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Publicado em 09 de abril de 2012 às 11h07min
Tag(s): Educação Superior
Depois da expulsão de oito estudantes da Universidade de São Paulo (USP), em dezembro passado, e da interpelação judicial de todos os diretores da Associação de Docentes da USP (Adusp) por declarações dadas sobre a destinação das verbas na universidade, o reitor João Grandino Rodas criou, no fim de março, a Superintendência de Segurança. Foram contratados três coronéis da Polícia Militar de São Paulo. Um deles, Luiz de Castro Junior, para o cargo de superintendente. O Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) vê a medida como mais uma entre as tantas tomadas pela reitoria para reprimir professores, estudantes e trabalhadores. Por isso, já se mobiliza e contatou entidades representativas da universidade, intelectuais, juristas e outros setores e personalidades ligadas à instituição. Ainda segundo o sindicato, esses militares interventores são contratados sem concurso público, conforme determina a lei.
No mesmo dia em que Rodas anunciou a criação da Superintendência de Segurança, o Ministério Público de São Paulo confirmou a abertura de investigação para apurar uso indevido de verbas públicas. A denúncia aponta que o reitor teria utilizados boletins oficiais da universidade para atacar professores da Faculdade de Direito, que ele dirigiu, e onde é considerado persona non grata.
Nesta entrevista, o diretor do Sintusp Aníbal Cavali fala sobre a presença na polícia na USP, a expulsão de alunos, a perseguição a professores, a privatização do ensino, projetos escusos para a comunidade São Remo e as ações para pulverizar a resistência ao processo autoritário em curso, o a transferência de alguns setores acadêmicos para diversos pontos da cidade de São Paulo.
Por que tantas medidas autoritárias estão sendo tomadas na USP?
Entre todas as universidades do país, a USP tem as regras mais retrógradas, entre elas o decreto transitório de 1972, editado em plena ditadura, no qual o reitor se baseou para expulsar os oito estudantes. Este é mais um resquício da ditadura na universidade. Na década de 1980, a USP chegou a reformular o seu estatuto, o que não avançou. Tanto é que a Lei de Diretrizes de Bases (LDB) da Educação, de 1996, que estabelece as regras para todos os setores do ensino, é desobedecida no que diz respeito à posição dos conselhos e processo de escolha do reitor. A Unicamp (Universidade de Campinas) e a Unesp (Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho), também estaduais, respeitam.
Isso explica a escolha do reitor, geralmente polêmica?
Sim. Menos de 2% da comunidade de mais de 100 mil pessoas, entre trabalhadores, alunos e professores, participa do processo eleitoral. O colegiado não chega a 2 mil membros. E no segundo turno da disputa, quando se passa a lista tríplice, os nomes mais votados que seguem para o governador, apenas 350 participam. Para piorar, o governador é quem decide. Assim como fazia Paulo Maluf quando no governo, José Serra desrespeitou a ordem da lista e escolheu Rodas, que era o segundo da lista. A universidade, que enfrenta uma queda histórica de investimentos públicos, assiste ao avanço da iniciativa privada, das fundações, das parcerias público-privadas. No nosso entender, Rodas não foi conduzido por Serra ao poder à toa. Ele é o braço do estado para levar a cabo ou ampliar a política de privatização.
Braço do governo para privatizar a universidade?
Na Faculdade de Direito, onde foi diretor, Rodas homenageou empresários que fizeram doações à unidade, batizando auditório com o nome deles. Ele é uma figura distinta dos outros reitores. Em 2007, a então reitora Suely Vilela sofreu grande pressão do estado para chamar a polícia para reintegração de posse da reitoria ocupada. Mesmo pressionada, ela não reprimiu militarmente aquele movimento. Naquele mesmo ano, Rodas chamou a tropa de choque para reprimir a ocupação simbólica da Faculdade de Direito. Botou o batalhão contra os movimentos sociais (Educafro, MST), que reivindicavam cotas na faculdade. Mandou todo mundo preso no 1º DP, na Liberdade. Na sequência, ele, que era assessor do Conselho Universitário, instância máxima da universidade, elaborou resolução que autorizava a entidade a firmar acordo para colocar a Polícia Militar. Isso resultou na repressão de um movimento em 2009. A PM perseguiu e reprimiu os manifestantes com bombas de efeito moral, balas de borracha. No ano seguinte, ele foi escolhido reitor. A postura autoritária e truculenta deu a Rodas cacife. Serra viu nele qualidades para levar a cabo seu projeto.
