Cientistas criticam novo corte no orçamento de áreas estratégicas para o desenvolvimento do País

Publicado em 23 de fevereiro de 2012 às 16h14min

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Cientistas se mostram preocupados com o impacto negativo que o corte de mais de 22% no orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT&I) pode provocar no desenvolvimento nacional em médio prazo, justamente em um momento em que o Brasil conquista status de sexta economia do mundo. Confira essa e outras matérias na nova edição do Jornal da Ciência, disponível em PDF no nosso site.
A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, criticou o governo federal pelo corte de investimentos em áreas consideradas estratégicas para o desenvolvimento do País, como ciência, tecnologia e inovação. Apesar de o ministério ter incorporado "inovação" ao nome no ano passado, Helena lembrou isso não se refletiu em reforço orçamentário.
"Quando se corta na cadeia de produção que envolve educação, ciência, tecnologia e finalmente a inovação demora-se um tempo para ver efeito nocivo do que foi esse corte", analisa Helena. "Essas são áreas estratégias para o Brasil ser um país de primeiro mundo", complementa.
Ao se mostrar "chocada" com o novo bloqueio de investimentos para tais áreas, Helena observa que essa decisão segue na contramão da tendência de países desenvolvidos. "Fico muito preocupada. Quero imaginar que talvez a presidente Dilma não tenha visto quão nocivo é o corte para a nação brasileira", complementa.
Encolhimento do orçamento - Com o novo contingenciamento, em dois anos o orçamento do MCTI encolheu de R$ 7,8 bilhões, em 2010, para R$ 5,2 bilhões em 2012. Apenas este ano perderá 23% dos R$ 6,7 bilhões que estavam previsto na Lei Orçamentária Anual.
Helena também criticou o corte de R$ 1,9 bilhão no orçamento da Educação, anunciado na semana passada. Justificando a decisão do governo federal, o Ministério da Fazenda disse que a intenção é fazer frente ao cumprimento da meta cheia do superávit primário de R$ 140 bilhões este ano.
A presidente da SBPC teme que o corte prejudique programas importantes, como o Ciência sem Fronteiras, por exemplo, que prevê até 2014 a concessão de 100 mil bolsas para formação no exterior.
Academia científica tenta se antecipar - Temendo danos que o contingenciamento de recursos em áreas estratégicas para o País poderia interferir no desenvolvimento nacional, Helena insistiu em dizer que a academia científica, desde o ano passado, vem alertando o Palácio do Planalto sobre os graves riscos aos quais "a nação fica exposta quando ocorrem cortes nos investimentos públicos em educação, ciência e tecnologia".
O recado mais recente foi encaminhado ao Palácio do Planalto no início deste mês, antes mesmo de ser anunciado o ajuste fiscal do governo federal. "Por serem áreas estruturantes da vida do País, os reflexos dos investimentos ou da falta deles em educação, ciência e tecnologia são sentidos somente no médio e no longo prazo. Mesmo que de maneira ainda tímida, já podemos sentir alguns efeitos positivos dos investimentos regulares e crescentes havidos nessas áreas nos últimos anos", alerta o documento enviado pela SBPC e Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Já em junho do ano passado, as duas entidades encaminharam à Presidência da República um documento em que manifestam apreensão sobre a ausência de áreas de C,T&I nos megadesafios da proposta do Plano Plurianual (PPA) do quadriênio 2012-2015, elaborada pelo Ministério do Planejamento. Após esse pleito, a proposta da academia científica e de cientistas foi contemplada no PPA.
Investimentos em C&T versus desenvolvimento - Ao considerar que o desempenho das áreas de ciência, tecnologia e inovação tem forte correlação com o desenvolvimento de um país, Helena disse que os investimentos nessas áreas precisam ser mantidos em vez de serem retraídos. "Ou é uma política de Estado, ou o Brasil não vai sair do mesmo", alertou.
Ao olhar de Helena, embora tenha ultrapassado a Inglaterra no ano passado, tornando-se a sexta economia do mundo, o Brasil "ainda está aquém do que precisa" evoluir em termos de desenvolvimento científico e tecnológico. Ou seja, apesar de conquistar o status de sexta economia mundial, o País ainda ocupa a 13ª posição na produção de conhecimento.
"Para nós, cientistas, a leitura é outra. O Brasil pode ser a sexta do mundo, mas está a anos luz atrás da Inglaterra que tem educação de alta qualidade em todos os níveis, tem ciência, tecnologia e inovação de altíssima qualidade, em número abundante para aquela população", observa Helena.
Ao destacar que países com economia desenvolvida investem em áreas estratégicas do conhecimento, Helena citou o exemplo dos Estados Unidos, quando no período da crise de 2008, o presidente Barack Obama elevou os investimentos justamente em áreas de ciência e tecnologia, apesar de fazer ajustes fiscais para inibir impactos daquela turbulência internamente.
"As nações mais desenvolvidas investem em ciência e tecnologia para ampliar sua base de conhecimento e aumentar seu potencial de inovação, para gerar mais emprego e melhorar a distribuição de renda no País", observa Helena.
Com a divulgação do estudo do Centro de Pesquisa para Economia e Negócios (CEBR, em inglês), publicado recentemente, o qual indicou que o Brasil tornou-se a sexta maior economia global, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, estimou que o País deverá alcançar o quinto lugar no ranking mundial antes de 2015.
Sugestão para revisão de cortes - O presidente da ABC, Jacob Palis, também repudiou os cortes no orçamento do MCTI. Ao lembrar que a entidade e a SBPC têm se pronunciado consistentemente sobre a "a importância" de investimentos crescentes" em CT&I para assegurar o presente e o futuro do Brasil, Palis fez um apelo à presidente Dilma Rousseff "por ampla revisão dos recentes cortes de orçamento nessas áreas.
Frustração do setor produtivo - Com a mesma visão, a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), que responde por 2,3% dos investimentos privados em inovação no País, alerta sobre o impacto negativo do bloqueio de investimentos em CT&I para a competitividade brasileira. Para o vice-presidente da instituição, Guilherme Marco de Lima, o bloqueio deve reduzir os estímulos do setor privado, adquiridos nos últimos anos, pela forte concorrência dos produtos chineses.
"Um corte dessa proporção prejudica, ainda mais, a capacidade das empresas brasileiras de agregarem valor aos seus produtos e processos e, consequentemente, de reverterem o déficit crescente da balança comercial [nesse segmento]", acrescenta.
Por outro lado, Lima prevê que as commodities devem continuar no comando da pauta da balança comercial do País, setor que no ano passado saltou para 36% do total de produtos brasileiros exportados, o maior percentual desde 1977. Dessa forma, ele avalia que a decisão do governo federal segue na contramão da bandeira da presidente Dilma Roussef - levantada na posse do ministro Marco Antonio Raupp - de usar ciência, tecnologia e inovação como áreas estratégias no desenvolvimento do País.
"Por se tratarem de investimentos em áreas inovadoras, precisamos de continuidade na alocação de recursos em ciência e tecnologia em curto, médio e longo prazo, como uma política de Estado".
Para Lima, o corte pelo segundo ano consecutivo deve interferir, ainda, nos investimentos em CT&I como proporção do PIB, cuja estimativa do governo é de elevar o atual patamar de 1,2% para 1,8% do Produto Interno Bruto em 2014. Além disso, Lima disse que o País fica cada vez mais distante de alcançar patamares sugeridos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) de 2,2% a 2,5% do PIB em CT&I.

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