Os caminhos para proteger a biodiversidade brasileira

Publicado em 04 de abril de 2011 às 09h17min

Tag(s): Biodiversidade




O que é ser um cientista, pesquisador da biodiversidade, num país megadiverso, signatário da Convenção da Diversidade Biológica? Em primeiro lugar, é pesquisar a vida silvestre de modo que o trabalho gere resultados que poderão contribuir para o poder público traçar suas estratégias de preservação e conservação.
Por Rute Maria Gonçalves de Andrade* e Helena Bonciani Nader**
Para tanto, os caminhos a trilhar não são poucos, mas o resultado é o prazer de conhecer, entender os processos e contribuir para preservar a vida em todas as suas manifestações, gerando conhecimentos que serão aproveitados para o estabelecimento de uma relação respeitosamente sustentável entre o homem e os demais integrantes da biosfera.
Sendo assim, após definir a pergunta que pretende responder, o pesquisador, ligado a uma instituição de pesquisa ou de ensino e pesquisa, elabora o projeto e submete-o a uma agência de fomento que, por meio de avaliação por pares, aprovará ou não a proposta.
Caso aprovada, se a pesquisa envolver coleta de material zoológico, o primeiro passo será, em cumprimento ao determinado na legislação ambiental vigente (Lei de Proteção à Fauna 5197/1967 e a Lei de Crimes Ambientais 9605/1998), solicitar uma autorização para coleta.
Esta autorização, até 2007, era emitida pelo Ibama, após longa espera, que por vezes durava quase metade ou mais do tempo do projeto (em muitos casos, mais de um ano), gerando muita insatisfação da comunidade científica envolvida e prejuízos á pesquisa nesta área.
A partir de 2007, a autorização continuava a ser emitida pelo Ibama, mas por meio de um sistema informatizado, denominado SISBIO, cuja criação contou com enorme esforço de profissionais do próprio Ibama e de cientistas no âmbito do CAT-SISBIO. Ainda em 2007, com a criação Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o SISBIO passou a ter sua gestão realizada por esta nova autarquia do Ministério do Meio Ambiente.
Cabe reforçar que se a pesquisa for desenvolvida em Unidade de Conservação Federal, o pesquisador necessita de outra autorização, emitida pelo SISBIO, mesmo que a pesquisa não envolva coleta de material biológico.
A coleta de plantas não necessita destes documentos.
Com a publicação da Medida Provisória 2186-16 em 23 de Agosto de 2001[1], as pesquisas que envolvem acesso ao patrimônio genético, ou seja, utilização de partes de organismo animal, vegetal, fúngico ou microbiano, secreções, veneno, órgãos, pele, células, ou material genético, só podem ser realizadas depois que o pesquisador tiver uma autorização para acesso ao patrimônio genético. Este documento era, inicialmente, emitido somente pelo CGEN. Em 2003, para tornar o processo mais ágil, o Ibama foi credenciado pelo CGEN, para expedir tais autorizações quando a finalidade da pesquisa era somente científica. Em 2010, o CGEN credenciou também o CNPq para este mesmo fim.
Ressalta-se que, se o acesso ocorrer em plantas haverá a necessidade dessa autorização.
Em busca de aprimorar o sistema e torná-lo e atraente ao usuário, em 2003, o CGEN editou sua primeira orientação técnica, a OT1, com o objetivo de esclarecer a definição de acesso ao patrimônio genético contida na Medida Provisória 2186-16/2001, atribuindo-lhe a seguinte interpretação: "Atividade realizada sobre o patrimônio genético, com o objetivo de isolar, identificar ou utilizar informação de origem genética, na forma de moléculas e substâncias provenientes do metabolismo dos seres vivos e de extratos obtidos destes organismos. O acesso se dá a partir de material biológico coletado em condição in situ ou mantido em coleção ex situ, desde que coletado em condição in situ no território nacional, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva". Tal interpretação diferencia, portanto, o acesso ao patrimônio genético da coleta de material biológico, conceito pouco claro nas definições da MP. Esta distinção assegurou a necessidade apenas de autorização de coleta para as pesquisas que envolvem exclusivamente este método de estudo, por meio de procedimento consideravelmente mais simples do que o necessário para a obtenção de autorização de acesso. Atualmente, muitos pesquisadores que trabalham com esta área do conhecimento possuem suas autorizações permanentes para coleta.
