$800 mil para a compra de insumos e equipamentos. A Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sesap) convidou a UFRN para a construção conjunta de uma proposta de implementação de uma Farmácia Viva no RN. A Universidade contribuiu com a expertise técnica na redação do projeto e se coloca como parceira para contribuir com o sucesso da implementação. Dentro das instalações do HGJM existe um espaço físico externo de aproximadamente 5 hectares. Desse total, 600 metros quadrados serão destinados ao cultivo de plantas medicinais, ao viveiro e à produção de mudas. Também existe um espaço no qual serão construídos laboratórios de sólidos, líquidos e semi-sólidos. Lá, as plantas serão manipuladas para a preparação dos medicamentos.
No ano de 2008, foi criada a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), cujo objetivo é garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional desses produtos. Dessa maneira, a PNPMF promove o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional. Essa política é intersetorial e envolve a participação de vários ministérios. Entre as suas diretrizes está a oferta dos produtos elaborados nas Farmácias Vivas.
Raquel Giordani, professora do DFARM, foi a responsável por escrever a parte técnica do projeto. A docente acredita que o impacto da Farmácia Viva será enorme, tanto na vida dos pacientes quanto na vida da comunidade, que poderão usufruir dos serviços oferecidos por ela. “Eu acho que essa linha da Farmácia Viva é também um resgate do saber da profissão do farmacêutico de antigamente. Para os alunos, é um ganho, é uma oportunidade enorme.”, pontua.
Em relação ao seu papel dentro da Farmácia Viva, o farmacêutico trabalha diretamente na coordenação entre os diferentes setores, desde o cultivo até a dispensação do medicamento. Dessa maneira, atua de forma mais próxima ao paciente. O farmacêutico que trabalha diretamente com as fórmulas oficinais e magistrais garante que estas sejam produzidas conforme a Resolução das Boas Práticas Preconizadas (RDC18/2013), que dispõe sobre o processamento e o armazenamento de plantas medicinais. Além disso, a Farmácia Viva pode ter um papel importante na promoção da saúde e na prevenção do agravo de doenças, contribuindo para o uso consciente e seguro de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos.
Essa prática também se relaciona com a educação sobre a importância da preservação da biodiversidade e o uso sustentável dos recursos naturais, como as plantas medicinais. Com isso em mente, é importante destacar o trabalho de dois servidores do HGJM que realizam uma atividade crucial para o desenvolvimento da Farmácia Viva no RN: João Maria Barbosa, técnico agrícola do hospital, e Ozias Alves, coordenador do projeto Nossa Horta, iniciado no ano de 2022. Juntos, eles cuidam da horta do HGJM, utilizando técnicas de cultivo orgânico para que as plantas e hortaliças cresçam da melhor maneira possível. Uma destas é a compostagem. Nesse processo, a matéria orgânica proveniente dos resíduos do setor de nutrição do HGJM, juntamente com folhas coletadas pelo terreno, são transformadas em adubo orgânico que pode ser usado na agricultura, substituindo o uso de produtos químicos.
O composto fica pronto após um período de três meses. As sobras do setor da nutrição são ricas em nitrogênio e as folhas ricas em carbono. “Aqui na compostagem nós fazemos a relação carbono/nitrogênio. Isso resulta no adubo orgânico, nosso material final”, comenta Ozias. Desde 2023, João e Ozias contabilizam o que foi reutilizado: sobras da nutrição (resto de comida) – 8.667 quilos; folhas – 11.465 quilos, permitindo a produção de 17.360 quilos de compostagem, o que resultou em 5.732 quilos do material final (adubo orgânico).
As plantas medicinais cultivadas podem originar um extrato, sendo transformadas em um ativo de um xarope, creme ou de um sabonete antisséptico, por exemplo. Podem, ainda, ser dispensadas diretamente para os pacientes no formato de um chá medicinal que, de acordo com a Anvisa, é a droga vegetal (planta seca obtida com rigoroso controle de qualidade).
As maneiras de produzir o medicamento na Farmácia Viva e na farmácia magistral convencional são bem semelhantes na parte da manipulação, porém, a Farmácia Viva produz seu próprio insumo, que é a matéria-prima vegetal. “Isso traz um ganho de qualidade e de segurança muito grande, pois todo esse cuidado, desde produzir a compostagem, passando pelo zelo com a qualidade da água, o saber lidar com a planta seguindo boas práticas agrícolas, tudo o farmacêutico acompanha. A qualidade do insumo vegetal utilizado na produção dos fitoterápicos manipulados que vão chegar para o paciente é muito especial. É realmente só nesse formato de farmácia que a gente tem isso atualmente”, afirma a professora Raquel Giordani.
