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Publicado em 09 de abril de 2012 às 11h06min
Tag(s): Direitos Humanos
“A Lei de Anistia se aplica só na jurisdição do Brasil. A Itália não sancionou nenhuma lei que possa beneficiar os responsáveis pelos desaparecimentos de cidadãos italianos sequestrados no Brasil, vítimas do Operação Condor. Na Itália não estamos obrigados a perdoar os culpados”.
Categórico, o procurador Giancarlo Capaldo afirma, durante uma entrevista concedida em seu escritório em Roma, que “já fechamos a fase do inquérito sobre o Operação Condor e agora espero que o juiz considere que aportamos elementos suficientes para abrir um processo, talvez em abril, pode ser depois do dia 20 de abril, contra ex-militares e agentes dos serviços de inteligência brasileiros acusados de participar dos desaparecimentos dos ítalo-argentinos Horacio Domingo Campliglia Pedamonti e Lorenzo Ismael Viñas Gigli, sequestrados no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, respectivamente.
“São dois casos onde a participação brasileira nos parece clara. Campiglia foi capturado quando chegou ao aeroporto do Rio, no dia 12 de março de 1980, junto com a argentina Mônica Pinus de Binstock, também desaparecida. Não é possível que isso possa ter acontecido sem a cumplicidade de autoridades brasileiras”.
Ao continuar com o processo sobre os crimes cometidos durante a ditadura brasileira, Capaldo parte do princípio que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis e a anistia de João Baptista Figueiredo (1979-1985) é uma anomalia jurídica, seguindo assim um raciocínio similar ao da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Treze brasileiros, entre os quais está Figueiredo e outros alto oficiais já falecidos, integram a lista de 146 chefes militares e agentes de inteligência sulamericanos cuja detenção foi requerida pela Procuradoria de Roma.
Nem todos os repressores morreram: o coronel Carlos Alberto Ponzi, chefe do Serviço Nacional de Informações no Rio Grande do Sul em 26 de junho de 1980, quando ocorreu o sequestro de Viñas, está vivo e parece saudável. Ou, pelo menos, o suficiente para criticar os jovens que realizaram um protesto na frente de sua residência há duas semanas em Porto Alegre.
O prosseguimento do processo Condor na Itália terá uma “repercussão muito grande no Brasil, será um impacto muito maior que em outros países sulamericanos”, porque se algum dos acusados for considerado culpado, será o “primeiro militar brasileiro condenado”, assinala a ex-presa política Amelinha Teles. Espero que a Itália dê uma lição a nossos juízes. O Brasil segue sendo o campeão da impunidade na América do Sul, somos um caso raro em nível internacional”, reforça Teles.
Capaldo disse em várias entrevistas e repete durante a conversa que teve com a Carta Maior, que sua intenção não é violar a soberania de nenhum país, mas sim aplicar o princípio, universalmente aceito, da extraterritorialidade, segundo o qual qualquer magistrado pode declarar-se competente para atuar contra acusados de graves violações dos direitos humanos. “Como fez o juiz espanhol Baltazar Garzón” em 1998 quando ordenou a prisão do chileno Augusto Pinochet, durante uma visita privada a Londres.
A queda de Garzón “não foi uma boa notícia” para os poucos magistrados comprometidos com o esclarecimentos dos crimes de Estado, que “podem ver” nessa condenação uma advertência, assinala Capaldo, que reconhece que nestes últimos anos de “trabalho duro” algumas vezes se sentiu só e sem “respaldo”. “Não foi simples levar adiante esse trabalho que iniciamos em 1998 sobre os brasileiros e outros militares comprometidos com o Plano Condor. Se o juiz decidir receber nossas provas entraremos em uma nova fase do processo, o que será um avanço”.
“Não temos contado com a colaboração das autoridades dos países sulamericanos em geral. Quem nos apoiou foram os familiares e as organizações de vítimas. Temos tido muito pouca colaboração da Justiça e da polícia do Brasil. Precisamos de mais documentos”.
