Quiseram me derrubar pelo fato de eu ser gay, afirma ex-reitor da Federal de Rondônia

Publicado em 25 de novembro de 2011 às 10h25min

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José Januário de Oliveira Amaral não resistiu à pressão: após ser eleito e reeleito reitor da Unir (Universidade Federal de Rondônia), decidiu renunciar ao cargo na última quarta-feira (23). A ele, creditam a maioria dos problemas pelos quais passa a universidade: obras paradas, laboratórios prestes a explodir, salas abandonadas e verbas que desapareceram.
Em entrevista exclusiva ao UOL Educação, ele nega as acusações e vai mais longe. Afirma que “não tem dúvida” de que o movimento para derrubá-lo no cargo começou pelo fato de ser gay assumido. “A greve [dos professores e estudantes] sempre foi política, nunca foi por melhoria de condições da universidade”, diz.
A conversa aconteceu na manhã de quinta-feira (24) em Porto Velho, no escritório do advogado de Amaral, Diego Vasconcelos, e na presença de três assessores. Em pelo menos dois momentos, a entrevista foi interrompida pelo defensor, que quis “pontuar” determinados aspectos da fala do ex-reitor.
UOL EDUCAÇÃO: Professor, a reportagem viu no campus de Porto Velho da Unir diversos problemas, como o almoxarifado do laboratório de química que pode explodir caso entre em contato com água. Além disso, há também o mato alto. Como e por que a situação chegou a esse ponto? O que foi feito até agora para resolver esses problemas e porque eles continuam assim?
José Januário de Oliveira Amaral: A nossa universidade tem problemas cruciais desde a sua criação. Só para você ter uma ideia, no campus de Porto Velho, não existe rede de esgoto. Nós também não temos um sistema de tratamento de produtos químicos. Simplesmente nós não temos onde colocar aqui em Porto Velho. Nós não podemos jogar no riacho que passa lá atrás do campus.
Desde 2009, nós estamos trabalhando um projeto de fazer um sistema de esgotamento no campus, tanto de eflúvio de dejetos quanto de produtos químicos. Mandamos para o Ministério da Educação e foi aprovado. Ainda não conseguimos concluir a solicitação.
A universidade nunca teve um contrato de limpeza externa do campus, e isso porque é incompetência minha? Em absoluto. Nós nunca tivemos o custeio para fazer uma licitação e contratar uma empresa de limpeza e jardinagem pro campus. Como é que nós limpamos? Nós pedimos para a Prefeitura de Porto Velho, que manda lá dois garis para limpar um período, ou a base aérea que manda os soldados. E a gente depende deles. É por isso que você viu mato alto. Até porque, com esse processo todo de greve, a universidade ficou num estado complicado de gerenciamento ainda mais. Então veja bem, essa é razão do mato: falta de custeio para manter a nossa estrutura.
UOL: Além disso, há obras paradas...
Januário Amaral: O edifício de psicologia é um recurso do Finep [Financiadora de Estudos e Projetos]. Então, essa obra está parada por quê? Até prestar contas para o Finep, o Finep mandar novamente o recurso para que a gente possa fazer a licitação... isso está emperrado na burocracia.
A obra da educação física, por incrível que pareça, nesse período de greve, foi uma das duas obras que conseguimos licitar, porque os processos estavam dentro da Unir centro [reitoria invadida] Só esse foi possível fazer [essa] licitação do prédio e a de um prédio lá em Rolim de Moura [cidade com campus da Unir]. Então, ano passado, foi licitado 50% dele. Os 50% foram 100% concluídos. Agora, vão começar os outros 50%, então, não está abandonada. Foi feito 100% daquilo que estava contratado. Agora vai ser feita uma nova licitação para concluir.
Tem um prédio que realmente está abandonado, no campus, que você não citou: é o prédio do mestrado de ciências da educação, porque a empresa não está conseguindo, não tem mais capacidade de gerenciamento da obra. Essa obra já tinha até encaminhado pra fazer um distrato do contrato e fazer uma nova licitação para concluir, que também tem recurso do Finep e a metodologia é mais ou menos aquela que eu já expliquei da psicologia.