Em 2006, graças à edição da resolução nº 21 do CGEN, foram dispensadas de autorização de acesso ao patrimônio genético, as pesquisas que envolvem o acesso para "avaliar ou elucidar a história evolutiva de uma espécie ou grupo taxonômico, as relações dos seres vivos entre si ou com o meio ambiente, ou a diversidade genética de populações, testes de filiação, técnicas de sexagem e análises de cariótipo ou de ADN que visem à identificação de uma espécie, pesquisas epidemiológicas ou que visem a identificação de agentes etiológicos de doenças, assim como a medição da concentração de substâncias conhecidas cujas quantidades, no organismo, indiquem doença ou estado fisiológico; pesquisas que visem a formação de coleções de ADN, tecidos, germoplasma, sangue ou soro. Tais pesquisas passaram a necessitar apenas da autorização de coleta de material biológico. O ganho para pesquisa científica nacional, nesta área, foi também bastante significativo.
Se a pesquisa contiver, em seus objetivos, a identificação de moléculas, ou bioprospecção, quer seja com finalidade apenas de pesquisa científica, quer seja com objetivo de gerar produtos que possam resultar na obtenção de benefício econômico, o pesquisador necessita de autorização do CGEN. No entanto, em 2008, também com a participação da comunidade científica, este órgão editou a Orientação Técnica Nº 6 passando então a "considerar identificado o "potencial de uso comercial de determinado componente do patrimônio genético no momento em que a atividade exploratória confirme a viabilidade de produção industrial ou comercial de um produto ou processo a partir de um atributo funcional desse componente". Esta OT trouxe também rapidez ao sistema, pois, com base nela, os projetos que antes necessitavam de autorização do CGEN, passaram a ser autorizados, por meio de processo mais expedito, pelo Ibama, e agora também pelo CNPq.
Segundo o acima exposto, podemos, por um lado, ter uma visão panorâmica das barreiras que a MP trouxe à pesquisa científica em Biodiversidade no Brasil, mas, por outro lado, vislumbramos que após inúmeros embates entre comunidade científica e órgãos federais envolvidos no tema, a edição das normas infralegais trouxe agilidade ao sistema e, longe ainda de ser o ideal, embora não suficientes, são importantes para amenizar o caminho, enquanto aguardamos a Lei que substituirá a Medida Provisória.
É necessário sublinhar, portanto, que qualquer movimento no sentido de considerar ilegais estas normas, tentando até mesmo revogá-las, seja lá por qual interesse for, garantidamente, não está refletindo o interesse da comunidade científica que, desejosa de contribuir com a defesa do patrimônio genético nacional, quer pesquisar com liberdade e responsabilidade, ciente de que deve continuar trabalhando, arduamente, para a construção de uma Lei que regulamente o acesso a biodiversidade nacional. Para isso temos que avançar no aprimoramento do sistema, e, não aceitar, de forma alguma, qualquer retrocesso.
[1] A Medida Provisória 2186-16 regulamenta o artigo 225 da Constituição Federal e dispositivos da Convenção sobre Diversidade Biológica, tratando dos seguintes temas: acesso ao patrimônio genético existente no território nacional, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva para fins de pesquisa científica; desenvolvimento tecnológico ou bioprospecção; acesso e proteção ao conhecimento tradicional associado; repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração do patrimônio genético; e acesso e transferência de tecnologia para a conservação e a utilização da diversidade biológica.
* Rute Maria Gonçalves de Andrade é pesquisadora do Instituto Butantan/SBPC
** Helena Bonciani Nader, professora da Unifesp, é presidente da SBPC
Fonte: Jornal da Ciência
 

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