Ciência sem Fronteiras estreia 'acelerado', mas com restrições

Publicado em 25 de abril de 2012 às 09h09min

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Em nove meses, o programa de bolsas de estudo Ciência sem Fronteiras, um dos carros-chefe do governo Dilma Rousseff, cumpriu 20% da meta governamental de enviar 75 mil universitários e pesquisadores a instituições de ensino superior estrangeiras até 2015. O setor privado, que se comprometeu a financiar outros 26 mil estudantes, está às voltas com questões burocráticas e operacionais e ainda não fechou uma única bolsa.
Considerado "surpreendente" e até "alucinante" por acadêmicos e parceiros fora do governo, o desempenho dos primeiros nove meses do Ciência sem Fronteiras reflete uma demanda reprimida por oportunidades de formação global nas universidades brasileiras e também a longa experiência das agências federais de fomento à pesquisa, que mantêm parcerias com instituições de ensino estrangeiras há cinco décadas.
Nessa primeira fase do programa, contudo, quase a totalidade das bolsas se concentrou nos Estados Unidos e não permitiu que os alunos escolhessem a universidade de preferência, tarefa executada por uma agência de colocação contratada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes-MEC) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq-MCT), executores da política governamental.
Leandro Russovski Tessler, professor Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), umas das instituições que mais têm cedido candidatos ao Ciência sem Fronteiras, explica que esse tipo de agência funciona como uma intermediadora. "A Capes e o CNPq escolheram um modelo esperto. Fecharam parceria com agências internacionais que se relacionam com inúmeras universidades, assim foi possível criar novas parcerias e aumentar de forma surpreendente a escala dos programas de bolsa que já existem", avalia.
Ele acrescenta que o modelo de parceria entre as agências de fomento à pesquisa do País e as universidades no exterior oferece pouca mobilidade às instituições brasileiras e aos alunos. "Universidades como a Unicamp, com certa inserção internacional e acordos com instituições de fora, não podem escolher para onde mandar seus alunos, o mesmo vale para os candidatos, que escolhem o país, mas não sabem para qual universidade serão enviados. Isso acaba inviabilizando a troca de experiências com universidades mais de ponta", diz Tessler.
Márcio de Castro Silva Filho, diretor de relações internacionais da Capes e professor licenciado da Universidade de São Paulo (USP), argumenta que desde o ano passado reitores brasileiros têm viajado para vários países para negociar parcerias do Ciência sem Fronteiras e que as agências de colocação internacionais dão prioridade a universidades que já se relacionam com o mundo acadêmico brasileiro. "Não dá para mandar todo mundo para Harvard ou Princeton. Elas oferecem muito poucas vagas para um processo seletivo fora da curva."
Segundo ele, não há limitações para parcerias internacionais de universidades como a Unicamp. "Pelo contrário, o programa foi lançado para dar magnitude e ampliar muito a base dessas parcerias, permitindo que os atores com inserção internacional reforcem suas parcerias e tragam um novo contingente de universidades para participar do seu processo de internacionalização, que é a principal agenda das universidades no Brasil e no mundo. Ou seja, o Ciência sem Fronteiras é todo baseado em mobilidade que existe há décadas", explica Silva Filho.
A maioria das universidades até agora contempladas no programa de bolsas do governo federal pode não ser conhecida do grande público ou não ter o mesmo reconhecimento de instituições renomadas como Oxford ou Harvard. Mas figuram em rankings internacionais e se destacam em áreas específicas, caso de University of Utah, Colorado School of Mines, Rochester Institute of Technology.
"Nas próximas chamadas as grandes universidades serão contempladas, como Harvard e MIT", garante o presidente da Capes, Jorge Almeida Guimarães. Até 2015, mais de 200 universidades estrangeiras abrirão espaço para alunos e pesquisadores brasileiros.
De acordo com as agências federais de fomento à pesquisa, em nove meses foram concedidas e aprovadas cerca de 15 mil bolsas para diferentes modalidades de graduação e pós-graduação "sanduíche" (uma parte do curso é feito no exterior) em áreas com carência de mão de obra qualificada e consideradas prioritárias para o desenvolvimento técnico e da inovação no País: engenharias, computação, petróleo e gás, química, saúde e biologia. O auxílio do governo cobre despesas com passagem aérea, acomodação, alimentação, anuidades das universidades, seguro-saúde e uma remuneração mensal que varia de US$ 300 (graduação) a US$ 1.300 (doutorado).
