Imediatismo ainda é o maior problema do planejamento

Publicado em 13 de setembro de 2010 às 08h19min

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Planejar o crescimento das regiões metropolitanas é uma tarefa monumental que exige dos estados brasileiros um grande esforço de coordenação com os municípios e o governo federal.
Infelizmente, muito graças à cultura política brasileira, essa coordenação tem se mostrado ineficaz para fazer frente à velocidade dos problemas urbanos.
O tema está entre os debates do seminário a realidade do RN e as eleições, programado para 14 e 15 deste mês pela Pró-reitoria de Extensão Universitária da UFRN em parceria com a TV Universitária e a TRIBUNA DO NORTE. O resultado dessas discussões municiará o debate entre os candidatos ao governo do estado marcado para o próximo dia 20 com transmissão pela TVU e TN On line.
Professora do Departamento de Políticas Públicas da UFRN e coordenadora do Observatório das Metrópoles/ núcleo Natal, Maria do Livramento Miranda Clementino, não tem dúvida: é prioritário descentralizar as decisões técnico-políticas.
E acrescenta: “Só fortalecendo os municípios menores aliviaremos as pressões sobre as regiões metropolitanas de Natal e Mossoró”.
O Observatório das Metrópoles conduz várias pesquisas, entre elas, o Mapa Social – o território de desigualdades, com foco justamente nessas regiões metropolitanas.
O interesse maior do estudo, como não poderia deixar de ser, recai sobre Natal, onde está concentrada a maior parte da riqueza e das mazelas, como a pobreza, a criminalidade, a falta de habitação e a violência.
“É preciso, dentro do pacto territorial ou pacto político pela metrópole, que os municípios do entorno de Natal tenham protagonismo também”, afirma a professora.
O mapa de Natal já foi divulgado e o de Mossoró está em fase de conclusão, aguardando apenas o término do Censo 2010 do IBGE para traçar a evolução da situação social de ambas as cidades na última década.
Em 2007, a professora Maria do Livramento participou da formulação do plano de desenvolvimento sustentável para a região metropolitana de Natal.
O documento, entregue à então governadora, em 2008, faz um diagnóstico da realidade metropolitana de Natal até 2020, oferecendo um elenco de projetos maturados para esse período.
“O documento foi entregue, mas até onde sei não teve um desdobramento mais efetivo”, lamenta a professora. Nele está proposto um modelo de gestão para a região metropolitana de Natal e um pacto político, inclusive, com encaminhamento de projeto de lei à Assembléia Legislativa.
O objetivo: atingir uma governança metropolitana em Natal, uma vez que a cidade é considerada um centro em formação – um arranjo metropolitano – com condições de ter um planejamento preventivo que evite os problemas das grandes metrópoles brasileiras.

Bate-papo

Maria do Livramento Miranda Clementino » Professora do Departamento de Políticas Públicas da UFRN

Qual o princípio básico de trabalho do Observatório das Metrópoles?
Nós trabalhamos com a concepção de planejamento técnico-político, ou seja, um planejamento nem só técnico e nem só político. A nossa proposta está inspirada na obra de Carlos Matos, ministro do Planejamento do presidente do Chile, Salvador Allende (1970/73). Nós atualizamos e adaptamos esse modelo à realidade local, adequando suas propostas.
Qual o eixo central desse documento?
Natal – incluindo aí região metropolitana - não é apenas a mais importante do estado com 50% de tudo do que se movimenta em matéria de riqueza– ela concentra também a maioria dos problemas urbanos. Isso remete a outra questão: pensar a desconcentração territorial ou mesmo uma descentralização econômica, social e política.
Como isso seria possível?
É preciso pensar num fortalecimento dos municípios que estão no entorno de Natal, diminuindo o impacto de problemas como a pobreza, a falta de habitação, a violência na capital. É preciso de um pacto territorial ou pacto político pela metrópole que alcance os municípios do entorno de Natal para que eles tenham protagonismo também.
O projeto chegou a influenciar algum programa do governo estadual?
Alguns programas propostos no estudo tiveram alguma continuidade, pois levaram em consideração projetos do governo estadual em curso na época. Mas esse estudo precisa ser melhor explicitado e debatido, principalmente porque, após a sua finalização, houve a escolha de Natal como sub sede da Copa de 2014. Então precisa haver uma aproximação desse plano metropolitano com os investimentos que estão sendo encaminhados pelo projeto Copa. Muitos deles já estão contemplados como, por exemplo, o aeroporto de São Gonçalo e a Zona de processamento de Exportação de Macaíba. Mas há outros projetos que precisam ser balizados e repensados, notadamente os que dizem respeito à mobilidade urbana.
Os programas de governo sempre são postos à população de forma isolada. É correto esse desenho?
Não é correto. Os projetos e programas têm que ser tratados de forma transversal e não isoladamente. Não podem e não devem continuar sendo tratados como políticas setoriais ou como políticas isoladas, o que seria extremamente nefasto. Estamos num momento impar para fazer uma proposta dessas florescer. Temos um campo aberto para a discussão às vésperas do início de um novo governo. E o tema metropolitano deve assumir uma posição de realce nesse contexto. As sinalizações são boas. Já fomos demandados por todos os principais candidatos a governo.
Quais as prioridades no debate em torno do planejamento estadual?
O planejamento estadual exige na realidade brasileira um grande esforço de coordenação, de gestão e, particularmente, de coordenação técnico-política. Isso, porque as atribuições dos governos estaduais e as atribuições dos governos municipais são, ao mesmo tempo, convergentes e muito específicas também. A própria Constituição brasileira diz que há atribuições específicas do município e atribuições compartilhadas com o estado. E a maioria das atribuições compartilhadas exigem um esforço grande de coordenação da esfera estadual, pois ela é a mediadora política em relação ao município e ao governo federal. É preciso evitar ao máximo a sobreposição de questões partidárias, produzindo um tratamento igualitário entre todos nessa coordenação.
Essa é uma questão cultural?
Certamente. Há uma necessidade de mudança na cultura política e uma compreensão dos dirigentes de pensar o planejamento governamental numa perspectiva estratégica e de futuro. Um governante que não tenha um desenho de futuro, nem que seja da finalização do seu próprio mandato, não vai conseguir pautar uma agenda que não seja meramente pontual. Mas se ele tiver uma agenda de governo que saiba como ele quer deixar a administração até o fim de seu mandato, vai se pautar em função desse objetivo futuro.
O grande problema então é o da descontinuidade administrativa?
Sim, descontinuidade e ausência de uma visão do amanhã. O imediatismo traduz uma má visão política. É possível administrar do maior ao menor município com essa visão de futuro. Se o RN tem 25% de analfabetos, como se divulga nos programas eleitorais, o governo estadual tem a obrigação de atacar o máximo dessa questão em quatro anos. Não resolverá o problema, mas vai minorá-lo em quatro anos. E isso já é muito importante.
Tribuna do Norte
 

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