E depois?
De lá para cá, a ofensiva de Rodas é crescente. Ele demitiu 371 trabalhadores aposentados alegando que, aposentados, não poderiam mais estar trabalhando. E começou então a agilizar processos contra trabalhadores e alunos. Os manifestantes que ocuparam a reitoria em 2007 passaram a ser perseguidos. Agora, mais recentemente, oito estudantes foram expulsos. Eles dizem que foram seis porque dois deles tinham concluído o curso e estariam mesmo fora da universidade. Pelo decreto de expulsão, durante cinco anos os expulsos não podem prestar novo vestibular e nem concurso para servidor na USP. Nós, trabalhadores, temos três processos, inclusive processos por uma manifestação que fizemos na frente da Assembleia Legislativa, em 2010, numa ocasião em que Rodas foi convocado para esclarecer as demissões. Além de ter faltado, ainda entrou processo administrativo que pode levar à demissão dos trabalhadores “pelo bem do serviço público”.
E os cursos pagos?
Há o fechamento de cursos para a posterior abertura a cobrança de mensalidade, que acontece em várias unidades, como o de Turismo da ECA (Escola de Comunicações e Artes). E tem na Poli (Escola Politécnica), na FEA (Faculdade de Economia e Administração). Sem contar a reforma da grade na USP Leste, que a reitoria voltou atrás e não acabou o curso para formação de obstetrizes devido a muita resistência. Eles argumentam que são cursos sem demanda de mercado, mas depois abrem-se brechas para outros que atendam a essas demandas do mercado. Essa é uma questão absurda. A universidade é para transformar, não para ser transformada pelo mercado. Uma lógica perversa. Uma afronta àqueles que há décadas lutam por uma universidade que atenda aos interesses da sociedade, que o pagamento de impostos mantém a universidade. Que no caso da USP é ainda mais injustiçada. O pobre, que mais paga impostos, não entra na USP nem para estudar e nem para conhecer, para passear, porque a universidade está fechada a partir das 14 horas do sábado.
Como você avalia o fim do ônibus circular gratuito?
É outra medida elitizante. Estudante e trabalhador têm o bilhete BUSP. O filho do trabalhador que sustenta a universidade, se for lá para conhecer, passear ou fazer uma pesquisa escolar, vai ter que pagar ou atravessar a universidade a pé. É o que vai acontecer com os 4 mil trabalhadores terceirizados da USP, em sua maioria moradora da unidade São Remo. A maioria trabalha na limpeza e segurança, para empresas que não dão vale transporte. Os que ganham menos são mais penalizados. Outra medida que prejudica a comunidade São Remo é o projeto de urbanização, que ninguém conhece em detalhes. Que urbanização é essa, se as ruas são asfaltadas, há água e luz e as pessoas pagam IPTU? Tudo indica que seja uma medida de higienização, de expurgos da população mais pobre para “embelezar” uma região onde a USP está construindo um centro de convenções de nível internacional. Essas medidas de Rodas expressam seu autoritarismo.
Depois do Ato pela democratização realizado na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), no começo de março passado, Rodas soltou um boletim – ele adora usar o boletim para mandar seus recados – no qual arruma mais desculpas para a expulsão dos alunos. Expulsos pela ocupação da Coseas (Coordenadoria de Assistência Social), Rodas veio dizer depois que o processo era também pelo sumiço de documentos. Ele parece jogar xadrez, pensando muito sobre o próximo lance que dará. A “comissão da verdade” da USP deve não só esclarecer os fatos do tempo da ditadura na USP o também os que acontecem hoje em dia, principalmente da gestão Rodas para cá. Na USP, que tem esse estatuto, a presença da polícia militar, um reitor fazendo o que faz, demitindo trabalhador, processando, expulsando alunos, eliminando da sua frente todo obstáculo a seus planos, a ditadura não acabou.
E tem ainda a interpelação aos diretores da Adusp (Associação de Docentes da USP), a ameaça para que desmintam as afirmações sobre a aplicação dos recursos sob pena de serem processados na Justiça. É a lei da mordaça, medida para colocar mão pesada sobre os fatos. Todas as iniciativas desse reitor são no sentido de deixar bem claro a que ele veio.
Fonte: Rede Brasil Atual