Universidades de SP ampliam espaço para rede pública

Publicado em 13 de junho de 2011 às 09h05min

Tag(s): Universidades Públicas



Das pouco mais de cem escolas de ensino médio da rede estadual em Campinas, mais da metade nunca colocou um único aluno na Unicamp. Na Universidade de São Paulo (USP), apenas 8% dos 128 mil inscritos no último vestibular vieram de escola pública.
O sistema público de ensino médio em todo o País forma 85% dos jovens que sonham com uma vaga no ensino superior, mas eles são, historicamente, minoria nas universidades estatais - as mais reconhecidas em termos de excelência acadêmica. Na Unicamp, dos 3,4 mil aprovados no vestibular do ano passado, 34% vieram de escolas estaduais. Os candidatos do ensino médio público que entraram na USP representam 25% dos chamados na primeira lista da Fuvest.
Para tentar reverter esse quadro, as duas instituições estão ampliando seus programas de inclusão social focados no estudante de escola pública. Diferentemente das ações afirmativas de grande parte das universidades federais, que adotam reserva de vagas baseada em raça, classe social ou origem escolar, o alvo das instituições paulistas é o mérito acadêmico. "O ensino básico vai tão mal que o jovem da escola pública sequer procura a universidade pública, acha que não tem chances. Provavelmente estamos perdendo esse aluno. Nossa ideia é incluir os talentos da rede pública", afirma o pró-reitor de graduação da Unicamp, Marcelo Knobel.
Nos últimos dez anos, a média de alunos de escola pública que passam na Fuvest está estacionada em 25% do total de aprovados. Recentemente a USP reformulou seu Programa de Inclusão Social (Inclusp) para aumentar esse percentual. O sistema de bonificação no vestibular da instituição para candidatos oriundos do ensino médio público vem crescendo: saiu de 3%, na prova de 2007, e poderá chegar a 15% este ano. A pró-reitora de graduação da USP, Telma Maria Zorn, conta que os universitários beneficiados têm bom desempenho na graduação. "Nosso acompanhamento mostra que os alunos do Inclusp têm conseguido manter desempenho similar e até superior ao dos demais."
A pesquisadora do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp (Nepp) Cibele Yahn destaca que não há critérios concretos para explicar o melhor rendimento dos universitários que são alvo de ações afirmativas. "Imaginamos que o jovem encontra ali sua grande oportunidade, ele não chegou ali por acaso, por isso ele dedica grande comprometimento e esforço, muitas vezes maiores que o de alunos regulares."
Paralelamente ao vestibular, a Unicamp, que também conta com um sistema de bônus igual ao da USP, abriu no início deste ano um curso de formação geral para os melhores alunos das escolas públicas de Campinas, conforme classificação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Trata-se de um formato inédito no país de acesso ao ensino superior público e gratuito, ainda em fase-piloto.
Os 120 alunos do Programa de Formação Interdisciplinar Superior (Profis) são hoje alunos efetivos da Unicamp sem ter passado pelo funil do vestibular. Ao final do programa, de dois anos, eles têm vaga garantida na graduação. Todas as faculdades da Unicamp abriram vagas, que serão preenchidas com base no mérito - o estudante com as melhores notas escolhe primeiro.
Knobel faz questão de esclarecer que o Profis não tem a função de complementar o ensino médio, embora algumas disciplinas precisem ser revistas por causa da precária formação na educação básica. Segundo ele, as principais universidades do mundo estão questionando a preparação profissional excessivamente específica e a noção de aplicação do conhecimento. "O objetivo da educação geral é preparar o graduando para lidar com complexidades e mudanças da realidade."
Um exemplo recente é a reforma curricular do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que tornou obrigatórias disciplinas básicas de todas as áreas para todos os alunos. Nesse contexto, o vestibular brasileiro é engessado, pondera Knobel. "O aluno sofre não só para passar, mas escolhe a opção de carreira muito cedo. A consequência é que a maioria dos profissionais trabalha em área diferente daquela de sua formação."
As disciplinas do Profis, ministradas em tempo integral, são divididas em blocos de linguagens, ciências humanas e artes, matemática, ciências exatas e tecnologia e ciências biológicas e saúde e iniciação científica. Metade dos créditos compostos é composta por atividades práticas. Os próprios professores da Unicamp lecionam matérias como leitura e produção de texto, introdução à economia, ética e bioética, tecnologia da informação, inglês, atividade física e qualidade de vida, engenharia do ambiente, cidadania, entre outras.
"Nosso desejo é que todos os estudantes da Unicamp tenham uma formação geral e não uma graduação muito fechada. O sujeito entra em medicina e fica cinco anos só vendo assuntos específicos, não tem acesso a temas variados, que poderiam contribuir positivamente para sua formação", diz Francisco Gomes, professor da Faculdade de Matemática e coordenador do Profis.
Durante a fase-piloto, cada passo dos alunos do Profis é acompanhado. A intenção é avaliar o impacto social e a viabilidade de ampliação do programa. Cerca de 40% dos beneficiados se declararam pretos ou pardos, enquanto a média dos alunos da Unicamp é de 14%; a renda familiar média per capita deles é de R$ 492 ante R$ 1,8 mil da população de 18 a 24 anos com acesso ao ensino superior. "Eles precisam de contrapartidas para passar o dia todo estudando, então a solução foi criar uma bolsa e ajudas na alimentação e no transporte", acrescenta Gomes.
Sem o Profis ou sem a bolsa, dificilmente Alessandro Vicente, de 20 anos, poderia se dedicar integralmente aos estudos em universidade pública. Dos R$ 636 que recebe por mês, uma parte é usada para pagar as prestações de um notebook e comprar livros e materiais, e a outra serviu para ajudar a mãe, faxineira aposentada, com as contas de casa.
Ele já sabe que quer cursar filosofia ao fim do Profis e não esconde o orgulho. "Dos meus quatro irmãos, sou o único ter esse crachá da Unicamp, minha vida mudou de granito para diamante. É impressionante a estrutura do lugar, difícil de imaginar para quem vem de uma escola de periferia. A gente é muito exigido nos estudos e tem uma liberdade enorme, a Unicamp é de outro planeta", vibra Alessandro.
Mesmo matriculada no Profis, Jaqueline Rosseto, de 17 anos, vai tentar o vestibular para engenharia civil. "O aluno da escola pública tem condições de entrar na Unicamp, mas a maioria está desiludida, porque está mais preocupada em trabalhar ou porque os professores no colégio não se interessam. No ano passado, fizemos uma pesquisa na minha sala e, de 40 alunos, só eu e mais quatro iríamos prestar Unicamp. A mentalidade é que é só para aluno de escola particular", opina Jaqueline.

(Valor Econômico)

Jornal da Ciência

ADURN Sindicato
84 3211 9236 [email protected]