UOL: E a cabana da biologia, condenada pelo Corpo de Bombeiros?
Januário Amaral: O prédio de madeira, da professora Carolina Dória, de ictiofauna, esse merece uma explicação mais detalhada. Primeiro: na matéria que saiu no “Fantástico” [programa da TV Globo], a professora me acusa, segundo ela, de que tinha recebido um recurso de não sei quanto, mas ela disse que acha que o que foi desviado foi em torno de R$ 800 mil, R$ 1 milhão, e dá a entender que eu sou o responsável por isso. Aquele laboratório nem existe do ponto de vista predial da universidade, ele não faz parte do patrimônio da universidade porque Furnas doou aquele laboratório ali, provisoriamente, e ele não foi incorporado ao nosso patrimônio. Se ele não foi incorporado ao nosso patrimônio, ele não faz parte do metro quadrado que nós temos dentro da universidade. Portanto, não tem como ser atendido na nossa demanda.
Neste ano de 2011, está sendo construído um prédio, no valor de R$ 2,8 milhões: é o laboratório dela, que vai ser construído agora, o de ictofauna. Já está sendo construído o laboratório. Mas, isso, ela não falou no “Fantástico”. Ela falou que aquele laboratório está aos pedaços, e é mesmo. E é responsabilidade dela, porque eu não ia colocar álcool ali dentro daquele espaço, se não pode ser colocado.
UOL: Mas onde ela poderia colocar, então?
Januário Amaral: Nunca ela [a docente responsável] chegou lá na reitoria e disse assim: ‘reitor, nós estamos desenvolvendo essa pesquisa, nós não temos um espaço físico aqui, é possível a gente fazer parceria com alguma instituição do Estado? Porque, isso, a gente pode fazer, conseguir com a prefeitura um prédio provisório para que a gente coloque a nossa pesquisa. Isso não foi feito.
UOL: Na medicina, há salas abandonadas e corpos presos em formol vencido...
Januário Amaral: Você acha que o reitor tem que ir lá ao laboratório de anatomia pra ver se o formol está vencido, se o departamento de medicina nunca solicitou a compra de formol? Ou mandou para a pró-reitoria de graduação: “Olha, com tantos meses está vencendo o formol, o formol precisa ser trocado, precisamos de outras peças”. Isso nunca foi feito!
Agora vão ser devolvidos R$ 2 milhões que chegaram para comprar equipamentos da medicina e eles simplesmente não foram fazer outro processo de compra porque estão em greve. Nos próximos 10 dias isso aí será devolvido, porque eles não vão estar com um único processo de compra. E agora, eu não posso comprar porque eu não sei que equipamento vai ser. É preciso que o departamento de medicina sente e faça um projetinho do que vai ser comprado e mande para a pró-reitoria comprar.
UOL: Os problemas da universidade, então, não são de responsabilidade da reitoria?
Januário Amaral: Não. Existe um sistema de corresponsabilidade, tanto da reitoria, quanto dos departamentos. É um conjunto de decisões que têm que ser tomadas e um conjunto de ações que têm que ser feitas da administração superior e das unidades acadêmicas. Eu não estou dirimindo a minha responsabilidade.
UOL: O senhor acredita que esse movimento, que resultou na renúncia do senhor, possa ter começado pelo fato de o senhor ser homossexual?
Januário Amaral: Olha, eu não tenho dúvida disso. Eu quero dizer que eu sou uma pessoa caseira, tenho um relacionamento estável e minha vida é absolutamente normal e familiar e eu não tenho dúvida que isso tem a ver com essa prática, com atitudes homofóbicas de algumas pessoas que não aceitam a diferença no seu meio, no seu cotidiano. Não tenho a menor dúvida. Tem também isso. Isso junta tudo.
UOL: Ainda sobre as condições políticas, o senhor acredita que o movimento tenha motivações políticas?
Januário Amaral: A greve sempre foi política, nunca foi por melhoria de condições da universidade. Esse é um grupo político, que se organizou. A diretoria regional do PSOL é toda do comando de greve, o MEPR [Movimento Estudantil Popular Revolucionário, de extrema esquerda], o POR [Partido Operário Revolucionário], que migrou lá da Bolívia para Rolim de Moura, o PSTU. É um pessoal bem organizado e que tinha em mente a nossa saída da reitoria.
