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Publicado em 03 de maio de 2012 às 10h00min
Tag(s): Educação Superior
Quatro por cento dos estudantes de nível superior, nos Estados Unidos, são negros. Mas os afro-americanos representam 13% da população do país. Então, as universidades ainda estão longe de refletir a realidade. “Melhorou muito”, disse ao Viomundo o vice-presidente da NAACP (Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor), Hillary Shelton, “mais ainda tem muito que avançar”. E olha que lá se vão mais de cinquenta anos de luta.
Por Heloisa Villela, no Viomundo
O ex-presidente John F. Kennedy foi o autor da expressão “ação afirmativa”, em 1961, destacando que a discriminação racial persistia, apesar das conquistas do movimento pelos Direitos Civis. A segregação não terminou com uma canetada e as oportunidades não se igualaram de um dia para o outro. Aliás, não se igualaram até hoje. Mas, para quem saiu do zero, os ganhos foram enormes.
Kennedy, padrinho da ideia, não teve tempo de executá-la. Morreu antes, assassinado, em Dallas, no Texas. Coube ao vice, Lyndon Johnson, tomar a primeira medida concreta para abrir oportunidades de emprego para as minorias no governo e nas empresas que prestavam serviços para o estado. A ideia era dar o exemplo para que a iniciativa privada seguisse o mesmo caminho. O governo Nixon levou a iniciativa mais adiante, brigando contra o preconceito dos sindicatos da construção, nos quais os afro-americanos não tinham vez.
Deu trabalho escancarar a porta. Os americanos optaram pela ação afirmativa e não pela adoção de cotas. Eles fazem uma grande diferença entre as duas coisas. Por que? “Para não dar chance a quem decidir contestar as medidas na justiça”, explicou Hillary Shelton. O problema é o seguinte: depois de alguns anos de avanço, a partir do governo Reagan os conservadores começaram a fazer força contra a maré. Passaram a dizer que qualquer sistema de cotas nada mais é do que discriminação ao contrário. Ou seja, se um aluno tem notas melhores mas, por ser branco, não recebe a vaga na universidade, que vai para um aluno afro-americano com rendimento escolar mais fraco, ele pode se sentir no direito de ir à Justiça, alegando ter sido discriminado.
A ação afirmativa é diferente. Ela sugere que se dê oportunidade às minorias, sem estabelecer números e metas fixas. “Mas em alguns casos, as cotas são necessárias”, garantiu Hillay Shelton. E citou o exemplo do departamento de polícia do Alabama que, durante mais de uma década, não promoveu sequer um policial negro. Por isso, em 1983, a Suprema Corte do país entrou na história e determinou que 50% das promoções do departamento teriam que ser dadas a oficiais afro-americanos. Em certos casos, o passo adiante é dado na marra. E só na marra.
Quem mais ganhou espaço com a ação afirmativa foram as mulheres. Sim, a medida visa todas as minorias. Hoje, elas são mais de 50% do número de estudantes de nível superior do país. Na média, ainda ganham menos que os homens quando desempenham a mesma função. Por isso o presidente Obama assinou mais uma ordem executiva, assim que tomou posse, proibindo esse tipo de discriminação.
Mas, para os afro-americanos, ainda falta um bocado de chão pela frente. Perguntei a Hillary Shelton se o problema não começa bem mais cedo, no ensino fundamental. É sabido que as escolas públicas dos bairros pobres, de população majoritariamente negra, são sempre piores que as escolas públicas dos bairros ricos.
Ele concordou e recordou: "Eu nasci e cresci em Saint Louis, Missouri. No lado norte da cidade, 90% dos moradores eram afro-americanos. No Sul, viviam os brancos. E as escolas da região Sul eram bem melhores que as do Norte".
Daí a expressão muito conhecida aqui nos Estados Unidos: “Ele mora do lado errado da linha do trem”. Mas, por que tanta diferença no sistema público de ensino?
"Noventa por cento do orçamento das escolas são investidos pelo estado e apenas 5%, em alguns casos 10%, são do governo federal. A verba do estado depende da arrecadação do imposto predial. Então, se você usa o dinheiro de acordo com a área aonde ele foi arrecadado, claro que os moradores dos bairros ricos pagam um imposto mais alto e as escolas têm mais dinheiro. Em apenas um estado do país, Connecticut, a distribuição é diferente. Eles arrecadam o imposto e distribuem a verba igualmente pelas escolas, há 20 anos. Por isso, as condições de ensino melhoraram muito no estado inteiro", explica Hillary Shelton.
Para completar o desastre que já existia nos demais estados, entrou em cena o projeto educacional do governo Bush (o filho). O chamado No Child Left Behind (nenhuma criança deixada para trás… só rindo!). Um sistema que decidiu premiar escolas e professores com base nas notas dos alunos. Agora, para passar da quarta para a quinta série (os dois últimos anos do fundamental), o aluno tem de passar por um teste. Da oitava para a nona e para encerrar o ensino médio, também. Com a adoção do programa, os afro-americanos começaram a ficar para trás. Segundo Hillary Shelton, os especialistas se debruçaram sobre os testes-padrão e concluíram que elas trazem questões mais relevantes para os ricos que para os pobres.
Assim, há duas conclusões possíveis: depois de mais de 50 anos de implementação, a ação afirmativa fez muita diferença nos Estados Unidos. Mas a persistência do preconceito e a capacidade de resistir à integração e de inventar novas formas de discriminação são infinitas.
Em 2003, lembrou Hillary Shelton, a Suprema Corte dos Estados Unidos, bastante conservadora, julgou um processo contra a Universidade de Michigan e determinou que as cotas podem ser discriminatórias e não devem ser adotadas. Por outro lado, determinou que é necessário levar em conta as necessidades das minorias no momento de decidir quem ingressa na universidade.
Fonte: Viomundo