Vítimas da ditadura criticam cancelamento de discurso durante sanção da Lei que cria a Comissão da V

Publicado em 22 de novembro de 2011 às 10h47min

Tag(s): Comissão da Verdade



A negativa a que Vera Paiva, filha do ex-deputado Rubens Paiva, morto pela ditadura, pudesse discursar durante o ato de sanção da lei que cria a Comissão da Verdade aumentou a irritação de vítimas e de familiares de vítimas de desaparecidos com o governo de Dilma Rousseff.
Os desentendimentos cercando o colegiado tiveram início na fase de tramitação no Congresso, e aumentou na última sexta-feira (18), durante a cerimônia no Palácio do Planalto na qual Vera deveria discursar em nome das vítimas do regime. A versão transmitida à filha de Rubens, desaparecido desde 1971, foi de que os discursos haviam se prolongado e, como a presidenta precisava viajar logo em seguida, a fala dela seria cortada da programação.
Alguns jornais, porém, atribuíram o cancelamento à leitura, polêmica dentro do governo, de que a fala de um familiar de vítima sem o contrapeso de um representante das Forças Armadas poderia provocar mal estar e dar uma sinalização negativa aos bastidores da caserna. Essa avaliação é atribuída a José Genoino, ex-integrante de grupos de resistência à repressão, ex-deputado federal do PT e hoje assessor do Ministério da Defesa.
"Quando se submete à vontade dos generais... Impedir um familiar de falar, para mim, é demais, é chocante", lamenta Criméia Almeida, integrante da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos. Para ela, não há explicação "a não ser covardia". “Não tenho expectativas. Se continua nesse modo de trabalho não tenho expectativa de que a Comissão da Verdade vá esclarecer alguma coisa”, avalia.
Agravante
No começo de junho, ex-presos políticos e familiares de vítimas apresentaram pedido de audiência a Dilma Rousseff para debater o projeto em tramitação no Congresso, com o qual não estavam de acordo. Foram surpreendidos com a notícia de que seriam recebidos já no dia seguinte no Palácio do Planalto, mas, horas depois, receberam nova ligação informando que a audiência estava cancelada e que seria preciso procurar uma nova data. O projeto foi debatido e aprovado primeiro na Câmara e depois no Senado e ainda enviado ao Planalto para ser sancionado. E o grupo, que inclui companheiros de luta da presidenta durante a ditadura, ainda aguarda por uma conversa.
Susana Lisboa, também integrante da Comissão dos Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, lamenta que o grupo não tenha sido ouvido durante o debate, e demonstra pouca esperança quanto aos resultados da Comissão da Verdade. Em entrevista recente à Agência Carta Maior, ela evitou tecer comentários sobre a postura da presidenta. “Eu disse que tinha para mim que eu não faria nenhuma cobrança pública sobre esse assunto da presidenta Dilma Rousseff, porque eu conheço ela, eu sei o que ela pensa sobre esse assunto, e eu sempre disse que eu não sabia o que ela poderia fazer sobre esse assunto. Mas eu sei o que ela pensa, eu sei qual é a opinião dela.”
Naquele mesmo mês de junho foi realizado na Câmara um debate sobre o projeto de lei que criaria o colegiado. Os familiares gostariam de alertar ao governo a respeito da redação do texto, que, na visão deles, não proibia a participação de militares na futura investigação. Convidados, os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, e o então titular da Defesa, Nelson Jobim, não compareceram nem enviaram representante. À ocasião, informaram à presidenta da Comissão de Direitos Humanos e Minoria, deputada Manuela d'Ávila (PCdoB-RS), que se reuniriam “em outro momento” com o grupo. A deputada Luiza Erundina (PSB-SP) rebateu com um alerta: “Esse momento pode ser tarde demais, porque há quem queira aprovar o projeto com urgência”.
Críticas
Os familiares gostariam de haver manifestado a Dilma, ou a seus ministros, que consideravam dois anos um prazo muito pequeno para apurar as violações cometidas pelos agentes a serviço da repressão. Além disso, opõem-se ao período extendido de investigação, de 1946 a 1988, uma concessão feita pelo Planalto para diminuir as resistências de militares ao colegiado, que será composto por sete indicados pelo Executivo, número considerado muito baixo pelas organizações que lutam pelo resgate do passado.
Após a aprovação do projeto no Senado, os grupos que lutam pelo respeito aos direitos humanos se dividiram entre os que acreditavam que era preciso, apesar dos problemas, tentar garantir um bom funcionamento da Comissão da Verdade, em especial por meio da nomeação de integrantes realmente afins à questão, e os que avaliavam que qualquer atuação neste sentido seria a legitimação de um trabalho com o qual não concordam.
A cerimônia de sanção da lei, que poderia ajudar a desanuviar o ambiente e a dirimir desconfianças, parece ter surtido efeito contrário. Vera Paiva, se tivesse discursado na sexta, teria feito citações à transição lenta e incompleta do Brasil rumo à democracia, país no qual persistem problemas de torturas e de desaparecimento de pessoas. Após o veto no Planalto, ela divulgou na internet  a íntegra de sua fala, na qual agradecia “o privilégio de poder falar” e citava ainda que a Comissão da Verdade brasileira vinha muito depois das análogas no Chile e na Argentina, que viveram ditaduras em épocas próximas. “O respeito aos direitos humanos, o respeito democrático à diferença de opiniões assim como a construção da paz se constrói todo dia e a cada geração! Todos, civis e militares, devemos compromissos com sua sustentação”, pontuava.
Fonte: Rede Brasil
 

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