SDH quer ampliar comissão de mortos e desaparecidos políticos

Publicado em 31 de janeiro de 2012 às 12h25min

Tag(s): Direitos Humanos



A ministra da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Maria do Rosário, anunciou na sexta-feira (27), durante o Fórum Social Temático 2012, que sua pasta vai sugerir a ampliação dos prazos e do escopo de trabalho da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos para que nela sejam incluídos centenas de casos de líderes camponeses mortos ou torturados pela ditadura militar.
Essa medida pode significar na prática também uma ampliação do leque de investigações da Comissão da Verdade, constituída pela presidente Dilma Rousseff para apurar novos fatos sobre crimes cometidos naquele período.
O anúncio foi feito em um clima de muita emoção, provocada pelos depoimentos de familiares de lideranças camponesas perseguidas, durante o lançamento do Livro "História da Repressão Política no Campo - Brasil 1962/1985 - Camponeses Torturados, Mortos e Desaparecidos", escrito por Marta Cioccari e Ana Carneiro.
"A noção de direito perpassa as nossas responsabilidades em todos os poderes. Temos que pensar a estratégia, talvez, inclusive de abertura de novos prazos até mesmo na Comissão da Verdade, pois muitas questões aparecerão, e para a Comissão de Mortos e Desaparecidos especialmente", disse a ministra, à luz dos casos trazidos pelo livro.
Maria do Rosário também pediu uma "atitude de responsabilidade do Judiciário em levar adiante, em não paralisar [os processos], já que muitas das mortes no campo permanecem impunes, não apenas aquelas do período da ditadura militar, mas também as atuais, na luta pela terra", disse.
Responsável pelo Projeto de Direito à Memória e à Verdade na SDH, Gilney Viana apresentou os dados que embasam a decisão da secretaria: "A partir das informações trazidas pelo livro, eu fiz um levantamento - excluindo padres e advogados, para me concentrar apenas nos camponeses - para ver quantos tiveram acesso à anistia ou à reparação moral e material e quantos dos mortos tiveram acesso à Comissão de Mortos e Desaparecidos e assim tiveram reconhecidos pelo Estado os seus assassinatos ou desaparecimentos. Dos 494 camponeses referidos no livro, apenas 91 requereram a anistia, o equivalente a 18,4%. A grande maioria ou não sabe ou acha que não tem direito. De uma forma ou de outra, não têm acesso".
Daqueles que demandaram algum tipo de reconhecimento e reparação, segundo Gilney, 50 foram deferidos e 41 estão em situação de não-deferidos pela existência de homônimos: "Dos 429 mortos e desaparecidos citados no livro, apenas 30 foram à Comissão de Mortos e Desaparecidos, o equivalente a 7%. Desses 30, apenas 17 foram deferidos", disse.
O assessor especial da SDH também fez uma observação sobre os responsáveis pelas mortes dos camponeses: "Segundo o livro, agentes públicos foram responsáveis pelas mortes ou desaparecimentos de 17,7% dos camponeses referidos e os agentes privados são responsáveis por 82,3%. Agora, o que é agente privado? É pistoleiro, jagunço, fazendeiro, grileiro, etc. A maioria deles sequer foi punida".
Presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, Marco Antônio Rodrigues, afirmou que fatos novos podem reabrir as investigações: "A Lei 9.140, que trata das pessoas mortas e desaparecidas, tem um caráter muito restritivo. Ela usa como parâmetro de causa e efeito a associação política e a perseguição pelo Estado, mas não a luta pela terra. Seria importante a ampliação do prazo da lei para uma nova revisão e, mais do que isso, é preciso ampliar o conceito de repressão", disse.
Durante o ato de lançamento do livro, que contou também com as presenças do ex-governador do Rio Grande do Sul, Olívio Dutra, e de Joaquim Soriano, representando o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), alguns familiares de camponeses perseguidos deram emocionados depoimentos, provocando lágrimas na mesa e na platéia.
O filho de João Machado Santos, o João Sem-Terra, liderança perseguida nos anos 1960, foi um deles: "Eu tinha quatro anos quando meu pai teve que abandonar a família para poder sobreviver. A ditadura escondeu, eu era proibido de falar dele. Pior do que passar necessidades era ouvir falar mal do meu pai e não poder fazer nada", contou João Altair dos Santos, que, em um caso raro, pôde encontrar o pai ainda vivo: "Ele voltou e morreu em 20 de outubro de 2010. Quando ele voltou, a nossa vontade era somente a de formar a família novamente", disse.
Francisco de Souza, filho de Francisco Nogueira Barros, o Pio, também chorou ao contar que, com o auxílio do MDA, da SDH e da UFRJ, vai publicar o livro que escreveu contando a história do conflito na Fazenda Japuara, em Canindé (Ceará): "Tive a iniciativa de escrever a nossa história. A Marta Cioccari viu que eu estava escrevendo a punho e me trouxe para o projeto para escrever pequenos livros. Para mim, foi maravilhoso resgatar a nossa história através do lançamento desse livro pela UFRJ. Teremos a oportunidade de contar a nossa verdade", disse.
Maria do Rosário elogiou a publicação: "É um reconhecimento da luta do nosso povo pelo direito à terra, ao trabalho e à democracia. Esse livro tem que circular, tem que ser lido. Por isso, a SDH e o MDA vão seguir fazendo esse trabalho com os livros menores e outras ferramentas. Queremos chegar às escolas. A maior parte dessas histórias é completamente desconhecida da sociedade.
Eles ainda não foram reconhecidos com a devida atenção pelo Estado por tudo o que sofreram. Não há também o reconhecimento da resistência no campo como uma luta fundamental para a democracia no Brasil.
Cada uma dessas histórias revela métodos de ação da Ditadura. Terra e poder são coisas muito articuladas no Brasil", disse a ministra, ressaltando que a origem deste trabalho aconteceu durante o governo Lula, nas equipes dos ministros Paulo Vannuchi (DAS) e Guilherme Cassel (MDA).
Fonte: Carta Capital
 

ADURN Sindicato
84 3211 9236 [email protected]