UOL: Estudantes e professores dizem que receberam ameaças de morte de gente do grupo político do senhor. O senhor tem conhecimento delas?
Januário Amaral: Isso é uma estupidez sem tamanho. Quem sofreu ameaça foi a gente. Inclusive, eu solicitei a abertura de inquérito na polícia federal para que se apurassem essas denúncias. Na minha casa, foi um grupo de estudantes, 3h30 da manhã, que tentou invadir minha casa. Isso está gravado, entreguei para a polícia. Nós tivemos a casa de um pró-reitor que foi atacada. Carros de nossos professores são atacados também.
UOL: Existe uma lista de professores ameaçados? O senhor sabe a origem dela?
Januário Amaral: Isso eles [professores] colocaram numa rede de e-mail, eu imprimi e mandei para a Polícia Federal fazer investigação. Não tem como saber [a origem], pois eu recebi a própria lista do comando de greve.
UOL: O Ministério Público acusa o senhor de envolvimento e participação em um suposto esquema de desvio de dinheiro da Fundação Riomar, que financiava atividades da Unir. O senhor sabia desse esquema, descoberto na ‘Operação Magnífico’?
Januário Amaral: Nós não temos conhecimento do conteúdo dessas denúncias do Ministério Público. Até porque nós já solicitamos cópias desses inquéritos, e ainda não foi dada a oportunidade de a gente saber com que argumento eles colocam que eu faria parte disso. Nós temos quase 11 mil alunos na universidade. Com todos os problemas que nós temos na universidade, eu teria tempo de administrar a Riomar? É uma falácia.
UOL: O senhor acumulou os cargos de vice-reitor e diretor da Riomar, não?
Januário Amaral: Eu fui diretor da fundação Riomar no ano de 2000 a junho de 2004. As minhas contas todas foram aprovadas, a fundação cumpriu um papel social importantíssimo. O prédio do laboratório de anatomia foi construído com a captação de recursos que eu fiz na fundação Riomar sem nem um centavo de ninguém, sem nem um centavo do MEC.
UOL: O senhor teve conhecimento de algum eventual caso dentro da Unir de mau uso de dinheiro originário da Riomar?
Januário Amaral: Não.
UOL: Os estudantes dizem que o senhor mantém relações políticas com a família Raupp. O senhor conhece o senador Valdir Raupp?
Januário Amaral: Assim como eu sou batizado na igreja católica, eu sou filiado ao PMDB. Agora, em que dias eu vou à igreja católica... Se você me perguntar onde é a sede do PMDB, eu não saberia te dizer. Nós temos atuado na universidade, até por que o nosso orçamento anual não dá suporte para a capacidade que nós precisamos, então, para você ter uma ideia: ano passado nós recebemos R$ 9 milhões de emendas parlamentares. Emenda de bancada. Foi a bancada de Rondônia que ajudou a Unir. É dessa forma que nosso relacionamento é puramente institucional, com todos, sem privilégio.
UOL: Agora, após a renúncia, o que o senhor pretende fazer?
Januário Amaral: Quanto a mim, vou entrar em um período de férias. Tenho 90 dias de férias que tenho que tirar. Vou cuidar da minha defesa, vou me dedicar a isso e à minha família neste período, à minha saúde e volto sim, de cabeça erguida, porque não devo nada, para dar aula no meu laboratório, na universidade, no ano que vem.
UOL: O senhor teme a reação dos alunos na sua volta?
Januário Amaral: Eu não tenho nenhum receio em relação a isso. Até porque, os alunos para quem eu vou ministrar aula são os do meu departamento, o de geografia, e do mestrado. Minha consciência está tranquila. Vou lutar pela minha honra, pela minha defesa e vou demonstrar que não devo nada. E vou continuar trabalhando pela Unir.
Pra mim, a Unir é melhor universidade do mundo, porque foi onde eu estudei. A gente não é uma USP, mas podemos ser melhor. A USP não tem a Amazônia para ser estudada.

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