Capalda mede as palavras e se emprega alguma de modo inapropriado do ponto de vista jurídico logo a corrige. Ele se expressa pausadamente, é gentil sem deixar de manter distância em relação ao repórter. Está interessado no Brasil e faz algumas perguntas sobre a presidenta Dilma, de quem conhece muito pouco. Quando se fala da Comissão da Verdade, demonstra bastante interesse no assunto e até faz algumas anotações em sua agenda.
“Creio que essa Comissão pode nos ajudar no que diz respeito à obtenção de testemunhos e de mais informações sobre como funcionava a Condor no Brasil. Não se sabe muito sobre qual foi a participação do Brasil (nessa rede). Temos mais dados sobre a participação da Argentina e do Uruguai.”
O procurador nos recebe em seu escritório do primeiro piso do palácio de justiça romano; veste-se com austeridade jurídica: terno azul, camisa clara e gravata tom sobre tom. Aceitou dar a entrevista se maiores objeções, pedindo apenas que não fosse gravada.
Familiares de desaparecidos latino-americanos que conhecem o mundo da Justiça italiana, o definem como um promotor sério e hermético. Alguns reprovam a demora em acumular provas para a abertura do processo.
“O tempo que nos demandou esse trabalho se deve ao fato de que não podemos apresentar qualquer coisa ao juiz. Tenho milhares de páginas sobre vários países, sobre Argentina, Uruguai, Chile...são mais de 140 acusados, há mais de 20 italianos vítimas do plano Condor. O problema é que se levarmos algo pouco fundamentado ao juiz ele pode recusar a abrir o processo e todo esse trabalho terá sido em vão".
“Você me perguntava se sou otimista sobre a decisão do juiz...É difícil responder. Não sei se sou...”.
Mais italianos
Os casos dos italianos Antonio Benetazzo, nascido em Verona, assassinado em São Paulo em 1972, e Libero Giancarlo Castiglia, oriundo de Cozenza, desaparecido desde 1973 no Araguaia “também podem ser julgados por tribunais italianos já que aqui nem sequer podemos abrir processos”, propõe Amelinha Teles.
“Sabemos que a Justiça da Itália está interessada em esclarecer os crimes contra italianos que caíram no Plano Condor, creio que esses casos podem ser levados para lá e digo isso como integrante da associação que reúne familiares e ex-presos políticos de São Paulo”.
“Conheço muito bem o caso de Benetazzo porque fui presa no mesmo lugar onde ele ficou detido em São Paulo e vi uma mala com seus livros, abandonada. Ele foi assassinado em outubro e eu fui presa em dezembro de 1972”.
Giancarlo Capaldo recebe com cautela a possibilidade de que os casos Benetazzo e Castiglia sejam acolhidos pelos tribunais italianos. Em princípio, diz, isso é possível, mas esclarece que esses casos não podem ser anexados à causa Condor.
“Na América do Sul há uma confusão habitual, quer se meter tudo no Plano Condor, e isso não é assim. Para que seja considerado como Condor deve haver elemen tos que nos permitam provar a cumplicidade de dois ou mais governos militares. Quando um brasileiro descendente de italianos é sequestrado e morto no Brasil por agentes brasileiros isso não é Condor e não pode entrar nesta causa”.
Baltazar Garzón
“Recebi com preocupação” a expulsão de Baltazar Garzón da magistratura espanhola, logo após ter aberto uma investigação sobre as matanças de Francisco Franco, comenta Giancarlo Capaldo, o procurador que, desde 1998, trabalha no processo contra ditadores e chefes militares sulamericanos envolvidos no Plano Condor.
“Garzón teve a coragem de abrir um processo sobre a ditadura de Franco. Isso foi muito importante para todo mundo. Eu não conheço os elementos desse processo e não poderia pronunciar-me sobre a acusação da Corte espanhola”, que o expulsou da Magistratura. Capaldo diz “suspeitar” que as acusações “talvez tenham sido instrumentalizadas com o objetivo de prejudicar a um personagem importante como é Garzón, na Espanha e na América Latina”.
E conclui: “às vezes as acusações exageradas são no fundo falsas” e procuram prejudicar, com instrumentos jurídicos, uma pessoa que se tornou incômoda devido a sua “integridade”.
Por Darío Pignotii, especial para Carta Maior
Tradução: Katarina Peixoto