Mais de 3,5 mil bolsistas já estão fora do País e outros 11,5 mil começam a vida acadêmica no exterior a partir de setembro, início do ano letivo no hemisfério Norte. Guimarães disse que o ritmo acelerado do programa vai continuar, fechando 2012 com 20 mil bolsas concedidas (27% da meta para o governo federal).
O programa é tratado como prioridade de Estado para Brasil e EUA. "O projeto encontrou a Capes e o CNPq organizados, com diretorias de relações internacionais bem estruturadas, mas também tem a ver com a vinda do [presidente americano Barack] Obama no ano passado [em março]", diz Guimarães. O presidente da Capes lembra que sem o esforço diplomático dos dois governos seria impossível ter enviado os primeiros alunos em janeiro deste ano.
"O programa foi lançado no fim de julho, os formulários de inscrições e o processo de seleção começaram dois meses depois. Em dezembro eram 2,5 mil pessoas aptas a ganhar uma bolsa. Imagina de repente tirar isso tudo de passaporte e vistos! A Embaixada dos EUA criou o 'Visa Day' nos quatro consulados americanos do país e tiramos vistos de uma montoeira de gente." Hoje o programa conta com oportunidades em países europeus, asiáticos e na Austrália.
Setor privado - Nos últimos anos, com crescimento econômico e forte aquecimento do mercado de trabalho, a iniciativa privada elegeu o risco de um apagão de mão de obra qualificada como um dos principais entraves aos negócios e ao desenvolvimento do País. A notícia de que, entre 2000 e 2010, a taxa nacional de formação de engenheiros ficou estagnada na casa dos 5% do total de concluintes do ensino superior, enquanto em países desenvolvidos fica perto de 20%, sempre assusta o setor empresarial.
O fraco desempenho acadêmico das engenharias no Brasil foi um dos argumentos usados pelo governo para atrair o setor privado para o programa Ciência sem Fronteiras. A política pública de concessão de bolsas internacionais focada nas ciências exatas, lançada em julho de 2011, estabeleceu uma meta de 75 mil bolsas de graduação e pós-graduação pagas pelo governo, e 26 mil pela indústria e setor financeiro. Em nove meses, o governo cumpriu 20% de sua meta. As empresas não tiraram uma única bolsa do papel. Ainda trabalham no desenho de editais, critérios de seleção e no formato do financiamento.
Dirigentes da Capes minimizam o atraso. "Não é trivial. O importante é que o comprometimento do setor privado está acordado. Fazemos isso há 50 anos, empresas não têm capacidade e estrutura que temos. Estamos conversando para responder a algumas perguntas: 'Elas devem usar o programa para o treinamento de funcionários?'; 'devemos criar uma nova modalidade de bolsa?'; 'os recursos privados vão diretos para as instituições escolhidas ou passam pela gente?'", explica Márcio de Castro Silva Filho, diretor de relações internacionais da Capes.
Juntas, instituições financeiras e indústrias ligadas à Federação Nacional de Bancos (Febraban) e à Confederação Nacional da Indústria (CNI) pretendem oferecer mais de 10 mil bolsas até 2017. Rafael Lucchesi, diretor de educação e tecnologia da CNI, argumenta que não há atraso. "Estamos no prazo de implementação, desenvolvendo os modelos institucionais das bolsas."
Mário Sérgio Vasconcelos, diretor da Febraban, explica que a operação é mais complicada para os bancos. "O foco maior é na área de exatas e engenharias, não no setor bancário. Nossas opções de concessão de bolsas são menores do que as da indústria, de uma empresa como a Petrobras", diz Vasconcelos, lembrando que o termo de compromisso da Febraban com o governo foi firmado em dezembro de 2011.
A Petrobras financiará cinco mil bolsas até 2017 para a formação e especialização de profissionais da indústria de energia, óleo, gás e biocombustíveis. Diferente dos bancos e de outras empresas do setor industrial, a estatal definiu que vai repassar R$ 318 milhões ao CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] e à Capes, que cuidarão de todo o processo, da seleção ao envio do bolsista ao exterior. "O apoio da Petrobras está em fase de detalhamento. Um plano de trabalho deverá ser validado nos próximos dias. Vamos usar os recursos dos investimentos em P&D previstos nos contratos de concessão firmados entre a ANP [Agência Nacional do Petróleo] e as concessionárias", diz Maria Alves Fernandes de Oliveira, gerente de desenvolvimento de RH da Petrobras.
A Eletrobras também não concluiu nenhuma bolsa, mas está sondando universidades nos Estados Unidos, Alemanha, França, Itália, Inglaterra e até na Ásia para cursos sobre energia termonuclear e renovável. Serão concedidas 2,5 mil bolsas: um investimento que pode chegar a R$ 170 milhões em quatro anos.

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