A ideia inicial do projeto é trabalhar com cinco espécies de plantas: babosa (Aloe vera); calêndula (Calendula officinalis); erva-baleeira (Lippia alba); erva-cidreira (Cordia verbenaceae); e espinheira-santa (Maytenus ilicifolia). Todas estão presentes no Formulário de Fitoterápicos nacional. O processo — desde o cultivo das plantas medicinais até a manipulação delas, transformando-as em medicamentos — será documentado e seguirá uma legislação sanitária. Ações educativas com a comunidade também estão dentro do escopo da Farmácia Viva. Nesse sentido, haverá o uso do conceito da agroecologia em parte da área de cultivo das plantas medicinais, um trabalho em conjunto com a empresa Chão de Floresta, especializada em implementar agroflorestas.
Após a implementação da ideia inicial, está prevista a criação de uma agrofloresta, misturando espécies medicinais num cultivo em consórcio com hortaliças, frutas e legumes. A professora acredita que, dessa maneira, será criado um ambiente favorável para pesquisas acadêmicas, bem como para terapias complementares aos pacientes do HGJM, a partir do cuidado com a agrofloresta. “Eles vão interagir com as plantas e poderão ajudar nas mudas, cultivando-as”, comenta Raquel.
A farmacêutica da Sesap, Larissa Marina, egressa do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Inovação Tecnológica em Medicamentos (PPgDITM/UFRN), acredita que, com a efetivação da agrofloresta, o atendimento aos pacientes será mais atencioso. “Acho importante destacarmos que será um ambiente cuidadosamente pensado para o acolhimento de pessoas e para a promoção da saúde. Desde a arquitetura do laboratório da Farmácia Viva, que permitirá a visualização das etapas internas de produção, até a área externa, que está sendo construída de forma colaborativa com a comunidade. O espaço será um ambiente de convivência, que permitirá o contato direto com a natureza e a realização de atividades de ensino e terapêuticas”, pontua.
A estimativa é que o projeto fique pronto em 3 anos, porém não será uma tarefa fácil. Implementar tudo o que é exigido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ministério da Saúde exigirá muito trabalho, dedicação e esforço da equipe. “Para que seja possível administrar esse projeto, articulando entre estado e Ministério da Saúde, precisaremos ter um bom gerenciamento de processos, de projetos, de documentos e de pessoas. Estamos aprendendo que uma colaboração importante será com o setor de engenharia de produção. Precisamos desses apoios e de um especialista em cada setor para avançarmos”, afirma Larissa.
Para a população, as Farmácias Vivas permitem o acesso a fitoterápicos de qualidade e de forma gratuita, além da personalização dos medicamentos de acordo com a devida prescrição. As farmácias vivas também contribuem para o reconhecimento e a valorização das plantas medicinais utilizadas no RN. Esses ambientes também ajudam a educar os pacientes sobre o uso seguro e eficaz de plantas medicinais, incentivando um consumo consciente e evitando a automedicação inadequada. Além disso, promovem o uso responsável e sustentável dos recursos naturais, enfatizando a importância da preservação da biodiversidade.
Levando em consideração que, historicamente, o HGJM foi um hospital colônia, seu amplo espaço externo e a nucleação do cultivo orgânico promovida pelo projeto Nossa Horta são fatores particulares e especiais que podem favorecer o sucesso do projeto. A secretária de saúde adjunta, Leidiane Queiroz, foi diretora do HGJM e incentivou as iniciativas desenvolvidas no eixo de sustentabilidade do hospital, apoiando a Farmácia Viva desde a redação do projeto até os trâmites para a efetiva implementação.
Para a UFRN, a implementação da Farmácia Viva vem ao encontro dos mais de 10 anos de pesquisas realizadas na área de plantas medicinais, em especial pelo Laboratório de Farmacognosia. Esse será um importante campo de estágio para formação dos alunos de graduação e pós-graduação, possibilitando o desenvolvimento de projetos de pesquisa e de extensão.
Fonte: Portal da UFRN